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CULTURA

 

A cultura dos vencidos
Uma sociedade sem identidade cultural, que se envergonha
das heranças indígena e negra

Chegou a hora de dizer quem somos e a quê viemos. O alerta, embora saído da voz rouca e pausada da socióloga Elizabete de Moraes Sá, da PUC-Campinas, deu o tom da maior parte dos debates sobre políticas culturais e cidadania, construção de identidade, mídia e cultura, e educação e formação cultural, durante a Cientec 2001. Ali se percebeu em que proporção a exclusão social – tão aprofundada pelo processo de globalização – provoca a degradação moral de uma sociedade, ameaça a construção da cidadania e as políticas de resistência cultural, e confunde identidades.

A socióloga afirma que os brasileiros nunca compreenderam os significados da cultura. “Todos vamos comentar sobre clones e transgênicos, mas falar em identidade cultural é falar em algo distante. A maioria se torna silenciosa, não se posiciona, porque não sabe o que é isso. Os Estados Unidos, a Europa conhecem a importância da cultura e preservam seus principais arquétipos. Mas nós temos vergonha de admitir nossa herança indígena e negra. Entre 70% e 80% da população respiram a cultura dos vencidos”, acusa Elizabete.

A professora da PUC-Campinas ilustra seu argumento com o futebol brasileiro, ícone popular que está ruindo. Acha que por ter deixado de ser um futebol de brincadeira, de arte, abriu mão da razão de ser tão popular. “Tentamos imitar os europeus, que têm outra lógica, outra percepção do esporte. Até essa referência estamos perdendo”.
Saudosa, lembra que ouve um tempo em que éramos capazes de ser reconhecidos, valorizados e legitimados. “Era muito bom ser motorneiro de bonde, era um orgulho ser ferroviário, trabalhador de fábrica, manter três filhos na escola pública. Precisamos resgatar tudo isso. Hoje não temos em que nos espelhar. O Brasil é um espelho quebrado”.

E, ressaltando a degradação moral e social que essa situação provoca, Elizabete Sá retoma o tom de alerta: “A sociedade, por não captar os significados da cultura, não enxerga as diferenças e o embate entre as camadas sociais. Daqui para frente veremos chegar o momento de uma guerra civil. Esse momento está se aproximando e fazemos de conta que não é com a gente. Mas é com todos nós”.

No cotidiano – Para combater a exclusão social é urgente o resgate de valores fundamentais, como o conceito de cidadania, a partir principalmente da educação e de políticas públicas voltadas às camadas carentes e distantes da produção cultural das elites. A antropóloga Regina Márcia Moura Tavares, também da PUC-Campinas, segue esse raciocínio, afirmando que cultura é muito mais que uma produção elaborada e elitizada. “Cultura é o cotidiano das populações, que a produz para resolver seus problemas de sobrevivência, para se entender dentro do mundo e estabelecer suas relações entre pessoas. É o conceito sócio-antropológico que está no fazer, no pensar das populações humanas”.

Regina defende a reformatação das políticas culturais dentro de um conceito que realmente reflita o resultado do processo criativo dentro da sociedade, em todos os segmentos, fora das atuais políticas conservadoras. “Daí teremos o poder de transformar, porque vamos dar ao homem que está produzindo um artesanato pequeno, que está brincando de roda, a consciência de que ele é um produtor de cultura, um cidadão”.

A antropóloga faz um adendo quanto ao papel da universidade nessa questão. “Se a universidade não se preocupar com esse tema, achando que o mais importante é a tecnologia de ponta, estará assumindo a postura conservadora, eterna. Se a academia quer ser transformadora, precisa ver a questão cultural como essencial, inclusive para que se permita usar as tecnologias. O patrimônio tecnológico brasileiro vai além daquilo que é documentado nas universidades: está no fazer diário das populações, nas soluções encontradas no campo, nas pequenas cidades”, finaliza

A universidade – Uma posição unânime entre os debatedores é a de que as universidades brasileiras, notadamente as públicas, formam o espaço de reflexão sobre caminhos para combater a exclusão social, inclusive dirigindo a tecnologia desenvolvida nos centros de excelência para o bem do homem comum. Jorge da Cunha Lima, presidente da Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura e presente à sessão sobre mídia e cultura, afirma ser inútil esperar que os detentores de tecnologia que sustentam o mundo globalizado contribuam para diminuir o número de excluídos.

“Essa tecnologia é um subproduto do modelo político e econômico que promove a exclusão. Se hoje temos televisão para muitos, é porque ela serve como instrumento de venda de produtos, é importante para garantir o mercado consumidor. Então vamos ter televisão para todos, porque quanto mais aparelhos, mais consumo”, ironiza. O presidente da Fundação Anchieta não enxerga saídas em curto prazo para corrigir essa distorção. Ao contrário, acha que o atual modelo está fazendo com que a distância entre as nações ricas e as periféricas cresça assustadoramente.

Segundo Cunha Lima, a universidade precisa colocar sua produção tecnológica ao alcance do cidadão comum, para que ele seja menos excluído, e não a serviço de um modelo econômico. “Nós temos a ilusão de que a tecnologia vai elidir, facilitar o fim da exclusão social. Mas sabemos que o conhecimento e a informação são um capital sem o qual ninguém sobrevive, ninguém se desenvolve. Por isso, esse bem não pode ser privilégio de minorias. A universidade é coisa pública e foi criada justamente para tentar quebrar essa barreira”, sustenta.

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Economia junto com museologia

Regina Márcia Moura Tavares, antropóloga da PUC-Campinas, vem aproveitando suas conferências pelo Brasil e alguns países da América Latina para tentar difundir um conceito que associa economia com museologia: os “economuseus”. A idéia, já aplicada em países da Europa e no Canadá, é criar pequenas unidades de resgate e preservação de tradições tecnológicas, artesanais. São modos de produção seculares que ainda persistem sobretudo nas pequenas cidades interioranas, e a cuja documentação teriam acesso estudantes, turistas e a população em geral.

Nos “economuseus” o processo é de inclusão e existem quatro momentos: a visualização, a documentação, a exposição e o comércio do produto artesanal. “Acho a idéia muito importante: a exposição de tudo o que foi feito até hoje, desde séculos anteriores, uma exposição quase cronológica do processo de produção ao longo da história. O estágio final seria a venda dos produtos, inclusive dando-se grande autonomia para os artesãos”, explica Regina Márcia.

A antropóloga vê a possibilidade de criação pelo país de associações de artesãos, que mantenham os “economuseus”, seja gerenciando essas unidades ou formando parcerias com a universidade. “A universidade pode dar suporte metodológico, cuidando para que não se percam as metas, mas a população assumiria a guarda do patrimônio e, ao mesmo tempo, se encarregaria da produção que permitiria melhor qualidade de vida”, propõe a professora.

 

 

 


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