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Tese defendida no IFCH analisa impacto da TV  legislativa no comportamento  dos parlamentares

LUIZ SUGIMOTO

Márcia de Almeida Jardim, autora da tese: “Não sabemos se a emissora custa dez ou cem” (Foto: Antoninho Perri)Flagrada na “dança da pizza” durante sessão plenária da Câmara dos Deputados, em março de 2006, ao festejar a absolvição do colega petista João Magno (MG) da acusação de receber propina do “valerioduto”, a deputada Ângela Guadagnin (SP) se justificou: “Pensei que estávamos sozinhos”. De fato, já era varada a madrugada, mas a TV Câmara estava lá e, meia hora depois, as imagens propagavam-se pelo You Tube e por todos os veículos de comunicação do país.

“A TV legislativa no Brasil está regulamentada na lei da TV a cabo, havendo uma regra específica: todas as sessões plenárias devem ser transmitidas ao vivo e sem cortes, obrigatoriamente. Isto acontece em todas as emissoras que estudei, sejam de câmaras de vereadores, de assembleias ou da Câmara dos Deputados e do Senado. Os parlamentares não ficam mais sozinhos”, afirma Márcia de Almeida Jardim, doutora em ciências sociais.

Sessão na Câmara dos Deputados (Foto: Agência Estado)O impacto da TV legislativa no comportamento dos parlamentares é um dos focos da tese de doutorado de Márcia Jardim, defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, sob orientação da professora Rachel Meneguello. Com Antenas do Legislativo – Uma análise dos canais de televisão do Poder Legislativo no Brasil, a autora recebeu elogios da banca examinadora pela originalidade do tema e teve seu trabalho recomendado para publicação.

A pesquisa explica a origem da TV legislativa brasileira, traz um ma­peamento das emissoras no país e questiona aspectos do nosso modelo em comparação com os de países como Estados Unidos e França. Márcia Jardim foi conferir in loco a estrutura e a programação dos canais da Câmara dos Deputados, Senado, Assembleias de Minas Gerais e de São Paulo, Câmara de São Paulo e de treze câmaras de vereadores do interior paulista. Entrevistou 42 parlamentares e 24 profissionais das tevês.

A "Dança da pizza" da ex-deputada Ângela Guadagnin:parlamentares passaram a se preocupar com a imagem (Foto: Agência Estado)Segundo a pesquisadora, as TVs legislativas estão presentes em assembleias de 17 estados, mais a do Distrito Federal (destacando-se ausências importantes como do Paraná e da Bahia), e nas câmaras de aproximadamente 30 municípios paulistas. “Como a criação destas emissoras independe de concessão, não existe qualquer controle da Anatel. Foi como procurar agulha em palheiro. Ative-me às cidades que possuem rede a cabo, pois seria impossível identificar todas as Web TVs”.

Big brother
Na opinião de Márcia Jardim, as TVs legislativas devem seguir o conceito chamado de accountability, entendido como de mecanismos de prestação de contas dos representantes para com os representados e, por outro lado, de controle social que os representados exercem sobre os representantes. “Esta tevê pode funcionar como um olho eletrônico vigiando o parlamentar no exercício do mandato, além de manter uma relação com o tele-eleitor que permita informá-lo e formá-lo politicamente”.

Perguntados se a entrada da TV na cena legislativa muda o comportamento do parlamentar, 98% dos entrevistados responderam que sim. “Esta mudança poderia ser apenas no cabelo, a fim de aparecer mais bonito na tela, mas a pesquisa mostrou mudanças efetivas, como na qualificação do discurso. Há parlamentares que fizeram cursos de oratória porque não conseguiam se expressar adequadamente; outros buscaram assessoria para dar mais conteúdo às falas”.

A propósito da “dança da pizza”, a pesquisa também constatou maior preocupação com o comportamento em plenário, o que envolve vocabulário, postura e mesmo resistência ao cochilo. “Cresce a consciência de que se está numa casa legislativa e não na própria casa ou escritório. Nota-se, ainda, maior assiduidade ao plenário e interesse em saber o que será votado. Pesquisa de mestrado de Luiz Santana de Freitas registra aumento do número de projetos apresentados desde que foram iniciadas as transmissões”.

Márcia Jardim informa que a qualificação do discurso, a melhoria na postura, a preocupação em divulgar o trabalho e outras categorias que contribuem para o accountability somaram 47% na pesquisa. A autora inclui entre as categorias neutras (com 33%), mudanças como a maior duração das sessões plenárias, apontadas como positivas, mas sem argumentação convincente. As categorias que não contribuem para o accountability, como preocupação com a aparência, atingem 18%.    

Limitações
A autora da tese considera o índice de 47% consistente para se afirmar que a TV legislativa contribui para a qualificação do parlamentar, havendo potencial para estimular mecanismos de accountability. No entanto, aponta problemas graves, a começar pela total falta de transparência em relação aos custos. “Tudo entra sob a rubrica de ‘comunicação’, que envolve gastos com Diário Oficial, eventos, publicações, etc. Não sabemos se a emissora custa dez ou cem”.
A prerrogativa dada ao presidente da casa legislativa de nomear o diretor da TV é outro ponto obscuro ressaltado pela pesquisadora. “Geralmente, o presidente escolhe o publicitário ou jornalista responsável por sua campanha eleitoral, que trata logo de implantar as próprias propostas, mexendo na programação. Isto traz um problema de descontinuidade, já que os mandatos são bienais e, a cada novo presidente, troca-se o diretor”.

O deputado federal Severino Cavalcanti (PP-PE) não nomeou seu próprio diretor quando assumiu a presidência da Casa, embora reclamasse que não tinha espaço na TV Câmara por pertencer ao “baixo clero”. Mas houve a entrevista ao vivo, em junho de 2006, em que o repórter pediu detalhes sobre a pauta da Casa para as próximas votações. Desconhecendo a pauta, Cavalcanti embaralhou-se na resposta e protestou: “Assim não dá. Não dá para fazer isso assim”. Mais furioso ainda por ver a entrevista no You Tube, ele afastou o repórter e a diretora da TV.

Em seu trabalho, Márcia Jardim apresenta sugestões para aumentar a transparência e evitar decisões autoritárias, tornando as TVs legislativas mais accountable. “São duas medidas que podem ser implantadas de imediato, pois não exigem gastos: a formação de conselhos editoriais e fiscais, com representação dos parlamentares, dos profissionais das TVs e da sociedade; e a eleição do diretor por uma comissão de parlamentares, com base em uma lista de nomes e de planos de trabalho, a exemplo do modelo francês”.

Tele-visão
Na expectativa de que sua tese estimule debates, novas pesquisas e ações que transformem a TV legislativa em uma “tele-visão” (meio de comunicação que amplie as práticas democráticas, aproximando representantes e representados), a autora deixa algumas questões em aberto. “Tendo em vista os altos custos de instalação e manutenção, a criação de uma TV talvez devesse seguir critérios como o tamanho do eleitorado e um número mínimo de vereadores, além de limitar os gastos a um percentual do orçamento da câmara”. 

De acordo com Márcia Jardim, a tendência é de formação de redes comunicacionais, com o objetivo de diminuir custos, ampliar a programação e integrar os legislativos municipais. “As casas, principalmente em nível municipal, passam a investir na transmissão pela Internet, já que a criação de uma TV legislativa não depende mais da rede a cabo”.

Falta voz ao cidadão
A cientista social Márcia Jardim conta que as TVs legislativas surgiram envolvidas em polêmica, haja vista que se trata de uma “mídia de fonte” (meio de comunicação pertencente à própria fonte de informação), mas neste caso financiada com verba pública. “No Brasil, essas tevês foram criadas todas por iniciativa do legislativo. Começaram com o hoje governador mineiro Aécio Neves, juntamente com os senadores José Sarney e Antonio Carlos Magalhães. A TV Assembléia de Minas entrou no ar em 1996 e, poucos meses depois, a TV Senado”.

Segundo a pesquisadora, houve questionamentos da mídia tradicional, que invocava para si a cobertura jornalística nas casas legislativas, insinuando gasto indevido de dinheiro público em TVs que se tornariam instrumento de publicidade dos parlamentares. “Estes, por sua vez, argumentavam que as emissoras viriam, justamente,  assegurar a transparência do trabalho legislativo, servindo como canal de prestação de contas com a sociedade”.

A partir de 2005, com as CPIs dos “Correios”, do “Bingo” e do “Mensalão”, as TVs legislativas tiveram uma audiência surpreendente. “A mídia comercial deu uma cobertura maior às comissões até por conta da audiência que as reuniões vinham tendo nos canais legislativos. Hoje, a mídia já não reclama tanto, pois teve seu trabalho facilitado: basta ligar a TV nas redações para acompanhar as discussões”.

Márcia Jardim observa que, se uma reunião de CPI atrai telespectadores, o mesmo não ocorre com as sessões plenárias, que precisam ser transmitidas mesmo que não haja quorum ou itens importantes na pauta. “A TV precisa mostrar a sessão da abertura ao fechamento, com todos os trâmites. Por isso, a TV Senado agiu rápida e espertamente, abrindo mais dois canais pela Internet”.

Em sua tese, a autora classificou os programas legislativos específicos como de sessões plenárias, audiências públicas e comissões permanentes. Existem ainda os telejornais e programas de entrevistas e culturais. “A pergunta que fica é: o que falta na grade? Falta mostrar o cidadão, que é relegado ao papel de espectador. Não há espaço para movimentos sociais ou produções independentes. A TV legislativa não assume um papel público”. 

Quanto a programas de debates, a pesquisadora ouviu dos profissionais entrevistas que eles são dificílimos de produzir, já que o tema geralmente é polêmico e os parlamentares relutam em assumir posições. “De qualquer forma, ao menos nas grandes casas legislativas, percebi um esforço para ampliar a grade e uma preocupação com a qualidade, apesar da limitação de recursos. As emissoras do Senado e da Câmara têm dez anos de história e consciência das instituições que representam. Transmitem para o país inteiro e entram com sinal aberto em várias capitais”.


 
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