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Suplemento do Jornal da Unicamp 156

Os tentáculos do neoliberalismo

Como os organimos financeiros interferem na vida de cada cidadão

Estamos vivendo impregnados de neoliberalismo. É um tema que hoje não escapa das rodas de conversa, entendamos ou não de política, sociologia e economia. Não podemos fugir desta ótica social, tendo o governo Fernando Henrique feito do neoliberalismo uma bandeira, impondo para o País regras e ditames externos, as leis do mundo globalizado. Mas, afinal, o que há de bom e de ruim no neoliberalismo? Que hidra é essa que joga os seus tentáculos em toda a sociedade e define os rumos de cada cidadão?

Em palestra que fez parte dos Colóquios de Atualização da Unicamp, em 7 de outubro, Armando Boito, livre-docente do Departamento de Ciências Políticas do IFCH da Unicamp, disse que o tema é polêmico e não permite ficar em cima do muro. "Esta política mudou muito o Brasil. E, para a maioria da população, mudou para pior, muito pior. A realidade que está aí aconteceu graças a uma política neoliberal, aplicada ao longo da década de 90, dirigida por uma grande frente partidária formada pelo PSDB, PFL, PPB e PMDB, com participação desigual em termos de importância de cada partido. A política foi implementada com base nesta frente, principalmente pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, ao longo de seus dois mandatos".

Boito procurou mostrar que o neoliberalismo criou no País a chamada "cidadania dual", onde quem tem renda média ou elevada usufrui de serviços de saúde e educação privados, enquanto a parcela mais pobre utiliza-se de serviços públicos degradados e cada vez mais ameaçados. "Não digo que os serviços privados são de boa qualidade, porque a idéia de que a escola particular é boa precisa ser bem ponderada. O fato é que, quem tem dinheiro, usufrui de um serviço social com garantias mínimas de funcionamento, e quem não tem está entregue a um serviço público ameaçado. Isto é uma cidadania dual. Por isso afirmo que a política neoliberal contraria os interesses da maioria da população brasileira".

O professor do IFCH lembra que o Brasil sempre foi um país muito desigual, dependente do capital estrangeiro, dos grandes centros de produção de tecnologia. "Isso é verdade. Antes do neoliberalismo, que se inicia com Fernando Collor em 1990, o Brasil realmente já era um país capitalista, e de um tipo particular de capitalismo, que é o capitalismo periférico, subdesenvolvido, dependente. Como tal, já apresentava uma sociedade carente de profundas reformas sociais nunca realizadas, como a reforma agrária. Mas o que notamos agora, após esta década de neoliberalismo, é que foi possível piorar muito, ao mesmo tempo em que nos mantivemos na periferia".

Armando Boito acrescenta que, em relação à dependência estrangeira, o Brasil já tinha uma economia em grande medida internacionalizada e desnacionalizada, mas vê atualmente uma desnacionalização bem maior. "Basta citarmos as grandes empresas que prestam serviços ou aquelas ligadas à infra-estrutura. Boa parte delas foi alienada para o capital estrangeiro, como o setor de telecomunicações. Grandes indústrias brasileiras, em dificuldades com a abertura e a política de juros elevados, acabaram vendidas para grupos internacionais", acusa.

Dependência em alta

Segundo o professor, a desnacionalização crescente tornou mais nítida outra faceta do País frente aos grandes países capitalistas: a dependência política. "Basta ler os jornais para notar que a política econômica brasileira é fundamentalmente determinada pelo Fundo Monetário Internacional. Chegamos a uma situação, na América Latina, onde os candidatos à presidência, antes da eleição, precisam assumir um compromisso com o FMI de que manterão o pagamento da dívida externa e a política de ajuste fiscal. Cabe então perguntar: para quê fazermos eleições?"

Armando Boito lembra que em outras épocas da história recente do Brasil não existia essa tutela direta do FMI, acusando os governos Collor, Itamar e Fernando Henrique pelo "grande feito". Admite que o País já era desigual, mas questiona: "Como está a nossa política social hoje? Além de ter degradado muito os serviços públicos, esta política social, no que se refere à autonomia do Estado e dos governos brasileiros no cenário internacional, é definida nas suas grandes linhas pelo Banco Mundial, um organismo internacional que, tal como o FMI, é controlado pelos grandes países capitalistas".

O professor do IFCH salienta que os países associados ao FMI, Banco Mundial e Organização Mundial do Comércio possuem pesos diferentes na definição da política dessas agências internacionais. Recorda que durante o encontro da OMC em Seattle, no ano passado, quando aconteceram os primeiros grandes protestos contra a chamada globalização, havia as reuniões no salão verde, reservadas ao grupo dos sete grandes, e as reuniões em plenário. "As decisões eram tomadas no salão verde e o plenário apenas as homologava", afirma.

"Quando o Banco Mundial define políticas de saúde e educação, por exemplo, ele o faz tendo em vista os interesses dessas grandes potências. E quando o Estado brasileiro segue tais políticas, segue os interesses das grandes potências", explica Armando Boito. "Se compararem as declarações do ministro Paulo Renato com o que dizem documentos do Banco Mundial ou da ONU (como a Conferência Mundial sobre Educação), verão que não há nada de original, nada de novo. O que está nos documentos é o que o ministro repete aqui dentro".

Pequeno histórico

Tendo na platéia cerca de 700 professores de ensinos fundamental e médio, Armando Boito, do IFCH, procurou explicar como surgiu o neoliberalismo e como ocorreu sua expansão pelo mundo de forma tão volátil. O cientista social descreveu, grosso modo, os fatores internacionais e nacionais determinantes na mudança de modelo econômico.

Segundo Boito, até os anos 70 havia muitos conflitos entre as potências capitalistas. "Quando há conflito entre os de cima (os grande países capitalistas), os de baixo (da periferia) têm mais liberdade de manobra, o que facilitou o surgimento de governos revolucionários e governos reformistas, como foi o caso do desenvolvimentismo no Brasil, ainda que um reformismo muito superficial. Esses governos apareceram em vários continentes e países da periferia", explica.

Havia também, até os anos 60 e 70, uma luta pela independência nacional em países periféricos. Assim, além do conflito no topo do sistema imperialista, existia um conflito entre a base e o topo. "África e Ásia queriam construir estados nacionais, o que significou movimentos políticos e militares, guerra popular, desestabilização do sistema internacional. E desestabilização é justamente do que precisam os mais fracos para poder se organizar e agir".

Foi neste cenário favorável que o Brasil implementou uma política de desenvolvimento do capitalismo e superficialmente reformista. O cenário nacional também era favorável porque, valendo-se inclusive do cenário internacional, fez-se uma revolução em 1930. "Uma revolução limitada, que desembocou num estado autoritário, mas que implantou o modelo desenvolvimentista com integração mínima dos trabalhadores ao sistema econômico. Formou-se uma frente ampla de desenvolvimento do capitalismo brasileiro, englobando parte dos trabalhadores urbanos e a burguesia nacional".

Armando Boito lembra que o antigo Partido Comunista do Brasil pregava a necessidade de alianças com a burguesia nacional para fazer uma revolução no Brasil. "A burguesia não queria qualquer revolução, mas visava desenvolver o capitalismo, ao passo que parte dos trabalhadores urbanos, à medida que tinha mais empregos, mais salários e mais direitos, apoiava esta política, ainda que de modo precário e instável. Existia, então, uma grande frente no plano interno, instável e contraditória, que fortalecia uma proposta que não interessava ao imperialismo norte-americano".

O quadro mudou com o golpe de 64. Implantada a ditadura, a burguesia expulsou os trabalhadores do sistema. Houve perseguição política, fim das liberdades, restrição de direitos. Aquela frente ampla perdeu, assim, uma força muito importante.

Recolonização do Brasil

A frente nacional se dissolveu justamente no momento em que, no cenário internacional, diminuíam os conflitos no topo do sistema capitalista. A partir dos anos 70, França e Alemanha, países imperialistas inimigos nas duas grandes guerras e que dividiam o domínio da Europa, puseram fim aos desentendimentos e iniciou-se a reunificação do continente. "A União Soviética, que se contrapunha aos Estados Unidos no cenário mundial, entrou em declínio e depois em desagregação e desaparecimento. O topo passou a se unir novamente, sob a liderança norte-americana. O imperialismo tornou-se mais forte".

Ao mesmo tempo foram sendo concluídas as lutas de independência nacional na África e Ásia, desaparecendo também o conflito mais aguçado entre a base e o topo. Diminuiu então a margem de manobra do estado brasileiro, no momento em que a burguesia expelia os trabalhadores do sistema político e ficava sozinha em cena, juntamente com a ditadura militar.

"Quando os Estados Unidos decidiram iniciar o processo de ‘recolonização’ do Brasil, encontraram apenas esta burguesia isolada socialmente, vista como exploradora, responsável pelo arrocho salarial e fabricante de produtos de má qualidade e criadora de cartórios. Collor de Mello, acusando a Fiesp de ser o principal cartório, dizia que os carros brasileiros eram carroças", recorda Armando Boito.

Encontrando uma burguesia ideológica, política e socialmente isolada, os Estados Unidos foram desmontando tudo. Desmontaram a reserva de mercado de informática, abriram o país para o capital estrangeiro e privatizaram empresas nacionais. A burguesia teve prejuízos, embora tenha se adaptado à proposta imperia-lista e se aliado a ela. Mas os maiores prejudicados foram os trabalhadores brasileiros.

"O Brasil sofreu uma transformação dentro de um quadro de permanência: era um país capitalista, periférico e dependente, e continua sendo tudo isso, mas numa escala muito maior", finaliza o professor.


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