HG 104 ESTUDO DIRIGIDO - Primeiro semestre de 2001 - Prof. Silvio Seno Chibeni

 

Exame (4/7/2001) - CORREÇÃO

 

1. Empirismo e racionalismo. Essas posições devem ser definidas com relação a uma determinada área do conhecimento. Segundo o empirismo o conhecimento dos princípios fundamentais da área deriva, em última instância, da experiência, ou seja, daquilo que os sentidos externos e introspectivo fornecem. Já para o racionalismo esse conhecimento pode ser obtido independentemente da experiência, pelas operações da razão pura.

 

2. i) Argumentos dedutivos ou lógicos. Ex.: modus ponens:

A ® B

A

B

ii) Argumentos indutivos. Ex.:

            A vela 1 derreteu quando imersa em água fervente

            A vela 2 derreteu quando imersa em água fervente

            A vela 3 derreteu quando imersa em água fervente

            A vela 4 derreterá quando for imersa em água fervente

iii) Argumentos abdutivos. Ex.:

            Sons de pequenas patas à meia-noite    

            Desaparecimento do queijo

            O gato inquieto

Há um rato escondido no rodapé

 

3. Uma hipótese é diretamente testável quando pode ser confrontada com a evidência empírica disponível quando da formulação da hipótese. Ex.: A hipótese de que a maior taxa de mortalidade por febre puerperal na Primeira Divisão da maternidade de Viena era devida à grande aglomeração de pacientes pôde ser testada, e refutada, pela observação já disponível de que a aglomeração era ainda maior na Segunda Divisão. Uma hipótese é indiretamente testável quando é possível extrair dela alguma implicação de teste cuja verdade possa ser determinada por certas observações feitas especificamente para esse fim. Ex.: A hipótese de que a maior mortalidade era devida a um efeito psicossomático, o medo infundido pela presença do padre que vinha dar a extrema unção, foi testada por Semmelweis ocultando o padre das pacientes e observando que a mortalidade não decaiu (implicação de teste falsa; hipótese refutada pelo teste).

 

4. A assimetria reside em que no caso da implicação de teste ser verdadeira não há um argumento lógico que conduz infalivelmente à conclusão de que a hipótese é verdadeira. Já no caso de a implicação de teste ser falsa existe um argumento logicamente válido – o modus tollens – que conduz à falsidade da hipótese.

H ® B                                                            H ® B

B                                                                    ¬ B

H ?                                                                 ¬ H

confirmação (inferência não-lógica)                  refutação (inferência lógica)

5. Não. Há duas dimensões a serem consideradas. Primeiro, quanto à justificação das leis científicas, a indução é incapaz de garantir a sua verdade. “[N]este caso a verdade das premissas não garante a verdade da conclusão” (Hempel 1966, seção 2.3, p. 10). Depois, se tentarmos encontrar uma função para a indução no processo de gênese do conhecimento científico, toparemos a dificuldade central de que em geral (embora nem sempre) as hipótese ou teorias científicas envolvem “conceitos inteiramente novos, que em nenhum momento aparecem na descrição dos próprios dados” que serviriam de base para a suposta inferência indutiva (ibid., p. 14).

 

6. Essa questão aparece quando Hempel critica a tese indutivista de que o processo de investigação científica principia pela observação neutra e registro de todos os fatos (ibid., p. 11). Tal tarefa sendo claramente irrealizável, pois os fatos são em número infinito, Hempel considera a réplica do adversário de que a prescrição se refere, na verdade, apenas aos fatos relevantes para o problema. A isso Hempel treplica que a noção de relevância não pode ser definida com referência apenas ao problema em questão, mas pressupõe uma hipótese ou conjunto de hipóteses (ibid, p. 12). Assim, a tese indutivista de que as hipóteses só são introduzidas posteriormente à coleta de dados, por um processo indutivo, fica comprometida.

 

7. Esse problema surge dentro da visão hipotético-dedutivista da ciência, defendida por Hempel, porque ela propõe que as hipóteses científicas são criadas livremente pelos cientistas, sem nenhum padrão de racionalidade aplicável em todos os casos. Hempel sustenta que, apesar disso, “a objetividade científica é salvaguardada pelo princípio de que enquanto hipóteses e teorias podem ser livremente inventadas e propostas na ciência, só podem ser aceitas no corpo do conhecimento científico se passarem por exame crítico, o que inclui, em particular, a checagem de implicações de teste apropriadas por meio de observações e experimentos cuidadosos” (ibid. p. 16).

 

8. Nos casos reais da ciência observa-se que quando tomadas isoladamente as hipóteses raramente possibilitam a derivação de implicações de teste. Precisam, em geral, ser acopladas a uma ou mais hipóteses auxiliares. É essa conjunção (de H e A, digamos) que vai ser objeto de teste. A dificuldade surge especialmente no caso de a implicação de teste ser falsa. Nesse caso perde-se a possibilidade de se usar o modus tollens para concluir que H é falsa. O que a lógica mostra é que a conjunção H e A é falsa; isso pode acontecer em virtude da falsidade de H ou da falsidade de A.

 

9. Um teste crucial é aquele capaz de, em princípio, decidir entre duas (ou mais) hipóteses rivais, propostas para explicar um certo fenômeno, ou conjunto de fenômenos. Para o caso de termos apenas duas hipóteses, H1 e H2, o teste seria esquematizado como:

H1 ® (C ® E1)

H2 ® (C ® E2)

onde C representa a condição de teste (descrição do experimento) e E1 e E2 denotam, respectivamente, as implicações de teste de H1 e H2. Para o teste ser crucial deve haver uma incompatibilidade entre E1 e E2, ou seja, E1 ® ¬ E2 e E2 ® ¬ E1. Assim, se a experiência mostrar que E1 é verdadeiro, H1 será confirmada e H2 refutada; se for falso, as avaliações se invertem. O mesmo vale, mutatis mutandis, para E2.

 

10. Seja HT a hipótese de Torricelli e HA a aristotélica. A primeira tem a implicação de teste ED, de que a altura da coluna de mercúrio diminui à medida que o barômetro vai sendo levado para o alto, enquanto que HA implica que essa altura fica invariável (EI). Ora, essas duas implicações de teste são incompatíveis. A experiência de fato mostrou que ED é verdadeira, corroborando assim a  hipótese de Torricelli e refutando a aristotélica. Se a experiência tivesse mostrado que EI é verdadeira, as avaliações se inverteriam. (Note-se que a extração de EI de HA claramente pressupõe a hipótese auxiliar de que o horror ao vácuo é o mesmo no alto e no baixo. Se essa hipótese for questionada, o experimento não mais poderá refutar a hipótese aristotélica, embora possa continuar confirmando ou refutando a de Torricelli. O experimento deixa de ser crucial.)