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TECNOLOGIAS AVANÇADAS

 

Reflexões para um futuro melhor
Henrique Rattner lança suas críticas ferozes sobre o papel
desempenhado por cientistas, governos e transnacionais

Todas as utopias têm um fundo de protesto contra a situação atual e abrem perspectivas para um futuro melhor”. Esta frase, quase uma profissão de fé, sintetiza o que falou o professor Henrique Rattner durante a palestra Ciência e Tecnologia e Sociedade do Futuro, no último dia 3, no Fórum de Debates da Cientec. Já na introdução da sua fala, Rattner alertou: “Fazendo o balanço, as sociedades modernas baseadas em ciência e tecnologia têm produzido uma concentração de poder, riqueza, acesso fácil à informação e a uma vasta gama de bens e serviços, que resulta no pólo oposto em vastos contingentes de desempregados, excluídos, marginalizados e alienados, dividindo assim a humanidade entre uma minoria privilegiada e a imensa maioria completamente privada de direito à vida.

Crítico feroz do papel desempenhado por cientistas, governos e empresas transnacionais, Rattner não vislumbra outra alternativa que não seja a inclusão de temas como desemprego, marginalização e direitos humanos nas agendas daqueles que poderiam oferecer um desenvolvimento justo e sustentável. Acredita, também, que a ciência e a tecnologia devem ser “religadas à prática e ao discurso político que questiona as relações de poder e o papel do Estado, e postula como prioridade a luta pela conquista dos direitos de cidadania, em um regime democrático, pluralista e participativo”. A seguir, trechos da palestra.

VÁCUO
Os cientistas, quando discutem a política nacional de ciência e tecnologia, tratam-na como se esta funcionasse em um vácuo, independentemente da dinâmica política e dos problemas econômicos da sociedade. Para entender e eventualmente questionar os objetivos e rumos da política de Ciência e Tecnologia, é preciso contextualizá-la na conjuntura histórica, apontando os vínculos de dependência estreita existentes com relação às políticas econômicas e financeiras, em nível nacional e internacional.

VASOS COMUNICANTES
Após o abalo sofrido pela economia do país nos últimos meses e cujas conseqüências estão longe de se terem esgotadas – seja na área de emprego, renda e poupança do povo brasileiro, seja nos seus impactos nos setores de educação, saúde e de ciência e tecnologia –, uma análise e avaliação da política econômica que, se não originou, facilitou a eclosão da crise, deve preceder à discussão de eventuais medidas e diretrizes que visem minimizar seus efeitos. Da mesma forma, a crise econômico-financeira no Brasil não se restringe ao território apenas. Indistintamente, embora com intensidade diferente, todas as sociedades, ricas e pobres, acabam sendo atingidas, demonstrando a realidade crua de um mundo globalizado e suas redes de comunicação que o transformam em um sistema de vasos comunicantes.

DIAGNÓSTICO
O sistema financeiro global afeta profundamente tudo que se constrói, planeja e decide dentro dos territórios nacionais. Por isso, parece imprescindível iniciar qualquer discussão setorial com um diagnóstico, ainda que hipotético, dos rumos e tendências do sistema mundial e, por extensão e à luz destes, da sociedade brasileira. A ciência tornou-se ideologia hegemônica de reconstrução da realidade, com pretensões de constituir-se em critério único de verdade. Mas, apesar de todas as verdades produzidas, os problemas que afligem a humanidade – fome, pobreza, ignorância, violência e injustiça – continuam sem solução, desafiando os cientistas para encontrarem respostas e propostas adequadas.

PERSEGUIÇÕES
Na época da decadência da ordem feudal, a ciência natural, por contestar e transformar as concepções convencionais do mundo e do homem, passou a sofrer censura e perseguições pelas autoridades religiosas e seculares. No declínio e crise da ordem capitalista, a ciência social crítica passa a ser discriminada e, às vezes, perseguida pelo Estado autoritário e pelo establishment científico. O primeiro percebe na crítica social uma ameaça à estabilidade política, o status quo, enquanto os cientistas, cooptados ou aliados à estrutura de poder, lhe negam a qualidade (no conteúdo e na metodologia) de rigor científico.

CURATIVO TÓPICO
Por adotar uma postura crítica radical às práticas predatórias usadas na exploração dos recursos naturais e da força de trabalho, seus trabalhos (da ciência social) são ignorados ou rejeitados como a-científicos e, portanto, desprovidos de valor e significado para a formulação de políticas públicas. Em conseqüência, a crítica da sociedade desapareceu quase totalmente do discurso da ciência, dentro e fora da Universidade. O apelo à ética é formulado como um curativo tópico para os conflitos sociais e funciona como uma doutrina de comportamento individual acrítico, em relação ao sistema de exploração capitalista. Como alternativa à crítica e propostas de ação transformadora são apresentadas as empresas e as fundações éticas, completamente submissas às políticas oficiais.

COMPLEXIDADE
Os desafios da construção de um mundo sustentável requerem a elaboração de um referencial sistêmico complexo, em que as dinâmicas econômica, política e ambiental estejam estreitamente interligadas, mutuamente dependentes, uma das outras e todas do conjunto. A percepção da complexidade do mundo ao nosso redor e nossos esforços de explicar os múltiplos fenômenos e problemas causados pelos atores e suas interações exigem os esforços de grupos interdisciplinares capazes de considerar e enfocar além da área de pesquisa especializada, o conjunto ou a dinâmica do sistema.

ACIMA DO BEM E DO MAL
O método científico e seus produtos – conhecimento, teorias, tecnologia etc. – nunca podem ser considerados totalmente objetivos e neutros, porque os cientistas, tais como outros seres humanos, não podem pretender ficar acima e além de sentimentos pessoais, interesses, crenças e paixões. O mesmo raciocínio se aplica às tecnologias, que devem ser situadas dentro do contexto histórico, cultural e social de sua introdução, assimilação e uso. Reduzir a solução dos problemas do meio ambiente e do desenvolvimento à escolha “racional” das melhores técnicas disponíveis, abstraindo das forças políticas em jogo, seria ingênuo ou até mistificação, em benefício da manutenção do status quo.

OS MALEFÍCIOS
As esperanças depositadas na ciência que viria a se tornar uma agente de libertação da humanidade, transformando regimes religiosos e políticos autoritários em sociedades mais racionais e democráticas não foram cumpridas. Ciência e tecnologia produziram também uma série de efeitos negativos para o convívio humano, tais como substâncias tóxicas, radioatividade, armamentos bélicos sofisticados e alienação total dos trabalhadores.

SEM COOPERAÇÃO
O triunfo da ciência natural sobre o pensamento crítico com relação à sociedade não é fortuito. Suas teses tiveram um papel fundamental na ascensão da ordem capitalista, proporcionando modelos e paradigmas “objetivos”, importantes para legitimar as relações sociais existentes, apesar de todas as contradições e injustiças. E, portanto, ao olharmos as sociedades contemporâneas – das crises econômica e social, do desemprego, medo e violência, das lutas políticas aos conflitos étnicos e religiosos –, as possibilidades de cooperação pacífica e atitudes solidárias entre e dentre as nações, de acordo com os princípios éticos e morais, parecem cada vez mais distantes.

continua...

 

 


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