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O brilho do Lume

MARIA ALICE DA CRUZ

Quer trabalhar comigo? Me dê 20 anos de trabalho”, dizia o idealizador do Lume Teatro, Luís Otávio Burnier (1956-1995), a cada novo integrante que chegava. A vontade de colocar em prática seu desejo de desenvolver um trabalho aprofundado da arte de encenar fazia com que não rejeitasse atores nem estagiários, chegando a dividir seu salário com outros colegas que não podiam ser contratados pela Unicamp, de acordo com o testemunho da atriz Naomi Silman. Fiéis ao desejo do amigo, alicerce do grande edifício que é hoje o Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais (Lume) da Unicamp, os atores acabaram extrapolando suas expectativas, fazendo do grupo um polo teatral e um núcleo de pesquisa reconhecidos internacionalmente em seus 26 anos de existência. O lançamento do livro Lume Teatro – 25 anos, publicado pela Editora da Unicamp, pereniza as comemorações de aniversário iniciadas em 2010. A obra aborda desde a criação do núcleo, em 1985, até o espetáculo Sonho de Ícaro, que iniciou a programação de aniversário, envolvendo em torno de 120 profissionais. A publicação conta com o apoio da Reitoria no âmbito do projeto Unicamp 45 anos.

A noite de autógrafos, que ocorrerá em 1º de dezembro, às 19 horas, na Livraria Cultura do Shopping Iguatemi Campinas, será anunciada no local por canções e movimentações da Parada de Rua, projeto que mais percorreu o mundo desde a criação do Lume. Trechos do repertório de 25 anos de trajetória serão relembrados pelos atores. Em seguida, o grupo fará uma mostra de metodologias desenvolvidas desde o início do Lume: Dança Pessoal, O Palhaço e o Sentido Cômico do Corpo e Mimesis Corpórea.

O livro é acompanhado por um DVD com documentário sobre o Lume e clipes de todos os espetáculos do repertório. A mídia foi feita pela pesquisadora Natássia Garcia.

O livro reúne vários olhares e várias vozes, cumprindo a proposta do Lume de pensar coletivamente, segundo a jornalista Carlota Cafiero, assessora de imprensa do grupo e uma das autoras da obra. “Quando Burnier morreu [1995], o Lume não tinha mais a figura de um diretor; todos eram diretores, atores, pesquisadores, criadores, então tudo o que foi feito desde então tem esse espírito coletivo”, explica Carlota.

O primeiro capítulo retoma o primeiro espetáculo de Burnier como mímico, em 1974, antes de ganhar bolsa de estudos para estudar na escola de Jacques Lecoq, na França. O Lume aparece na vida de Burnier em 1984, quando, ao concluir mestrado no Instituto de Estudos Teatrais de Sorbonne Nouvelle, o mímico volta ao Brasil e inicia, ao lado da fundadora do Departamento de Artes Corporais da Unicamp, Marília de Andrade, o projeto do núcleo.

De acordo com Carlota, autora de um livro-reportagem sobre Burnier, ele não teve tempo de montar ou dirigir muitos espetáculos, mas deixou material importante para que os atores seguissem em frente. E foi nesses resultados de pesquisas que, ainda sentindo falta do amigo e idealizador, o grupo buscou forças para manter o Lume, segundo a atriz Naomi, outra autora do livro. Essa parte da história é contada no segundo capítulo, mesclando a narração de Carlota e as vozes múltiplas, mas uníssonas, dos atores.

Burnier pautou-se muito na pesquisa sobre o autor e deixou resultados importantes, dando uma base científica para os projetos de arte do Lume, segundo Naomi. Os resultados foram sendo aprimorados com o tempo até o Lume ganhar projeção internacional. “Depois de sua morte, as coisas foram acontecendo de nosso jeito, mas nunca abrindo mão de nosso alicerce, que são os ensinamentos de Burnier”, acrescenta Naomi.

A conversa de bastidores permeia os textos da narradora e dos atores, no segundo capítulo, revelando aspectos que nunca foram contados em matérias jornalísticas e em espetáculos do grupo. Histórias impagáveis, não-reveladas ainda pelas autoras para não estragar a surpresa do livro, segundo Carlota. Uma dessas histórias diz respeito a uma turnê em que os artistas decidiram apresentar a Parada de Rua, às 10 horas da noite, numa favela do Cairo, no Egito. Foram sequestrados por uma caminhonete e “para saber o resto, você terá de ler o livro”, convida Carlota. “Não queríamos um livro apenas informativo, como se fosse uma sinopse de cada espetáculo”, explica Naomi.

A capacidade de reunir pesquisa, apresentações, workshops, parceiros nacionais e internacionais fez com que o grupo amadurecesse. É sobre essa fase que discorre o capítulo 3, intitulado Maturidade. O capítulo resume os grandes projetos do grupo, desde que o Lume passou a transitar por outros territórios, como a criação de projetos maiores a partir de experiências da pesquisa, do ensino, do repertório das novas apresentações. Entre os projetos construídos em fase madura destacam-se o Casa Lume, residência que envolve várias atividades, e o projeto Cortejo Abre-Alas, uma oficina-montagem com mais de 70 pessoas, que promove um superevento na rua.

Nesse momento, a comunidade artística começa a crescer dentro de Campinas, pelo fato de o Lume estar localizado no distrito de Barão Geraldo e perto da Unicamp. “O Lume se abriu muito para incluir outras pessoas. Não são sete atores apenas, pois em sua soma, reúne grupos dos arredores e sente-se cada vez maior, recebendo atores recém-formados pelo curso de artes cênicas”. Segundo Naomi, o núcleo também é uma referência de que é possível viver de teatro. Nesse contexto, a Unicamp tem papel importante, na opinião de Naomi, por ter cursos de artes de alto nível e por promover a importância da prática.

As apresentações, limitadas ao salão de uma igreja, no início da década de 1980, passaram a ser intensificadas com a conquista da sede, em 1994. O primeiro grupo a ser atraído pela nova iniciativa era coordenado pela atriz de São Paulo Tiche Viana, responsável pela criação do Barracão Teatro, em Barão Geraldo. A professora do Departamento de Artes Cênicas da Unicamp Verônica Fabrini, na época, também foi responsável pelo aumento de montagens de espetáculo ao fundar a Boa Companhia. “Eles foram motivados pela experiência de Burnier de mostrar que é possível montar um grupo, pesquisar e se dedicar a isso. Vendo isso, alunos da Universidade que vêm estudar aqui acabam ficando, por constatar que existe um grupo artístico que não é somente vinculado a uma produção de resultado contínuo e rápido fora do grande eixo São Paulo/Rio”, acentua Naomi.

Para a atriz, o livro é a realização de um sonho de muitos anos. Neste momento de realização, o interesse da editora foi muito importante, segundo Carlota. O que era para ser um livro de imagens legendadas foi tomando uma proporção maior até que a parte textual se fez imprescindível. “Mesmo com as mudanças, a Editora [da Unicamp] abarcou a ideia e não se importou de mudar com a gente”, revela Carlota.

De maneira natural, o Lume tornou-se, internacionalmente, um dos representantes de maior relevância da Unicamp. A coragem de sair mundo afora, levando espetáculos para todos os cantos do planeta e ainda disseminar as experiências acadêmicas, oferecendo workshops e oficinas, além dos eventos de rua, proporciona retorno ao grupo e também à Universidade. Entre 1995 e 2010, de acordo com Carlota, o Lume realizou 2.375 atividades – entre apresentações, demonstrações técnicas, workshops e palestras – para 311.036 pessoas, em diversas partes do mundo, incluindo 43 festivais internacionais.

Uma prova de que o ator nunca saiu de cena tanto na produção de pesquisas quanto no processo de criação está estampada nas capas das publicações resultantes de investigações de pesquisadores do grupo ou ligados a ele. Entre elas destacam-se A arte do ator, de Luís Otávio Burnier, Arte de não interpretar como poesia corpórea do ator, de Renato Ferracini, e Corpos em fuga, corpos em mente, organizado também por Ferracini.

Os atores são guiados por linhas-mestras de pesquisa, entre as quais Antropologia Teatral e Cultura Brasileira, em que o ator representa a partir de uma técnica elaborada em sintonia com elementos da cultura brasileira; Dança Pessoal, focada numa metodologia de elaboração e codificação e sistematização de uma técnica pessoal de representação por meio da dilatação e dinamização das energias potenciais do ator; Mimesis Corpórea, que consiste no processo de observação e imitação de ações físicas e vocais do cotidiano; Estudo do palhaço e o sentido cômico do corpo, que possibilita o contato de aspirantes a clown com aspectos “ridículos e estúpidos” do palhaço; e musicalização e teatralização em espaços não-convencionais.

Além da verba da Universidade para manutenção da sede, a equipe do Lume capta recursos por meio de inscrições em editais e com criação e apresentação de espetáculos, realização de oficinas e workshops, desenvolvendo projetos de circulação e montagem de espetáculos, segundo Naomi. Com os intercâmbios, o Lume acabou conquistando vários parceiros internacionais, entre eles os mestres Odin TeatretIben Nagel Rasmussen e Kai Bredholt; os bailarinos de butô Natsu Nakajima, Anzu Furukawa e Tadashi Endo; os palhaços Nani e Leris Colombaionie Sue Morrison; e o diretor Norberto Presta.



 
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