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| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 375 - 8 a 14 de outubro de 2007
Leia nesta edição
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Trajetória de Sérgio Porto
Agricultura familiar
Cooperativismo na indústria
Outras lógicas
Déficit de ferro em bebês
Grafiteiros e pichadores
Câncer e agrotóxicos
Violência doméstica
Painel da Semana
Teses
Livro da Semana
Unicamp na mídia
Destaques do Portal
Distrofia muscular
Assurinis
 


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'Muitos ainda não despertaram do sono dogmático de uma filosofia tradicional'

ÁLVARO KASSAB

Oswaldo Porchat Pereira: A filosofia da ciência certamente não pode ignorar as dimensões ética e política da atividade e das teorias científicas (Fotos: Antoninho Perri/Divulgação)JU – Nesse contexto, qual o papel da filosofia?

Itala D’Ottaviano – Não há lógica, não há ciência, sem filosofia. Questões relativas à fundamentação da matemática e das ciências em geral não podem prescindir de uma cuidadosa análise epistemológica. A história evidencia o entrelaçamento e a indissolubilidade entre filosofia e ciência.

Newton da Costa – O papel da filosofia é absolutamente fundamental. A única maneira de o homem entender a si mesmo, o seu contorno e a própria estrutura da luta humana para sobreviver, só se faz por meio da filosofia. Além de ter um aspecto metafísico, envolvendo não só a metafísica como também outros valores, a filosofia tem uma contraparte mais terra-terra, mais relacionada com a ciência.

Apenas me limitando a essa parte da aplicação da filosofia da ciência, hoje em dia se sabe que um filósofo tem – falando, por exemplo, da Física – uma missão muito importante, que consiste na analise crítica para entender melhor a estrutura e as realizações da ciência. Alguns dos grandes físicos acabaram se tornando filósofos.

[Erwin Rudolf Josef Alexander] Schrödinger [1887-1961] disse que o scholar deve ter uma visão ampla. Para tanto, se a pessoa não tiver uma dimensão filosófica, jamais vai poder fazer isso. O verdadeiro scholar, aquele que cria novas ciências e dirige novas linhas de pesquisa, é fundamentalmente um filósofo.

Ubiratan D’Ambrósio – Entendo a filosofia como reflexões sobre as questões implícitas na resposta anterior, essencialmente sobre a idealização das noções e o acordo para normas.

Ubiratan DAmbrósio: É necessário uma análise, na verdade uma autocrítica da ciência, a partir de uma reflexão sobre a essência do conhecimentoJU – Em que medida a lógica e a epistemologia podem contribuir para o debate acerca dos desafios e das questões éticas que se colocam sobre os rumos da ciência contemporânea?

Itala D’Ottaviano – Mais uma vez, podemos salientar o papel a ser desempenhado pela filosofia no debate acerca dos desafios da ciência contemporânea.

A ciência contemporânea enfrenta questões fundamentais e dilemas, relativos por exemplo ao desenvolvimento da robótica, da chamada “vida artificial”, questões relativas às ciências cognitivas, à genômica, à preservação do ecosistema. São questões sobretudo éticas, que deslocam inclusive o foco da ética, do homem para a preservação da vida, o que suscitam a retomada urgente da reflexão lógico-filosófica e epistemológica. O CLE da Unicamp tem muito a colaborar com essa reflexão.

Newton da Costa – Não pode haver uma discussão sobre a ética racional, sem lógica. Na realidade, a lógica é o denominador comum de todas as atividades racionais. Uma pessoa não pode ser racional sem lógica – alguma lógica, pelo menos. Então, se se quiser discutir ética ou mesmo valores de um modo racional, acredito que, sem lógica, não se poderá fazer nada. Portanto, para se compreender melhor a nossa situação, a lógica é um instrumento de grande valia, até para compreender os limites do nosso pensamento e da própria ciência e da racionalidade.

Já a epistemologia, na minha opinião, é uma espécie de prolongamento da lógica. Sem ela, não é possível ter uma compreensão sensata da nossa cultura e do que seja o próprio desespero humano. Por trás disso, a lógica é essencial. Ela abarca certos aspectos da filosofia que extrapolam a parte puramente racional.

Eu gosto de citar uma frase do filósofo francês Gabriel Marcel, que uma vez afirmou mais ou menos o seguinte: “a missão da filosofia não é resolver problemas, mas, antes, participar de um mistério”. Ou seja, resolver problemas é uma atividade lógica; participar de mistérios é uma coisa que vai além. Então, a lógica diferencia perfeitamente a parte problema da parte mistério. O homem precisa das duas dimensões.

Oswaldo Porchat Pereira – A epistemologia, sobretudo, tem muito a dizer sobre essas questões. Os últimos livros de Hugh Lacey, que se tem particularmente dedicado à problemática da relação entre as ciências e os valores, obtiveram repercussão internacional e têm sobremaneira influenciado o ambiente intelectual brasileiro, não apenas entre os filósofos. A filosofia da ciência certamente não pode ignorar as dimensões ética e política da atividade e das “teorias” científicas. Uma tal ignorância, infelizmente tão característica da epistemologia tradicional, a empobrecia enormemente.

Ubiratan D’Ambrósio – É difícil colocar questões éticas específicas sobre os rumos da ciência de qualquer período, não só contemporânea. A primeira questão é “o que é ética?”. Comportamento e conhecimento guardam uma relação simbiótica, em espaço e tempo. Vejo ética como a quintessência de comportamento e conhecimento.

O comportamento humano, que resulta de uma complexidade de fatores em interação, busca justificativas e explicações, que são providos por uma conveniente história e por convenientes sistemas de explicações, isto é, ciências. A ciência contemporânea é um acúmulo, organizado e estruturado, de conhecimentos que se acumularam ao longo dos milhões de anos da evolução da espécie humana, resultado de aceitação ou rejeição, de transformações resultantes da dinâmica de encontros culturais. Naturalmente, história e ciência refletem a ética comum ao comportamento e conhecimento de um momento espacial e temporal.

O conhecimento, por razões próprias à natureza de evolução, produz os instrumentos materiais e intelectuais para sua própria crítica, revisão e reformulação. A história e a ciência mostram-se insuficientes para fazer face aos novos questionamentos que se tornaram possíveis graças a instrumentos materiais e intelectuais mais sofisticados desenvolvidos por elas próprias, a história e a ciência. Foi desse modo que chegamos à história e à ciência contemporâneas. E é desse modo que estamos adquirindo novos instrumentos materiais e intelectuais para o questionamento da história e da ciência contemporâneas.

Esses instrumentos permitem questionar a continuidade da civilização e da própria espécie. Teremos futuro? O que acredito ser uma ética maior é garantir futuro para as gerações seguintes. Claro, a nossa idealização de futuro reflete nossa experiência presente. E o que nos perturba no presente é encarado como ameaça ao futuro. A ética dominante, quando focalizada nas questões ambiental, social, política, econômica, religiosa, é questionada. E o conhecimento e comportamento associados a essa ética dominante são, conseqüentemente, questionados.

Assim se coloca o debate acerca dos desafios e das questões éticas sobre os rumos da ciência contemporânea. A lógica e a epistemologia, na medida em que procuram entender a geração e a organização do conhecimento poderão contribuir muito para esse debate, desde que contemplem a dimensão histórica. Sem essa dimensão, acho que não passarão de exercícios intelectuais à busca de seu próprio aprimoramento.

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