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'Entre falácias, modismos
e inovações'

Programa de excelência não chega a
centros de pesquisa, aponta estudo

Institutos e Centros de Pesquisa e Desenvolvimento (ICPs) são importantes no desenvolvimento socioeconômico do país, mas carecem de políticas públicas que reafirmem seu papel no cenário atual, na opinião do analista em ciência e tecnologia do CNPq, Marconi Edson Esmeraldo Albuquerque, autor da tese “Modelos de ‘excelência’ gerencial nos institutos e centros de P&D brasileiros: entre falácias, modismos e inovações”, defendida no Instituto de Geociências (IG), sob orientação da professora Maria Beatriz Machado Bonacelli. As análises dispostas na tese sugerem que muitos ICPs brasileiros têm tido dificuldade de acompanhar as mudanças em seu ambiente de atuação, tampouco têm conseguido influir estas mudanças. Ao analisar o movimento pela “excelência” gerencial nos ICPs, a partir do Projeto Excelência na Pesquisa Tecnológica (Pept), da Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica (Abipti), Albuquerque percebe que essas instituições encontram dificuldades em identificar e atender demandas da sociedade e que faltam mecanismos de troca de informações com seu ambiente.

Projeto criado no final dos anos 1990 para promover avaliação e melhoria do desempenho dos institutos, num momento em que houve redução gradativa da participação governamental em sua composição orçamentária e pressão dos mantenedores para que os ICPs gerassem recursos, o Pept teve fraca influência sobre o processo de transformação organizacional dos ICPs que o adotaram, na opinião do autor.

Albuquerque assinala que a diversidade e as peculiaridades dos institutos, como missões, inserção socioeconômica e níveis de maturidade gerencial diferentes, não foram consideradas de maneira adequada na construção do Pept, opinião respaldada nas 38 entrevistas realizadas durante a pesquisa, com pessoas que atuaram na Abipti, gestores e pesquisadores de institutos e policy makers (desenvolvedores de políticas) de CT&I. A orientação do Pept, segundo ele, foi a utilização do modelo de excelência gerencial do Prêmio Nacional da Qualidade, ou seja, de uma metodologia única e supostamente aplicável a todo tipo de organização. “Institutos têm natureza, ambiente e cultura diferentes e missões as mais diversas.”

Para o autor, é preciso pensar na construção de modelos de gestão dinâmicos e proativos, que ampliem a autonomia dos ICPs, considerando os elementos restritivos externos – de ordem jurídica, legal e política – e internos – como inércia e rigidez organizacional e elementos culturais. “Os institutos foram criados com um propósito específico e à luz de uma realidade, mas esta realidade vai se transformando, e os ICPs têm dificuldade ou resistência para internalizar as mudanças e as políticas públicas não têm ajudado nessa difícil tarefa”, reforça Albuquerque.

Ao tentar enxergar a capacidade do método adotado no Pept em promover mudanças nos institutos de P&D, Albuquerque conclui que o projeto apresenta baixa suficiência, porque, embora ofereça elementos novos e motivadores e encoraje-os a introduzir e a aperfeiçoar rotinas e práticas organizacionais, tem como estratégia o aprimoramento daquilo que já é realizado. Isso, segundo o pesquisador, pode fazer com que os ICPs não percebam as mudanças no ambiente técnico e institucional em que atuam e não atentem para o fato de que as competências internas (dos recursos humanos, físicos, gerenciais, técnicos, entre outros) já não dão conta de solucionar problemas, atender novos desafios e mesmo de aproveitar novas oportunidades. “Essa é uma limitação intrínseca ao próprio método que instrumentalizou o Pept”, enfatiza.

Para o pesquisador, uma contribuição positiva do Pept/Abipti foi o surgimento de uma aliança cooperativa entre institutos, mais especificamente um fórum privilegiado de discussão de problemas de gestão e organização de ICPs, que ajudou a integrá-los, envolvendo grande diversidade dessas instituições na troca de informações e difusão de práticas de gestão. A rede permitiu que muitos institutos saíssem do isolamento e interagissem entre si, segundo Albuquerque.

Um dos equívocos no desenho do Pept, porém, foi a Abipti acreditar que a melhoria gerencial estaria relacionada com melhorias na pesquisa, segundo Albuquerque. “Seus promotores acreditavam que melhorando a gestão dos ICPs, a pesquisa seria melhorada de forma quase automática. Mas a relação direta entre resultados de desempenho obtidos pelos institutos e a adoção das metodologias propostas no Pept não é trivial e é controversa, pois houve muitos novos eventos na dinâmica em torno da CT&I brasileira na última década (fundos setoriais, modelo de edital para submissão de projetos de pesquisa, novo marco regulatório em várias áreas, novos tratados internacionais com implicações diretas sobre os temas de pesquisa, novos instrumentos de financiamento, entre vários outros aspectos)”, aponta Albuquerque.

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■ Publicação

Tese: “Modelos de ‘excelência’ gerencial nos institutos e centros de P&D brasileiros: entre falácias, modismos e inovações”
Autor: Marconi Edson Esmeraldo Albuquerque
Orientação: Maria Beatriz Machado Bonacelli
Unidade: Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT)/Instituto de Geociências (IG)

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Período foi de dificuldades para a C&T

De acordo com Maria Beatriz, nas décadas de 1980 e 1990 existia forte pressão sobre os ICPs, pois foram momentos difíceis para a Ciência e Tecnologia, por questões de ordem financeira. Ao mesmo tempo, a forma de se fazer pesquisas tomava novo rumo, obrigando os institutos a repensarem a maneira de organizar suas atividades, preferencialmente em rede, e internalizar novas áreas do conhecimento ou atualizar aquelas nas quais atuavam, entre outras exigências. “Havia a necessidade de gerar ou absorver novas competências, muitas inexistentes nos ICPs”, pontua a professora.

Albuquerque acrescenta que até mesmo a forma de captação de recursos mudou. Porque com a diminuição do apoio direto, era necessário buscar outras formas de captação de recursos, como os fundos setoriais, participando de um processo competitivo de obtenção de recursos. Segundo o pesquisador, a cultura de escrever e submeter projetos para concorrer com outras instituições era “tímida”. Essa atividade também era um elemento novo naquele momento.

Maria Beatriz lembra que, na época, a academia também sofreu. “Mas as universidades têm missões mais claras, tendo como papel a formação de pessoal de nível superior de excelência e o avanço do conhecimento, ao mesmo tempo em que cabe neste contexto um maior leque de temas de pesquisa”, esclarece. Já os institutos públicos de pesquisa muitas vezes se perdem na travessia entre o cumprimento de sua missão e as competências adquiridas, e as demandas geralmente não muito claras das políticas públicas, não conseguindo enxergar seu papel no sistema de ciência, tecnologia e inovação. “Com isso, as pressões das mudanças foram sentidas de diferentes formas pelos institutos do país e a ideia do Programa de Excelência era prover os ICPs com algumas ferramentas para isso, como as que poderiam ajudar na superação de deficiências na sua relação com o setor produtivo”, acrescenta.

Políticas

Um dos objetivos do Pept, segundo Albuquerque, era a geração de informações sobre os ICPs como subsídios para a formulação de políticas públicas para o setor, especialmente mediante indicadores que expressassem o desempenho dessas instituições. Para ele, este foi um dos equívocos da iniciativa, pois houve pouca aderência a políticas de CT&I. Além disso, os indicadores medidos não entraram no sistema de CT&I, segundo o autor da tese. “Embora essa fragilidade se deva a opções feitas no desenho daquele projeto, não se pode descartar a dificuldade de desenvolvedores de políticas se valerem de iniciativas como aquela na reflexão de suas posturas e tratamento dado aos ICPs na orientação de suas ações de tomada de decisão no âmbito das políticas públicas”, reflete o autor.

“As políticas continuam fragmentadas e genéricas, deixando-se de aproveitar o grande potencial de P&D e de serviços, fundamental para as pretensões do país no futuro próximo, pois o próprio Estado tem dificuldade de enxergar a diversidade dos trabalhos dos ICPs, dar-lhes coerência e integrá-los às políticas mais macro (econômicas, agrícolas, ambientais, de saúde, de CT&I, entre outras)”, acrescenta Maria Beatriz.

Ela enfatiza que é importante ter gerência e excelência na pesquisa, mas é importante pensar estrategicamente, aproveitar oportunidades, fechar lacunas, colocar de lado temas de pesquisa e trajetórias que não digam mais respeito à própria instituição e às estratégias de governo. A professora acentua que os institutos poderiam trabalhar mais em cooperação, complementando conhecimentos e habilidades, aproveitando oportunidades de novos temas ou frentes de pesquisas, como bioenergia, mudanças climáticas, biossegurança, economia verde, entre outros. “Novas competências são necessárias nesses institutos, para dar conta desse cenário – interno e externo –, competências tanto de ordem técnico-científica, como em gestão e planejamento da pesquisa e da inovação”, acrescenta a professora.

Segundo Maria Beatriz, o Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do IG, onde a pesquisa foi desenvolvida, e o Grupo de Estudos sobre Organização da Pesquisa e da Inovação (Geopi) frequentemente são solicitados a auxiliar trabalhos de reorganização e planejamento estratégico em instituições de pesquisa públicas e privadas. “As iniciativas são importantes, sem dúvida, para a redescoberta do papel de tão importante ator no sistema de CT&I do país. A questão é a escolha dos instrumentos e metodologias para a realização desses trabalhos, que não devem se basear na sedução pela simplicidade e organicidade de modismos gerenciais, que foi o que o trabalho de tese de Albuquerque buscou mostrar a partir da experiência do Pept”, declara.



 
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