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Da luta pela redemocratização à conquista de direitos

 

Mariano Laplane
Diretor do Instituto de Economia da Unicamp

A Constituição de 1988 é, na minha opinião, um grande avanço para a consolidação das instituições democráticas no país. Naquele momento, se reafirmaram e se plasmaram as garantias dos direitos fundamentais e de cidadania em todas as áreas, inclusive na definição da ordem econômica. Isso pode parecer polêmico, já que a Constituição que foi aprovada virou motivo de críticas, particularmente no que diz respeito às ordens econômica, fiscal e tributária, e ao papel do Estado na economia. Acabou sendo muito questionado depois. Persistia um pouco a idéia, que eu acho profundamente injusta e errada, de que na Constituição – por ter sido elaborada antes da queda do Muro de Berlim (1989) – havia um ranço de intervencionismo, uma certa ingenuidade com a capacidade do Estado de intervir com eficácia e justiça na ordem econômica.

Essa visão, equivocada na minha opinião, acabou se plasmando em todas as reformas feitas nos anos 90. Nós somos um caso único: começamos a reformar a nossa Constituição quando ela ainda estava saindo do forno. Criou-se, nos anos 90, a imagem de que, para poder pôr a economia em ordem, era preciso remover muito do que caracterizava, na Constituição, excesso de intervenção estatal. Pontualmente, alguma coisa sem dúvida precisava mudar. Ocorre que, na América Latina, as constituições são excessivamente detalhadas. Evidentemente, quando isso acontece, e prefere-se não deixar os detalhes para a legislação infraconstitucional, a Constituição precisa ser reformada com excessiva freqüência.

Do ponto de vista dos princípios fundamentais da ordem econômica, da necessidade da regulação e da intervenção na economia por parte do Estado, eles são muito mais necessários e permanentes do que a euforia liberal dos anos 90 talvez tenha levado muitas pessoas a acreditar. Se alguém foi capaz de argumentar nos anos 90 que a Constituição era obsoleta, por não refletir a queda do Muro de Berlim, não faltará quem diga que as reformas feitas no mesmo período ficaram obsoletas agora depois da crise de Wall Street.

No que diz respeito ao fato de se colocar a economia a serviço da sociedade, eu acho que a Constituição não errou. Ela torna-se, à luz dessa crise atual, muito mais necessária. Acho também que ela representou um grande avanço no tocante aos princípios que normatizam o papel do Estado na economia.

A Constituição incluía aspectos que deveriam ser deixados para a legislação infraconstitucional e que, talvez, na euforia da onda liberal, tenhamos feito algumas mudanças que precisarão ser revistas oportunamente, para ficarmos com uma legislação em conformidade com os princípios mais prudentes, quanto ao papel do Estado na economia, como estava na Constituição original de 1988.

Na verdade – e aqui não falo como economista – o melhor que a Constituição de 1988 deixou para os brasileiros, e principalmente para as gerações mais jovens, foi o espírito cívico e democrático presente em sua elaboração. Eu havia acabado de chegar da Argentina, e quando todo o processo iniciou-se, em 86, em ainda estava tentando descobrir e compreender o Brasil. Fiquei surpreso – e até com inveja – em ver a vitalidade, o entusiasmo e a mobilização não apenas da classe política, mas também da sociedade brasileira nesse processo constituinte.

Esse espírito mostra o lado mais nobre da política, infelizmente muito raro hoje em dia. Naquele momento, a classe política brasileira mostrou o que ela tinha de melhor. E a sociedade brasileira cobrou à altura. Ela foi capaz de dizer à Assembléia Constituinte, por meio de vários organismos e entidades, que esperava muito da classe política. Depois, as coisas foram deteriorando-se – tivemos Collor etc. Nunca mais vi nada parecido. Foi algo muito honesto, rico e fecundo. Esse é um legado valiosíssimo. Não podemos deixar que esse tesouro se perca.

Luiz Gonzaga Belluzzo
Professor do Instituto de Economia da Unicamp

Os avanços foram, na maior medida, realizados na área dos direitos e garantias individuais e dos direitos sociais. A Constituição acabou incorporando aquilo que já integrava as constituições européias no pós-guerra. Isso reflete um pouco o atraso do Brasil. A ampliação dos direitos sociais e econômicos chegou tardiamente. Essa é justamente a parte da Constituição que tem a maior resistência dos conservadores.

O que ficou incompleto, acredito, foi exatamente na minha área. As leis complementares, que deveriam regulamentar a ordem econômica, principalmente em matéria financeira e fiscal, ficaram para trás; elas não foram na verdade aprovadas pelo Congresso. Este capítulo da Constituição, que tem coisas interessantes, na verdade ficou inerme e não foi levada a cabo rigorosamente porque as leis complementares não foram votadas. É preciso que essa deficiência se torne pública. Não é apenas nessa área, mas eu estou me referindo à ela porque é o setor com o qual eu tenho mais contato. A partir daí, é preciso que seja levada ao Congresso a tramitação das leis complementares para que a comissão possa ter vigência; do contrário, ela fica apenas num nível não-operativo.

Direitos políticos

José Paulo Bisol
Constituinte, relator do capítulo dos direitos humanos

No campo dos direitos políticos, os avanços da Constituição foram consideráveis. Nós vínhamos de um grande período de ditadura militar, e esse tempo interferiu fortemente nos direitos políticos da Constituição anterior. Os atos institucionais feriram até os princípios fundamentais. O trabalho da Constituinte, à época, consistiu na recuperação dos princípios republicanos e da representação, entre outros. Nesse sentido, acredito que evoluímos de uma forma positiva. Abrimos caminho para um processo de redemocratização, que realmente funcionou.

Houve uma participação popular intensa. Contudo, é bom lembrar que o princípio básico da democracia havia sido transformado pelo governo militar, que estabeleceu uma certa proporcionalidade de votos que favorecia Estados de menor população. O interessante é que a Constituinte lutou muito, mas não teve condições de ir ao máximo, isto é, de diluir essas deformações do princípio republicano. A coisa se manteve... É um espaço vazio no sentido jurídico do conceito. Nós ainda estamos nesse processo. Não chegamos aonde deveríamos ter chegado. Embora faça essa ressalva, eu acredito que restauramos em boa parte os direitos políticos. Nós temos hoje condições de funcionar ‘republicanamente’.

A questão da proporcionalidade persiste como um problema muito sério. Os Estados têm a sua representação, mas a coisa foi trabalhada pelo poder militar engenhosamente – aliás, com muita inteligência – no sentido de que, culturas tidas como menos desenvolvidas, tivessem força maior do que as mais desenvolvidas.

Para esse problema ser solucionado, em primeiro lugar temos que colocá-lo em discussão. Se observarmos com cuidado, constataremos que isso é uma espécie de coisa sagrada... Raramente, as pessoas se referem ao problema. A primeira coisa a fazer é nós nos dispormos a questionar, a tirar o aspecto, digamos, místico da questão. É preciso fazer a população discuti-la. A política precisa retomar um pouco o espírito de aventura criadora. Se retornamos a 1960, constataremos que foi um período de efervescência revolucionária. Era o clima ideal para uma constituinte originária. Mas, depois, houve o golpe militar e tudo modificou.

Walquiria Leão Rego
Professora titular do Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp

É difícil falar da Constituição de 1988 se nós não a contextualizarmos no tempo histórico em que foi elaborada e a correlação de forças políticas e sociais presentes durante o processo. A memória da ditadura, seus desmandos, seu arbítrio e sua destrutividade moral e política ainda eram ainda muito recentes.  O medo constituía um sentimento ainda dominante. Portanto, naquele momento – graças a grande mobilização popular no âmbito dos trabalhos constituintes como a que os havia precedido –, o objetivo maior daquela assembléia era edificar um Estado Democrático de Direito. Este devia criar dispositivos constitucionais que garantissem justiça distributiva e vigência plena dos direitos civis e políticos que nos haviam sido usurpados pela ditadura. Vendo-a em perspectiva, ela ainda é um programa democrático mínimo que não conseguiu cumprir muitas de suas promessas. Contudo, é inegável que representou e representa um grande avanço político, um passo importante à democratização do país.

Para os jovens de hoje, algumas questões, que parecem muito banais e comuns, naquele contexto representaram um grande salto, às vezes, quase um sonho impossível: o restabelecimento de alguns elementares direitos políticos de participação política como, por exemplo, o direito de votar em eleições diretas para os cargos majoritários. Nada disso era possível durante a ditadura militar, e hoje é uma coisa já incorporada à rotina do país. Os constituintes progressistas tiveram diante de si, o tempo todo, a pressão simbólica e física dos militares no Congresso Nacional, lutando para que seu poder não fosse mitigado.

Hoje, quando nos deparamos com alguns fatos, como a sua forte presença como controladores de vôo, trabalho que na maioria dos países é realizado por civis, podemos ter uma pálida idéia de quanto ainda sua força política conta no Estado brasileiro (imagine as ameaças de retrocesso institucional que pairavam no ar no momento constituinte!).
Queremos muito mais direitos de cidadania, queremos mais justiça social, mais democracia nos meios de comunicação e o aprofundamento social de nossa democracia. Contudo, não se pode perder de vista que a Constituição de 1988 foi um avanço democrático e espelhou na sua estrutura normativa a relação de forças existentes no momento. Um analista não pode negligenciar este fato. Caso contrário, torna-se impossível o entendimento do tamanho dos constrangimentos que impediram que nossa Constituição fosse muito mais avançada socialmente.    

No contexto de ameaças autoritárias, é preciso examinar o peso que ainda representava o chamado “Pacote de Abril”, decretado por Geisel em 1977, no aviltamento da representação da cidadania. Parte do corpo legislativo era nomeada pelo presidente da República. Lembremo-nos bem dos patéticos senadores biônicos, dos prefeitos das capitais e também os governadores dos Estados nomeados pelos militares. O debate público tornou-se inviável. Era uma atmosfera terrível. Não podíamos respirar e a voz popular abafada duramente reivindicava como podia o país mudar rumo a uma sociedade mais democrática. Deve se lembrar que a reivindicação por uma Assembléia Constituinte veio de muitos setores da sociedade civil, mas, fundamentalmente, proveio dos movimentos sociais de todos os tipos: urbanos, rurais, e assim por diante.

A Constituição de 1988 restabeleceu, em termos importantes, a cidadania política, removendo muitas das aberrações institucionais da ditadura. Pudemos começar a caminhar e a debater mais abertamente nosso destino, e as diferenças políticas e sociais no interior da sociedade puderam se apresentar mais claramente. Isso é muito importante para se construir uma democracia.

No que diz respeito aos limites da Constituição de 1988, começaria sublinhando a timidez na questão da justiça distributiva. Incluo aí questões como reforma agrária, justiça fiscal e garantias mais consistentes para o bom funcionamento do sistema representativo; sobretudo que nos garantisse eleições mais livres do poder econômico, tornando assim os representantes da soberania popular mais autônomos da força ativa dos poderosos.

Para terminar esta pequena introdução de comemoração e rememoração de um momento importante de nossa história política, insisto que, apesar de todos os limites da Constituição de 1988, estão inscritas nela muitas das demandas populares, muitas da quais receberam formas jurídicas ousadas e inovadoras no texto legal.

Nosso texto constitucional infelizmente manteve, e por vezes aprofundou, aberrações institucionais muito graves. Apenas um exemplo: o presidente eleito com maioria de votos pode ser minoria no parlamento. Esta esquizofrenia política é a mãe de muitos problemas de gestão, além de desfigurar muito a vontade da soberania popular. Poderíamos citar muitos exemplos destas deformações, que têm raízes profundas na cultura política brasileira e que a Constituição de 1988 não foi capaz de alterar. 

Concluo dizendo que não se pode esquecer que, como nos ensinou Ferdinand Lassalle, uma Constituição espelha uma relação de forças sociais ativas na sociedade. No campo dos desafios, acredito que a Constituição precisa cumprir suas promessas mais igualitárias e libertárias, permitindo com isso que ocorra, em sentido profundo, a democratização da nossa democracia. Não podemos nos esquecer que a democracia, como forma de governo, é uma construção política permanente.

Direitos e garantias fundamentais

Hélio Bicudo
Promotor aposentado, ex-parlamentar e presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos

A Constituição fez uma coisa inusitada. No Brasil, até então, todas as constituições contemplavam direitos e garantias individuais no final delas. A Constituição de 1988 trouxe esse rol de direitos e garantias praticamente para o seu pórtico. Pode não ter sido o pórtico num primeiro momento, mas o foi logo em seguida. E o pórtico é uma afirmação de que o Estado democrático de direito apenas existe se forem respeitados os direitos e garantias individuais. Eu entendo que somente isso já foi uma conquista muito importante. Na verdade, é o reconhecimento de que os direitos humanos são o fundamento do Estado democrático. As garantias individuais e sociais são os direitos humanos, nem mais nem menos.

A Constituição preconiza, no parágrafo segundo do artigo 5, que não são somente os direitos contemplados nos incisos antecedentes, mas todos aqueles que digam respeito ao regime do Estado e contemplados da mesma forma nos tratados internacionais de que o Brasil é parte. Na reforma constitucional de 2004, entenderam que se devia acrescentar mais um parágrafo. Ocorre que ele dizia que, quando se trata de direitos humanos, para que eles tenham a vigência de direitos individuais no Brasil, é preciso que sejam submetidos ao Congresso no mesmo rito que uma emenda constitucional. Isso obviamente dificulta a inserção das regras contempladas nos tratados internacionais de que o Brasil é parte no rol dos direitos humanos. O que a fez a Constituição de 1988, a reforma de 2004 em parte retirou.

O avanço, portanto, foi prejudicado pela reforma do Poder Judiciário. Eu acho que, normalmente, há uma resistência muito grande dos tribunais em geral, sobretudo do Supremo Tribunal Federal, em reconhecer essas regras de direitos humanos que estão dispersas nos tratados internacionais, como normas de direitos individuais. Isso é, do meu ponto de vista, um equívoco. Por que aí não se trata de ir para o Supremo para reconhecer uma sentença de um tribunal externo, de um outro país, mas sim de reconhecer a jurisdição de tribunais internacionais reconhecidos pelo Brasil.

O país, por exemplo, reconhece a Corte Interamericana, cujas decisões têm efeito imediato no Brasil. O mesmo ocorre com as decisões do Tribunal Penal Internacional. Se este tribunal condenar um brasileiro por violação grave dos direitos humanos, o país tem de abrir todo o espaço para que essa penalidade obrigatoriamente se cumpra. Se a Corte determina uma indenização para a família de uma vítima de violação dos direitos humanos aqui no Brasil, essa decisão, seja ela qual for, tem a força de um mandado de execução. Ela não tem mais que passar pela Justiça brasileira para ter validade.

Temos uma série de exemplos no campo das medidas provisórias determinadas pela Corte: Febem, Penitenciária de Araraquara, Presídio Urso Branco (Roraima). Nestes casos, o Estado brasileiro, por meio de uma série de subterfúgios, não cumpre as decisões. Eu já estive presente nesses julgamentos, e a posição do Brasil é vergonhosa.

Outra coisa que foi mal-pensada, na minha opinião, não apenas na Constituição de 1988 como também na reforma de 2004, foi a questão da Justiça Militar. A Constituição a contemplou como sendo um dos órgãos do Poder Judiciário do país. Pior: não apenas a Justiça Militar Federal, mas sobretudo da Justiça Militar das PM. E isso configura a impunidade dos policiais que cometem delitos comuns contra cidadãos. O artigo 125, que foi remodelado na reforma de 2004, fortalece a atuação da Justiça Militar em detrimento da Justiça Civil. As vítimas são as maiores prejudicadas. Por uma lei que passou na década de 90, os crimes de homicídio doloso, praticados por policiais militares contra civis, eram processados e julgados pela Justiça comum. Agora, depois da reforma de 2004, são apenas julgados, ou seja, o prato já vem pronto... Isso vai dar na impunidade total.

No contexto dos direitos fundamentais, outra questão que salta aos olhos é o problema dos direitos humanos no Brasil. Eles não são respeitados. Basta constatar o que acontece no Rio de Janeiro e em São Paulo, com o aumento dos homicídios contra civis praticados por policiais militares. Os grupos de extermínio, que estão também repletos de PM, agem impunemente. O que está escrito na Constituição permite uma maior abrangência da impunidade. As alterações se constituíram um retrocesso.

Proteção social

Eduardo Fagnani
Professor do Instituto de Economia da Unicamp

A Constituição representa um marco na proteção social brasileira. O país, pela primeira vez, passou a contar com mecanismos inspirados no estado de bem-estar social implementado na Europa do pós-guerra. O mais interessante é que tudo isso veio na contramão do neoliberalismo, a reboque da agenda da redemocratização. São vários avanços, a começar pela introdução do princípio da seguridade social, que se contrapõe à idéia do seguro social – quando a pessoa apenas tem direito caso contribua. No caso da seguridade, prevalece a idéia de que a sociedade como um todo está disposta a contribuir, por meio dos impostos, para que todos tenham direito ao mínimo.

Outro princípio importante é a cidadania. Ou seja, saúde, educação e previdência, por exemplo, passam a ser tratados como direitos e não como filantropia ou caridade.
Na mesma perspectiva, destaca-se o princípio da universalidade, ou seja, os direitos são para todos. Qualquer pessoa, por exemplo, hoje tem acesso gratuito ao Sistema Único de Saúde (SUS). A universalidade se contrapõe à idéia da focalização, por meio da qual são priorizados “os mais pobres dentre os pobres”. A Constituição foi muito importante, por ser o embrião do Estado de Bem-Estar Social, que se contrapõe ao Estado Mínimo.

Os avanços no campo social foram extraordinários. Dentre os direitos trabalhistas, destacam-se a redução da jornada, a penalização do empregador por demissão imotivada, a extensão da licença-maternidade, o direito de greve e a autonomia sindical.
Com a Previdência Rural, pela primeira vez na história, o trabalhador do campo passou a ter proteção semelhante ao trabalhador urbano e independentemente de ter contribuído. Na Previdência Urbana (INSS), destaca-se, entre outros aspectos, a definição do piso de benefícios, equivalente ao salário mínimo. Na Saúde, o SUS representou uma mudança radical do modelo excludente praticado na ditadura militar. Na Assistência Social, destaca-se o Benefício de Prestação Continuada – BCP (regulamentado pela Lei Orgânica de Assistência Social - Loas), que garante o salário mínimo aos deficientes e aos idosos de baixa renda.

A instituição de fonte de recursos para o financiamento do seguro-desemprego foi outro avanço. Da mesma forma, destaca-se a introdução do Orçamento da Seguridade Social, um conjunto de fontes de financiamento vinculadas ao financiamento do SUS, da Loas, do seguro-desemprego e da Previdência Social (Rural e Urbana). Na minha opinião, a grande derrota da Constituição deu-se no campo da reforma agrária. O chamado “Centrão” e os deputados ruralistas da UDR, liderados por Ronaldo Caiado, impuseram uma dura derrota aos progressistas.

Quanto aos novos desafios, acredito que todas essas conquistas, por incrível que pareça, continuam no fio da navalha. Desde o início dos anos 90 existe uma tensão entre os dois paradigmas: Estado de Bem-Estar Social e Estado Mínimo. Os setores conservadores, defensores do Estado Mínimo, preconizam exclusivamente programas de transferência de renda e educação básica. Estes setores jamais se conformaram com as conquistas do movimento social em 1988. Pregam, desde então, “reformas” visando à supressão daquelas conquistas. Dentre tantos argumentos falaciosos, sustentam que os gastos com os novos direitos sociais conquistados colocam em risco o ajuste fiscal. Curioso que não escrevem uma linha sobre as despesas financeiras e o pagamento de juros – cujo montante anual equivale aos dispêndios com a Previdência e Assistência Social. Trata-se, repito, de uma utopia no fio da navalha. Por isso, acho importante comemorarmos os 20 anos de Constituição. Foram muitas as conquistas e avanços. E eles precisam ser preservados e ampliados.

Educação

Octavio Elísio
Constituinte, é subsecretário estadual do Ensino Superior de Minas Gerais

O importante da Constituição de 1988 não é apenas o produto em si, mas acima de tudo o processo pelo qual ela foi redigido. Esse processo é que mudou a relação da sociedade com os problemas que ela vivia depois de um processo autoritário. A Constituinte era parte de um tripé – que incluía a anistia e eleição direta – que definia a transição. Teve uma configuração em termos de trabalho que permitiu o envolvimento e a participação da comunidade.

No que diz respeito à Educação, o grande avanço foi uma articulação que se criou a partir da Constituinte entre os educadores e o Legislativo e, depois, o Congresso. De tal modo que, em seqüência à Constituinte, nós tivemos a discussão do Projeto de Lei de Diretrizes e Bases, que foi apresentado ainda no final de dezembro. Portanto, eu acho que o primeiro e mais importante avanço foi essa articulação que se criou a partir da Constituinte com a sociedade. Na área da Educação isso foi extremamente positivo. A Constituinte representava um espaço pelo qual a sociedade civil tinha condições de participar da definição de um novo marco constitucional e legal que orientasse a implementação da democracia após a ditadura. Acredito que houve muitos avanços, entre os quais o compromisso com uma educação pública e a valorização do magistério, garantindo, no texto constitucional, os recursos para o setor.

Eu acho que o desafio sempre será a gente conseguir fazer com que a Constituição e as leis dela decorrentes sejam efetivamente realizadas. E o que é importante que, na medida em que isso foi objeto de uma participação mais ampla, essa sociedade cobra. Isso abriu caminho para que os trabalhadores da Educação não apenas se contentassem em trabalhar na elaboração do texto, mas também para que ele fosse implementado. Ao longo dos últimos anos, acredito que muitos avanços aconteceram, mas certamente temos ainda muita coisa a conquistar para garantir uma educação pública gratuita e de qualidade.

Continua na página 8

 

 
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