Untitled Document
PORTAL UNICAMP
4
AGENDA UNICAMP
3
VERSÃO PDF
2
EDIÇÕES ANTERIORES
1
 
Untitled Document
 



As diferentes faces da Serra do Lopo

Estudo faz constatações inéditas sobre desenvolvimento
da florística e da fitossociologia do local

CARMO GALLO NETTO

Leila Fumiyo Yamamoto, autora da tese, com os professores Luiza Sumiko Kinoshita e George John Shepherd: estudo concentrou-se em 1.074 plantas (Foto: Antoninho Perri) Um leigo certamente ficaria intrigado com uma pesquisa sobre o levantamento de espécies arbóreas presentes nas duas faces da Serra do Lopo – localizada no extremo sul da Serra da Mantiqueira e que pode ser avistada da rodovia Fernão Dias –, cujo cume divide os estados de Minas Gerais e São Paulo nos respectivos municípios de Extrema e Joanópolis, e se perguntaria, a exemplo do repórter, qual a sua importância e pertinência. E a surpresa seria maior se soubesse que o trabalho de campo se estendeu por cerca de dois anos e teve à frente uma jovem que abriu caminho na mata calçando botas para precaver-se das cobras e portando instrumentos necessários à demarcação das áreas de estudo.

O trabalho desenvolvido pela bióloga Leila Fumiyo Yamamoto, orientado pela professora Luiza Sumiko Kinoshita e co-orientado pelo professor George John Shepherd, deu origem à tese de doutorado apresentada ao Instituto de Biologia (IB) da Unicamp que trata da florística e fitossociologia de espécies arbóreas ao longo do gradiente altitudinal nos dois lados da Serra do Lopo. A florística atém-se ao levantamento das espécies ocorrentes numa determinada região, enquanto a fitossociologia trata das comunidades vegetais no que concerne à sua estrutura.

O estudo concentrou-se em 1.074 plantas, pertencentes a 177 espécies arbóreas, e levou a descobertas surpreendentes. Uma delas é a de que há uma diferenciação das espécies arbóreas encontradas na Serra do Lopo, entre a face noroeste, voltada para o interior, e a face sudeste, voltada para o mar. Das 177 espécies apenas 45 ocorreram tanto em Extrema (noroeste) e Joanópolis (sudeste). Os estudos existentes envolvendo serras, em geral baseados em apenas uma de suas faces, as consideram com o mesmo tipo de vegetação em todas as demais.

Entre os parâmetros fitossociológicos analisados apresentaram diferenças significativas entre as duas faces o número de espécies, as alturas máximas e mínimas e a ramificação. Por outro lado, em relação à mesma face, os parâmetros fitossociológicos não se alteraram com a altitude, resultado inesperado, visto que diversos estudos em gradientes altitudinais, realizados no sudeste do Brasil, têm sugerido que a altitude tende a ter efeito, por exemplo, sobre a densidade, a altura e o diâmetro médio das espécies. Observou-se também uma substituição gradual das espécies ao longo do gradiente altitudinal – entre 1.150 a 1.650 m de altitude.

Por outro lado, as análises de similaridade indicaram uma maior semelhança da vegetação do topo da Serra do Lopo e da face sudeste com as florestas ombrófilas montanas e alto-montanas do sul e sudeste do Brasil, enquanto a vegetação da face noroeste apresenta maior similaridade com as florestas estacionais de São Paulo. Além de tudo, a Serra do Lopo apresentou um dos maiores índices de diversidade em relação aos dados que se conhecem de florestas acima de mil metros de altitude no sudeste brasileiro.

Com efeito, Leila explica que o estudo teve o objetivo de determinar a composição florística e caracterizar a estrutura da floresta da Serra do Lopo; classificar sua vegetação; analisar o efeito da altitude nessa vegetação; averiguar a existência de diferenças entre as duas faces da montanha; e comparar sua florística com os resultados de outros estudos realizados nas regiões sudeste e sul do Brasil. Para tanto, ela coletou todos os indivíduos lenhosos com mais de três metros de altura com flores e/ou frutos em diversas localidades da Serra do Lopo e também nas parcelas (áreas) de 10x10 m, devidamente demarcadas, a 50 m de distância uma das outras, de forma que houvesse cinco parcelas a cada 100 m de altitude em seis cotas – entre 1.150 e 1.650 m de altitude – em cada face, perfazendo 30 parcelas de cada lado da serra e 60 totais. As parcelas foram instaladas para o estudo fitossociológico.

Os pesquisadores esclarecem que, embora o complexo da Serra da Mantiqueira se estenda pelos estados de SP, MG, RJ e ES e constitua um importante centro de conservação e de diversidade de espécies da flora e da fauna, poucos são os trabalhos com descrições florísticas e estruturais da Serra, o que a torna pouco conhecida a despeito de sua importância florística e ecológica.

Ao final do seu trabalho, Leila destaca algumas constatações em relação à Serra do Lopo: apenas 25% das espécies são comuns a ambas as faces; ocorre uma aproximação florística na vegetação situada no topo da serra; observa-se uma tendência de diferenciação das espécies com o aumento da altitude; ocorre alteração do número de espécies em relação à altitude; as alturas máximas e mínimas e as ramificações apresentaram diferenças significativas entre as duas faces. Ela afirma que os diversos trabalhos envolvendo gradientes altitudinais realizados no Brasil em geral têm ignorado o efeito na composição e na estrutura da vegetação que diferentes faces de uma montanha possam apresentar. O trabalho mostra que essas diferenças podem ser significativas. Ela não encontrou, em relação à altitude, diferenças significativas nos parâmetros fitossociologicos, diferentemente do que apontam diversos trabalhos realizados no sudeste do Brasil.

Vista parcial da Serra do Lopo, que fica localizada na divisa dos estados de Minas Gerais e São Paulo: apenas 25% das espécies são comuns a ambas as faces (Foto: Divulgação) Políticas públicas
Uma das implicações do trabalho é o de poder orientar as políticas públicas nos processos de reflorestamento, pois ele lista e indica a proporção das espécies encontradas, porque diz Leila “um reflorestamento se faz a partir de espécies predominantes na região”. O professor George, como é mais conhecido, considera que “só se pode viabilizar a exploração de determinada árvores conhecendo em que regiões elas são predominantes, o que o tipo de estudo realizado determina”. Além disso, acrescenta Luiza, esse tipo trabalho informa a comunidade sobre as espécies existentes em uma região, o que pode ser importante para pesquisadores interessados em determinadas espécies, “e com isso nossas pesquisas podem servir de base para outras áreas de estudo”. George destaca também que do ponto de vista da proteção de áreas verdes é importante conhecer a sua composição, “pois não se justifica investir recursos, normalmente parcos, em áreas sem interesse ambiental”.

O docente lembra que hoje pouco se conhece sobre a Serra da Mantiqueira, o que justifica o tipo de levantamento que realizam. Para Luiza, estudos como esse são fundamentais para o encaminhamento de políticas públicas, pois revelam as especificidades das áreas. George enfatiza que em relação à preservação muitas decisões são tomadas sem o real conhecimento do que existe em cada área e “face aos recursos limitados as decisões precisam ser criteriosas”. Ele lembra que alguns tipos de vegetação são razoavelmente conhecidas, o que não acontece com as florestas acima de mil metros, devido às dificuldades de acesso.

Para o professor, são estudos desse tipo que permitem ainda avaliar em que grau uma área encontra-se danificada e o que é necessário para recuperá-la. Em uníssono, os pesquisadores constatam que o trabalho identificou uma área que apresenta um dos maiores índices de diversidade em relação a florestas acima de mil metros de altitude em território brasileiro, tratando-se, portanto, de uma região que merece ser estudada e preservada.

Características observadas
Na Serra do Lobo ocorrem as chamadas chuvas orográficas. Massas de ar quentes e úmidas que chegam do mar batem na montanha, e à medida que se elevam se esfriam, condensam e formam nevoeiro no topo dela. Essas massas de ar uma vez do outro lado da serra se encontram mais quentes e secas. Dessa diferença resultam uma face mais fria e mais úmida e outra mais seca e mais quente. Essas diferenças, supôs Leila inicialmente, deveriam acarretar diferenças na vegetação e foi isso que ela se propôs a estudar, considerando também eventuais variações com a altitude.

O professor George lembra, a propósito do estudo, que se sabe muito pouco sobre a natureza das florestas que ocorrem nas montanhas do sudeste e mal se conhecem as variações que ocorrem nas matas que cobrem a Serra da Mantiqueira. E mais: é necessário pesquisar se existem diferenças nas matas de cada uma das faces das montanhas, pois quase todos os trabalhos se restringem a uma face e os resultados são generalizados para as demais. Esta característica faz o trabalho inédito em termos da Serra da Mantiqueira e de Brasil. A escolha da Serra do Lopo se deveu às características das faces dessa serra, a proximidade de Campinas, por tratar-se uma floresta em bom estado de preservação e por guardar semelhanças com outras florestas do sudeste do País.

Leila observou que na face fria da Serra do Lopo localizam-se os indivíduos mais altos, enquanto a face mais seca apresentou maior quantidade de indivíduos ramificados e número de espécies significativamente maiores. As diferenças podem ser atribuídas às diferenças de umidade, temperatura e à incidência de radiação solar.

Os pesquisadores fazem questão de enfatizar que é comum estudar apenas um lado de uma serra e estender as observações para os outros. Os resultados dos estudos por eles empreendidos mostram que essa generalização é perigosa. Luiza afirma que “há necessidade de pesquisar as diferentes faces de uma montanha porque uma pode ser muito diferente da outra”. George considera que “há um longo caminho a percorrer antes que se chegue a modelos que permitam generalizações em relação ao que ocorre na natureza”.


 
Untitled Document
 
Untitled Document
Jornal da Unicamp - Universidade Estadual de Campinas / ASCOM - Assessoria de Comunicação e Imprensa
e-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP