V Congresso da Associação Portuguesa de Literatura Comparada
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 01 a 04 de Junho de 2004
Autobiografia e Referencialidade: o caso 
das Confissões de J.-J. Rousseau
 
José Oscar de Almeida Marques
Departamento de Filosofia
Universidade Estadual de Campinas
 
RESUMO: A proposta de Rousseau de comunicar profundas verdades sobre o ser humano valendo-se de um relato autobiográfico enfrenta de imediato a clássica crítica de Aristóteles (Poética, 9) às narrativas ditas históricas que, ao prenderem-se a fatos acidentais e perspectivas particulares, não alcançam o nível universal característico da filosofia. Modernos tratamentos do gênero autobiográfico (Pascal, Howarth, May) estendem esse diagnóstico e negam que um autor esteja em posição privilegiada para apreender e comunicar verdades, ainda que meramente de cunho subjetivo e pessoal, sobre sua vida. Na perspectiva mais radical de Derrida, é a própria idéia de uma aferição da “veracidade” do relato autobiográfico que deve ser abandonada, recusando-se que o texto possa referir-se a uma realidade exterior a ele. Com base na crítica de Paul de Man à leitura de Derrida, pretendo indicar nesta comunicação que Rousseau estava consciente das dificuldades teóricas ligadas a seu projeto e ofereceu indicações de como poderiam ser resolvidas, de modo a preservar um núcleo irredutível de referencialidade que permite a atribuição de um tipo de verdade às Confissões independentemente dos elementos ficcionais empregados em sua preparação.
 
ABSTRACT: Rousseau’s intention to convey deep truths about human nature by means of an autobiographical narrative faces at once the classic Aristotelian critic (Poetics, 9) to the so-called “historical narratives”, which, being concerned with accidental facts and particular perspectives, could not reach the universal level characteristic of philosophy. Modern treatments of the autobiographical genre (Pascal, Howarth, May) extend that diagnosis and deny that authors are ever in a privileged position to apprehend and communicate truths, even of a subjective and personal nature, about their lives. In Derrida’s more radical view, it is the very idea of evaluating the "truthfulness" of an autobiographical report that is abandoned, because of the denial that texts can refer to any reality external to it. Based on Paul de Man’s critic of Derrida's reading of Rousseau, I propose that Rousseau was quite conscious of the theoretical difficulties associated with his project and gave indications as to how to solve them and preserve a hard nucleus of referentiality that allows for the attribution of a kind of truth to the Confessions, independently of the fictional elements used in its making.