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SAÚDE NO 3. MILÊNIO

 

O médico e o paciente
Secretário de Saúde alerta aos profissionais
que doentes têm direito de escolha

Os médicos esqueceram que seus pacientes são gente e se sentem menos incomodados quando tratam de alguém em estado de coma. Esta é a conclusão, à primeira vista bastante cruel, a que chegou o médico Gastão Wagner de Souza Campos, secretário municipal de Saúde de Campinas, em sua tese de livre docência defendida em outubro do ano passado e na qual baseou sua palestra no Fórum de Debates da Cientec. O tema era “Promoção da saúde: vontade política ou processo cultural?”.

Segundo Gastão Wagner, com o desenvolvimento do conhecimento e da prática da medicina, deixou-se de lado o detalhe mais importante: a relação pessoal entre médico e doente. “Indica-se a doença, ataca-se o sintoma, mas se esquece que ali está um homem. Queremos mudar seu estilo de vida sem lhe dar o direito da escolha, o que inclui desejo, prazer, interesse, cultura, valores”, critica.

Na argumentação do secretário, quem detém o saber técnico imagina que, para garantir uma boa assistência, é preciso reduzir a subjetividade da pessoa ao mínimo possível. “O ideal para o médico é um paciente em coma, que se aproxime da condição de objeto”, alfineta.

O secretário acrescenta que esse comportamento dos profissionais de medicina merece críticas inclusive do ponto de vista ético e político, pois a população já não é tão passiva. “O mundo mudou na política, nos costumes, na sexualidade. Está sendo muito difícil exercer a medicina como exercíamos – assim como a promoção da saúde –, de forma tão autoritária, normativa, fundamentalista, com o discurso moralista que praticávamos e ainda se pratica em grande parte”.

Gastão Wagner observa que as pessoas aceitam a intervenção médica somente porque estão doentes ou sentindo que vão adoecer. Logo, uma campanha antitabagista é pouco efetiva se for promovida apenas sob o argumento de que, aquele que fumar, terá sua expectativa de vida reduzida em até 15 anos, o que parece uma ameaça muito distante. “A gente só concorda com um policiamento mais rigoroso no trânsito (radares e mais sinalização) se ficar provado que ali está morrendo gente”.

O secretário de Saúde lembra que os desejos humanos ligados ao fumo e à bebida causam grandes dificuldades para algo entre 5% e 8% da população, mas que a medicina não pode intervir neste problema sem mudar o comportamento de “autismo” de seus profissionais e do poder político. “O sujeito quer matar seu desejo comendo carne. Como trabalhar isso sem ser omisso e, ao mesmo tempo, sem reduzir o paciente, a família ou a comunidade?”, questiona.

Combinação – Gastão Wagner propõe que o médico volte a interagir com o paciente, a trabalhar em combinação. Insistindo no exemplo do cigarro, diz que os profissionais têm o saber químico, epidemiológico, mas desconhecem o significado de uma tragada para o paciente. “Guimarães Rosa, que era médico, gostava de viver perigosamente. Fumar também é viver perigosamente e faz parte de um estilo de vida que precisa ser considerado”.

Sobre outra questão bastante discutida, a qualidade de vida do idoso, o secretário coloca outra questão: “O que é qualidade de vida para o idoso, ficar em frente à TV? Não sabemos, porque só ele pode responder. A saúde é nosso trabalho, mas o nosso objeto são pessoas. Precisamos dar voz às pessoas, a todos os segmentos da coletividade, se quisermos descobrir a melhor forma de atendê-los sem jogar fora o saber técnico que possuímos”.

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As disparidades do SUS

O Sistema Único de Saúde (SUS) sofreu um salto de qualidade nos últimos anos, mas ainda assim continua apresentando muitos desequilíbrios e disparidades. Quem admite é o secretário executivo do Ministério da Saúde e professor do Instituto de Economia da Unicamp, Barjas Negri. De acordo com ele, o SUS conta atualmente com cerca de 56 mil unidades de saúde espalhadas pelo Brasil. Trata-se de um número significativo, mas que não atende de maneira equânime a toda a população. “Enquanto em São Paulo a rede de hospitais e pronto-socorros é ampla e de boa qualidade, o mesmo não ocorre no sertão do Nordeste ou no interior da região Norte”, constata.

Negri calcula que perto de 25% dos brasileiros recorram hoje à medicina suplementar, administrada pelo setor privado. Os outros 75% dependem do SUS. Quando um cidadão é atendido por meio de um plano pago, o sistema público fica, em tese, desonerado. Na prática, isso não ocorre, segundo o diretor do Ministério, que vê uma complementaridade entre os dois segmentos. “Em geral, os casos de alta complexidade, justamente os mais caros, são atendidos pelo SUS, especialmente pelos hospitais universitários estaduais e federais. Para se ter uma idéia, a rede pública realiza, anualmente, 5,7 mil transplantes de órgãos”.

Barjas Negri revela um dado no mínimo curioso: o usuário do SUS faz uma boa avaliação dos serviços prestados pelo sistema. Pesquisa de opinião encomendada pelo Ministério indica que esse segmento dá nota 7 para o atendimento. Em compensação, quem não depende da rede pública confere nota 3,5. Isso acontece, conforme o professor, por causa de uma imagem formada ao longo dos anos.

O Ministério da Saúde, disse Negri, está empenhado em melhorar a eficiência do SUS. Um dos problemas a serem superados é a questão do financiamento. Com a aprovação da Constituição de 1988, o sistema de saúde no Brasil foi universalizado. Anteriormente, a previdência social atendia apenas os trabalhadores da economia formal, que tinham carteira assinada. Agora tem a obrigação de acolher a todos indistintamente. “A medida adicionou ao sistema um contingente de 40 milhões de usuários, mas não criou mecanismos para financiar esse crescimento”.

Para tentar corrigir parte desse problema, o governo conseguiu aprovar uma emenda constitucional no ano passado determinando que estados e municípios não podem reduzir os recursos destinados à saúde. Assim, as duas instâncias administrativas foram obrigadas a investir, em 2000, no mínimo 7% de seus orçamentos no setor. Até 2004, os municípios deverão estar destinando 15% e os estados, 12%. “No governo federal estamos fazendo uma coisa semelhante”, assegura.

Parte do PIB – Ficou estabelecido que uma parte do Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma de todas as riquezas produzidas no país, seria destinada à saúde – se o PIB crescer 10%, o orçamento do setor se elevará no mesmo patamar. Tal modelo, segundo Negri, garante um aumento real dos recursos, pois os cálculos são feitos com base no crescimento nominal do PIB. Este ano, o ganho real ficará em torno de 3%. Para 2002, a previsão é que o índice chegue a 3,5%. “Ao longo de quatro anos, nós imaginamos que teremos de R$ 5 bilhões a R$ 8 bilhões a mais na saúde”, prevê.


Atualmente, o orçamento da pasta para gastos com ações de saúde, tirando os custos com pessoal, é de R$ 19 bilhões. Desses, R$ 10 bilhões são descentralizados. “O dinheiro entra no cofre e de forma automática é transferido aos estados e municípios. Dos R$ 10 bilhões que repassamos, R$ 7 bilhões vão para os municípios”.

O trabalho do governo federal para melhorar os indicadores na área de saúde, garantiu Negri, estão trazendo resultados positivos. Como exemplo, ele cita o problema da mortalidade infantil, que nos anos 50 atingia o índice de 137 óbitos por 1.000 crianças com até um ano de idade. Hoje, a taxa está em 33 por 1.000. “Caiu bastante, mas ainda é alta. O índice de São Paulo é 18. Temos que fazer um grande esforço para reduzir a média nacional”, reconhece.

 

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