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Noll, o autor do inconsciente

O escritor João Gilberto Noll, um dos nomes em destaque da literatura brasileira contemporânea, é o convidado do Programa Artista-Residente da Unicamp para o segundo semestre de 2010. Até dezembro, vai dar oficinas e conferências no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), além de aproveitar a estada em Campinas para escrever seu próximo romance. “Não posso adiantar nada sobre o livro porque não sei exatamente o que vem. Eu sou um autor do inconsciente, não tenho um enredo muito determinado”.

Nascido em Porto Alegre em 1946, o escritor havia publicado apenas contos esparsos até o livro O Cego e a Dançarina (1980), pelo qual recebeu os prêmios de revelação do ano da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA); de ficção do ano do Instituto Nacional do Livro; e o Jabuti, como autor revelação, da Câmara Brasileira do Livro. Ele voltou a conquistar o Jabuti por Harmada (romance de 1993), A Céu Aberto (romance de 1997), Mínimos Múltiplos Comuns (livro de contos de 2003) e Lorde (romance de 2004), sendo que Sou Eu! está entre os finalistas de 2010 na categoria juvenil.

João Gilberto Noll, que optou por promover leituras públicas de textos de seus livros, soma várias experiências com estudantes. Foi bolsista e professor convidado da Universidade de Berkeley (EUA) e escritor residente no King’s College de Londres. Também passou 2 anos ministrando oficinas na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Na entrevista que segue, o escritor fala um pouco destas experiências, da sua trajetória e do seu processo de criação.

Jornal da Unicamp – Como é o projeto que elaborou para o Programa Artista-Residente da Unicamp?
João Gilberto Noll – Sou fundamentalmente um escritor. Vou ficar até dezembro dando uma oficina e duas conferências, no início e fim do programa, e me dedicando especialmente a escrever meu próximo livro. Optei por promover leituras públicas de textos dos meus livros. É um trabalho que tenho curtido muito fazer porque minha literatura é uma literatura da voz. Os acontecimentos externos não são tão importantes. O que é realmente importante é a voz do protagonista, as especulações dele em cima da ação – uma ação muito tênue, muito frágil enquanto acontecimento externo, mas que reflete as suas impressões do mundo.

JU – E este novo livro, como será?
Noll – Não posso adiantar nada porque não sei exatamente o que vem. Eu sou um autor do inconsciente, nunca me programo muito. O ato da escrita, esse atrito com o próprio instante é o que me move na narrativa. Sou um autor do inconsciente e, portanto, um autor da linguagem: é o exercício da linguagem que vai me encaminhar para a narrativa. Não tenho uma programação muito determinada quanto ao enredo.

JU – Sendo assim, como se organiza para escrever?
Noll – Fico muito disciplinado. Tenho horários para a escrita, geralmente de manhã, até por volta das 11 horas, quando a cabeça está mais arejada. À tarde faço as mudanças artesanais, a coisa da língua, enfim, um trabalho mais racional, enquanto que o trabalho da escrita é do inconsciente e não tenho muito controle. Às vezes me comparo com o artista do expressionismo, abstrato, que vai projetando as cores na tela sem pensar muito no que está acontecendo. Depois é que ele vai ver os possíveis significados da sua atuação. Comigo é mais ou menos assim.

JU – Seu primeiro livro já foi bastante premiado. Fale um pouco da sua trajetória.
Noll – Comecei com esse livro de contos em 1980. Antes, eu só tinha publicado contos esparsos em antologias. Chama-se O Cego e a Dançarina e com ele ganhei três prêmios: o Jabuti, o prêmio do Instituto Nacional do Livro (que hoje não existe mais) e da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte). O primeiro conto desse livro – Alguma Coisa Urgentemente – é a história de um adolescente que fica meio que trancado num apartamento de Copacabana (eu morava no Rio na época e a cidade me inspirava bastante). O pai era transgressor e só se sabia disso, não se sabia que tipo de transgressor. Parece que a polícia estava no encalço dele.

Esse conto foi transformado no filme Nunca fomos tão felizes, um belo filme do Murilo Salles, que fechou mais a significação desse pai, colocando-o como militante político. Para mim, esse conto é mesmo o início de tudo. Alguma coisa urgentemente, que é essa necessidade de completar a experiência da existência com alguma coisa que a gente não sabe nomear. Mas há uma carência, há um déficit qualquer e o personagem não consegue responder a esse sentimento. E esse vai ser um sentimento bastante comum no restante do meu trabalho.

JU – E posteriormente, sua trajetória apresenta fases distintas?
Noll – Sim. O livro seguinte foi A Fúria do Corpo, que é um livro barroco, excessivo, transbordante, com frases que ocupam duas, três páginas até haver um ponto final – é o meu lado musical. Para mim, a música está na sintaxe, nesse engajamento de uma frase a outra, com a opulência ou com a secura. E, se escrevo uma única palavra com uma exclamação, isso também é musical. Mais tarde, comecei a me ressecar um pouco. A Fúria é um livro bastante feminino, um estilo úmido. Depois comecei a mostrar personagens mais masculinos, algo mais refreado, mais contido. Acho que hoje cheguei a uma síntese, tenho tanto uma secura quanto uma opulência no estilo.

JU – O senhor foi bolsista e professor convidado da Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos, e também escritor residente no King’s College, na Inglaterra.
Noll – Tenho participado de vários programas como este da Unicamp. Em 2004, passei quatro meses em Londres, a convite do King’s College, e também escrevi um livro. Morei num bairro de imigrantes, com muitos árabes, e o livro se chama Lorde – um título irônico, já que não se trata de um lorde, mas de um homem sem nome, sem feições, como vários outros personagens meus. Ele é uma mancha perambulando pelas ruas à procura de alguma coisa que não tem ideia do que seja, e fugindo de outras que também não consegue nomear. São personagens ambulantes, desfamiliarizados, seres avulsos. Eu achava que Nelson Rodrigues já tinha mostrado fartamente tudo o que diz respeito à família no Brasil. Então, comecei a mostrar esse homem sem rosto. Ele é convidado a passar um período em Londres por um enigmático inglês, sem saber para quê, até descobrir que está cansado de ser ele mesmo e viajou para se tornar outro homem. Até vai conseguir, mas não conto o resto porque alguém mais pode querer ler o livro.

JU – O senhor soma vários prêmios Jabuti, entre outros igualmente importantes. Qual o peso que o senhor dá a prêmios?
Noll
– O reconhecimento dá alento ao escritor, sem sombra de dúvida. É um estímulo enorme. Agora, os prêmios que mais considero são os que envolvem algum dinheiro, pois dedico uma parcela muito grande da minha disponibilidade à literatura e qualquer ajuda material vem bem. É uma opção enlouquecida que fiz de me dedicar o máximo possível à literatura, sendo que a minha literatura não é de consumo, não é best-seller, não sou um autor que possa viver da venda de livros. Digamos que sou estimulado a viver das variações da literatura, dando palestras (o que faço muito) e recorrendo a bolsas de escrita, como o prêmio Vitae, que não existe mais e recebi para escrever Hotel Atlântico.

JU – Voltando à residência, por que a opção por leituras públicas?
Noll
– É um trabalho que tenho curtido muito fazer porque descobri que minha ficção é a ficção da voz. Estou à procura da voz desse protagonista que, frequentemente, é o mesmo nos meus livros – isso eu descobri não faz muito tempo e fiz sem programar. Não que minha literatura tenha uma continuidade explícita, mas o protagonista pode ser escritor num livro, ator no outro, ou simplesmente um caminhante. Em todos os livros, ele tem um pouco essa vocação para a vagabundagem, uma inoperância que o incomoda bastante em certos momentos. E é contemplativo. Num mundo que se guia basicamente pela produção capitalista, o cara vive sérios conflitos também por conta dessa vocação à contemplação.

JU – O que o senhor acha desse tipo de experiência com universitários? Ela pode influir no seu processo de criação?
Noll
– Sim. É uma convivência que influi de alguma forma. Fiquei dois anos como escritor visitante na UERJ dando oficinas. Em primeiríssimo lugar, acho muito prazeroso esse contato com a moçada, que tem como marca esse sentimento de disponibilidade. O jovem é sempre sequioso de discutir as coisas sem fronteiras, sem muitos partidos. É um aprendizado muito grande, que me faz muito bem.

JU – No Programa Artista-Residente, ao menos na Unicamp, é praxe apresentar o resultado concreto dos trabalhos, como por exemplo, na montagem de um espetáculo musical ou teatral juntamente com os alunos. Pensa em algo nesse sentido?
Noll – Acho que pode ser interessante, mas ainda preciso conversar sobre a viabilidade disso com a direção do IEL. Talvez uma publicação, ainda que despojada, com o resultado dos exercícios. Mas antes preciso sentir a quantas anda a produção dos alunos. Se não programo meus livros, não vou programar o ‘currículo’, se é que podemos chamar assim.

OS LIVROS DE NOLL

O Cego e a Dançarina (1980) – Prêmio Jabuti/1981: categoria autor revelação/literatura adulta

A Fúria do Corpo (1981)

Bandoleiros (1985)

Rastros de Verão (1986)

Hotel Atlântico (1989)

O Quieto Animal da Esquina (1991)

Harmada (1993) – Prêmio Jabuti/1994: categoria romance

A Céu Aberto (1996) – Prêmio Jabuti/1997: categoria romance

Contos e Romances Reunidos (1997)

Canoas e Marolas (1999)

Berkeley em Bellagio (2002) – Finalista do Prêmio Portugal Telecom/2003

Mínimos Múltiplos Comuns (2003) – Prêmio Jabuti/2004: categoria
contos e crônicas

Lorde (2004) – Prêmio Jabuti/2005: categoria romance

A Máquina do Ser (2006)

Acenos e Afagos (2008) – 2º lugar do Prêmio Portugal Telecom/2009

O nervo da noite (2009/juvenil)

Sou eu! (2009/juvenil)

Anjo das Ondas (2010)

 



 
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