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Riscos e perspectivas de inovações
tecnológicas são abordados em livro

Autor da obra prega maior engajamento
da sociedade nas discussões na área de ciência e tecnologia

MANUEL ALVES FILHO

O físico Peter Schulz, professor do IFGW e autor do livro A encruzilhada da nanotecnologia - Inovação, tecnologia e riscos: "A informação equivocada ou espetacularizada tende a gerar expectativas exageradas" (Foto: Antoninho Perri)A informação equivocada ou exagerada acerca das inovações tecnológicas tende a ser tão nociva à sociedade quanto a falta de informação. A análise é do físico Peter Schulz, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp. Ele acaba de lançar o livro A encruzilhada da nanotecnologia – Inovação, tecnologia e riscos, por meio do qual apresenta o tema ao público leigo e faz considerações sobre as perspectivas e riscos oferecidos pelos produtos e processos gerados por esse campo da ciência. Na obra, publicada pela editora Vieira & Lent, Schulz também discute a necessidade do engajamento público em ciência e tecnologia, conceito que tem por objetivo estimular a sociedade a debater os diversos aspectos relacionados ao desenvolvimento científico e tecnológico. Na entrevista que segue, o físico fala desses e de outros assuntos, sempre destacando a importância da população ter uma participação cada vez maior na formulação de políticas públicas em C&T. 

Jornal da Unicamp – Como surgiu a ideia do livro?
Peter Schulz – Em contato com integrantes de uma rede de engajamento público em nanotecnologia chamada Renanossoma, surgiu a ideia de desenvolvermos algo nessa linha em colaboração com o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron. Durante as conversas que mantivemos, o ex-diretor científico do laboratório, que é membro do conselho editorial da Vieira & Lent, editora especializada em obras de divulgação científica, sugeriu que eu escrevesse um livro falando sobre as possibilidades e riscos oferecidos pela nanotecnologia. A proposta amadureceu e o livro foi enfim editado.

JU – Trata-se, então, de uma obra dirigida ao público leigo.
Schulz – Exatamente. No livro, faço uma breve introdução a alguns conceitos de nanotecnologia. Também tento discutir o que é inovação tecnológica e quais os riscos que as novas tecnologias podem trazer.

JU – O senhor falou em engajamento público em ciência e tecnologia. O que vem a ser esse conceito?
Schulz – A ideia é estimular a sociedade a ter uma discussão mais direta sobre esse tema. No limite, é fomentar a participação popular nas discussões que levam à formulação de políticas públicas na área de ciência e tecnologia. Obviamente que isso nada tem a ver com fazer ciência em laboratório, que é uma atividade essencialmente técnica e especializada.  Tem a ver com a discussão de resultados e tendências.

JU – E como anda a participação da sociedade nessas discussões?
Schulz – Ainda é incipiente. Ela ocorre pontualmente, toda vez que surge uma inovação tecnológica importante. Foi assim com o genoma humano, com os transgênicos e com as células-tronco. E está sendo assim com a nanotecnologia. Entretanto, nem sempre as informações são qualificadas e na dimensão necessária. Quando o público não é devidamente informado, ele tende a ignorar ou mesmo rejeitar uma inovação tecnologia. O exemplo disso que eu cito no livro é a Revolta da Vacina, ocorrida no início do século 20 no Rio de Janeiro. Como não foi adequadamente esclarecida das medidas em curso, a população rejeitou a campanha de vacinação e protagonizou uma revolta que culminou com tumultos e conflitos. Não deu certo porque foi algo imposto, sem ser precedido de qualquer discussão mais ampla.

JU – De qual encruzilhada o senhor fala no titulo do livro?
Schulz – A encruzilhada da qual falo é a dicotomia que existe em torno de uma inovação, que tende ser vista ou vendida como algo positivo, mas que também pode trazer riscos. A falta de esclarecimento da população sobre cada um desses aspectos tende a mantê-la cada vez mais distante do desenvolvimento científico e tecnológico, justamente em um momento em que as novas tecnologias causam impactos cada vez mais abrangentes na nossa vida, no nosso cotidiano.

JU – Em que países o engajamento público em ciência e tecnologia tem sido praticado com sucesso?
Schulz – As práticas de engajamento público são experimentos sociais bastante interessantes. Temos várias tentativas na Inglaterra, Estados Unidos e Dinamarca. Nesses países, são criados grupos de discussão, normalmente sorteados entre os eleitores, de modo a obter uma amostragem da população leiga. Essas pessoas participam de um programa bastante intenso de discussões, de palestras com especialistas etc. Isso leva a um consenso sobre se os riscos são aceitáveis, se a população percebe que a inovação é potencialmente interessante etc. Esses fóruns são capazes de apontar direções que podem ser úteis inclusive para a formulação de políticas científicas. São experiências ainda incipientes, mas promissoras.  No livro, eu tento descrever essas práticas.

JU – A informação equivocada ou exagerada tende a ser tão nociva quanto a falta de informação?
Schulz – Sem dúvida. A informação equivocada ou espetacularizada tende a gerar expectativas exageradas, que dificilmente serão cumpridas. O episódio do sequenciamento do genoma é exemplar nesse sentido. Embora eu seja leigo no assunto, quando se começou a falar que o sequenciamento poderia ser a cura de todos os males, eu percebi que o que havia sido feito até ali era apenas achar os números de uma lista telefônica. Faltava, porém, ligar para todos os números para descobrir quem é o assinante e o que ele faz. Ou seja, ainda faltava – e continua faltando – cumprir um caminho longuíssimo. Com a tecnologia nuclear também foi assim. Textos de divulgação científica dos anos 50 diziam que a tecnologia nuclear resolveria todos os nossos problemas. De certa forma, acontece o mesmo em relação à nanotecnologia.

JU – E o que é possível esperar da nanotecnociência?
Schulz – Na realidade, precisamos entender que temos várias nanotecnociências.  O tema em comum é a manipulação da matéria em dimensões nanométricas, mas esse trabalho está sendo feito pela biologia, química, física, ciência dos materiais etc. A interdisciplinaridade está sendo construída, mas ainda não chegamos lá. O que está bem disseminado são as nanopartículas, ou seja, substâncias que foram divididas de maneira bastante regular, de dimensão nanoscópica, que podem ter propriedades diferentes do mesmo material em dimensões maiores. Atualmente, esses insumos já estão nas indústrias químicas e farmacêuticas, na agricultura etc. Eles criaram tecidos que não sujam, tintas especiais, entre outros. Também temos a nanomedicina, que faz uso de nanopartículas que podem ser revestidas com material biocompatíveis. Estas vão buscar determinado tecido doente e lá fazem o depósito do medicamento diretamente nas células afetadas Essas são duas presenças bastante fortes no cotidiano, embora não seja algo tão perceptível por parte da população.

JU – E o que não é possível esperar?
Schulz – Penso que o que não tem possibilidade de acontecer são as nanomáquinas imaginadas por Eric Drexler [cientista norte-americano que obteve o primeiro título de nanotecnólogo no mundo], que teriam a missão de manipular os átomos. Existem provas de conceito nesse sentido, mas eu não acredito que isso vá se transformar numa tecnologia de uso corrente.

JU – No Brasil, como essas questões têm sido pensadas pelas autoridades públicas?
Schulz – Mais uma vez, de maneira ainda incipiente. A Fundacentro, ligada ao Ministério do Trabalho, mantém um programa de engajamento em nanotecnologia, uma vez que está preocupada com a saúde do trabalhador. A fundação está interessada em debater os impactos que as novas tecnologias podem trazer nessa área. Entretanto, o Ibama e a Anvisa, por exemplo, não estão discutindo a questão. Isso é um problema que faz lembrar a fábula dos monges cegos e o elefante. Ao serem chamados para decifrar o que seria aquela espécie, os monges tocaram em partes distintas do animal. O que abraçou a perna considerou que aquilo seria um tronco de árvore. O que pegou no rabo achou ser uma corda. O que manipulou a orelha concluiu que se tratava de uma grande folha. Ou seja, temos que abordar nossos problemas de forma diferente daquela usada pelos monges cegos. É preciso ter uma visão mais geral do problema. Por analogia, você não resolve as deficiências da educação básica no Brasil pensando apenas nos professores. Tem que se pensar também em psicólogos, assistentes sociais, pedagogos, nutricionistas, médicos, dentistas etc. Para introduzir novas tecnologias na sociedade também é preciso uma abordagem multidisciplinar. Não é só a visão do cientista, do empresário ou das agências governamentais. Também é preciso considerar a visão da sociedade.

Serviço
Título: A encruzilhada da nanotecnologia
Autor: Peter Schulz
Editora: Vieira & Lent
Número de páginas: 128
Preço sugerido: R$ 23,00

 
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