A1t2e3l4i5e6r7: 7 histórias de um poema

Publicado na Remate de Males nº 7


Tudo indica que Oswald de Andrade não realizou nada em matéria de poesia antes da iniciativa do Pau brasil, a não ser o tão citado poema - "O último passeio de um tuberculoso de bonde pela cidade" - destruído depois da arrelia feita pelos seus companheiros de O Pirralho. Começou a escrever poesia em 1924, pensando naquele livro e de fato, o poeta "não passou pelo serviço militar da métrica", como constatou Carlos Drummond de Andrade na época. O irriquieto modernista tinha um método especial de construir suas obras: escrevia a mão, geralmente a lápis, num sistema artesanal e meticuloso com o intuito claro de perseguir um estilo novo e próprio.

Por mais que se conteste Oswald, é inegável a sua atuação entre os seus contemporâneos, fornecendo-lhes pistas e sugestões para adaptar à literatura as experiências cubistas, responsáveis pela grande modernidade da pintura de um Picasso, de um Braque, de um Lhote; e também de uma Tarsila que trouxe para o Brasil em 1923 o Cubismo parisiense. Nas telas dessa pintora estava a lição de como assimilar, dirigir e absorver as tendências de modernização da arte ocidental, devolvendo-as em forma de brasilidade. Oswald, além de ter sido esse escritor de vanguarda, modelo para a sua geração, incentivou e apoiou com suas críticas as experiências mais extravagantes dos jovens escritores.

O projeto Pau brasil de Tarsila e Oswald, por conseguinte, constitui-se na primeira realização sistematizada e bem sucedida que colocou no cenário de nossas letras a modernidade original, na visão de João Ribeiro. Os dois modernistas pressentiram de imediato a necessidade de se encontrar, por meios próprios, um correlato das propostas de recuperação da identidade cultural, posta em discussão pela vanguarda histórica. A vivência da atmosfera inquietante de Paris nos anos 20 e os contatos mantidos com os vanguardistas europeus aguçaram nos dois artistas, não somente o desejo de acelerar as mudanças dos modelos estéticos conhecidos, mas também os ajudaram a concretizar um antigo sonho de que, com essa mudança, deveria acontecer a valorização das coisas brasileiras. De volta ao Brasil, Oswald lançou o Manifesto, publicou a versão modernizada do Miramar e começou a criação do Pau brasil; Tarsila por sua vez intensificou a brasilidade nas cores de suas telas cubistas (A Caipirinha A Negra). Enfim, recolocaram em discussão no meio artístico o aproveitamento dos motivos nacionais esquecidos e contaminaram de brasilidade muitos modernistas.

Oswald principiou o Pau brasil em maio de 1924, publicando-o no ano seguinte. Ao contrário dos seus dois romances mais conhecidos, o escritor não precisou de muito tempo para encontrar a forma ideal desses poemas. Mesmo assim alguns deles foram reescritos várias vezes. Costumava publicar esparsamente em jornais e revistas seus poemas como meio talvez de testar a reação do público e como exercício para inspirar futuras reelaborações. "Barricada", por exemplo, do Primeiro Caderno (publicado na revista Novíssima 1), foi bastante modificado, quando incluído em livro três anos depois. "Atelier" do livro Pau brasil, reunido em "Postes da Light", foi concebido depois de sete rascunhos, evidenciando por parte do Autor uma consciência muito clara de elaboração estilística.

Os manuscritos do poema "Atelier" foram elaborados em folha de caderno pautado, a lápis com exceção do segundo manuscrito escrito a tinta. Nos sete manuscritos, Oswald usou três títulos diferentes com as seguintes variações: Atelier Paulista; Atelier; Atelier de Tarsila; Atelier para Tarsila; Atelier de Tarsila; Atelier. No primeiro título o qualificativo regionalizou o espaço de influência da pintora, sem levar em conta a dimensão internacional que a sua arte tomou a partir de 1923. Por ocasião do segundo rascunho, eliminou imediatamente o adjetivo. Os outros títulos "Atelier de Tarsila" e "Atelier para Tarsila" tinham o inconveniente da antecipação e da redundância: para que adiantar aquilo que o texto iria desenvolver?

A estrutura do poema "Atelier" assemelha-se a um jogo cuja regra básica, além da diversão, permite a montagem do perfil de uma mulher, do estilo de uma artista. Manejando-se os dados anunciados cadenciadamente do primeiro ao último verso, o leitor reconhece a mensagem introduzida pelo título, sem necessidade do uso de atributos. Desnecessários os enfeites, porque a técnica marcante de Oswald e Tarsila se caracterizava, como vão confirmar as sucessivas reescrituras do "Atelier", pela busca da expressão exata. O processo criativo de Oswald nesse poema não se afastou da prática, ou seja, sua poética se configurou pela seleção de materiais já existentes na memória ou no momento, com atitudes e técnicas próprias da bricolagem. "Atelier" foi montado com o material sugerido pela obra de Tarsila, através de recursos caracterizadores de seu estilo, de traços da sua personalidade, de motivos da sua temática, do seu interesse pela brasilidade, da sua sêde de modernidade, do seu cosmopolitismo, etc. Enfim a manipulação desses índices - instantâneos da vida e da arte tão bem arquitetados e perfeitamente articulados - fizeram com que o poema revelasse ritmadamente o que o título anunciava de modo sutil. Daí a inutilidade do adjetivo que assinalamos.

Remate de Males nº 7
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Atelier: história de um poema
Os 7 manuscritos do poema "Atelier"

 

 

EL ATELIER DE TARSIWALD

 

 

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