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Proteína guardiã

Estudo desvenda ação protetora da
interleucina em crises de epilepsia

O biólogo Vinicius D'Ávila Bitencourt Pascoal, autor da tese: achados fundamentados no uso da técnica de interferência por RNA. (Foto: Antônio Scarpinetti)O processo inflamatório que age durante a epilepsia tem um papel protetor ou prejudicial no sistema nervoso central (SNC)? Há controvérsias na literatura. Muitos grupos defendem que a proteína interleucina-1-beta (IL1-B), quando aumentada, exibe um efeito pró-convulsivante. Poucos grupos sustentam o oposto. Mas os resultados encontrados na tese de doutorado do biólogo Vinicius D'Ávila Bitencourt Pascoal, defendida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM), corroboraram que ela, ao contrário, pode ter uma ação protetora contra as crises, particularmente na epilepsia do lobo temporal, que acomete cerca de 50% de todas as epilepsias existentes, distribuídas em 2% da população mundial. Esses achados ganharam ainda maior sustentação com o uso da técnica de interferência por RNA, ao promover a modulação dessa proteína ligada aos processos inflamatórios usando uma via endógena (do próprio organismo), sem necessidade de cirurgia. A pesquisa foi desenvolvida no âmbito do Programa de Cooperação Interinstitucional de Apoio a Pesquisas sobre o Cérebro (Cinapce), financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e que contou com o suporte de outro aluno de doutorado, o biólogo Rafael Marchesini.

Ao estudar o papel da inflamação na epilepsia e os genes envolvidos, o biólogo modulou a expressão tanto do gene IL1-B quanto do seu antagonista para tentar desvendar a gênese da epilepsia em modelos animais. Ele pôs sua atenção no gene IL1-B pelo fato de ser uma proteína sabidamente pró-inflamatória que possui várias funções, entre elas a de estar relacionada à morte neuronal em efeitos tóxicos no SNC. Para reproduzir as crises, ele empregou a pilocarpina - substância que, em altas doses, provoca um efeito excitatório no SNC. Os experimentos, feitos com animais, demonstraram que a metodologia da interferência por RNA conseguiu ser mais específica para elucidar o papel da inflamação. Segundo a médica geneticista Íscia Lopes Cendes, orientadora da tese, a maior parte dos trabalhos até agora defendiam que a inflamação podia ser inclusive uma das causas da epilepsia.

O pesquisador informa que o estudo da epilepsia do lobo temporal tem um grande apelo devido à dificuldade que um número significativo de pacientes apresentam no controle de suas crises, mesmo com o uso correto dos medicamentos. Em alguns casos, os pacientes necessitam ser submetidos à cirurgia para conter as crises, sendo que esse procedimento tem tido resultados favoráveis, quando bem-indicado. Portanto, afirma Íscia Lopes Cendes, a procura por um melhor conhecimento dos mecanismos que levam à epilepsia de lobo temporal poderia auxiliar na busca por terapias mais eficientes e menos invasivas para esses pacientes. "É nesse contexto que se inserem os estudos sobre o papel da inflamação na epilepsia de lobo temporal."

Técnica mais específica

A tese de doutorado empregou a técnica de interferência pelo ácido ribonucleico (RNA), encarregado de levar a informação do DNA (principal molécula de cada célula) às estruturas que sintetizam as proteínas. Aí entra em ação uma dupla fita de RNA, uma molécula biológica que o organismo tem naturalmente e que é responsável por ativar a via bioquímica que culminará por induzir a destruição do RNA-mensageiro, impedindo a produção da proteína-alvo. "No estudo de Vinicius, esta molécula de RNA de dupla fita foi sintetizada em laboratório e introduzida na célula."

Esse mecanismo de interferência por RNA, recorda ela, deu inclusive o prêmio Nobel de Medicina aos biólogos Andrew Fire e Craig Mello em 2006. De acordo com Íscia Lopes Cendes, as fitas duplas de RNA se ligam a complexos de proteínas e "encontram" o RNA-mensageiro complementar a sua sequência. Quando um trecho dele é capturado pelo complexo de proteínas contendo o RNA injetado, este induz a destruição do RNA- mensageiro. Assim, a proteína correspondente àquele gene não é produzida, "silenciando-o".

O RNA de interferência, esclarece Meireles, funciona como um mecanismo de defesa contra os vírus, colaborando para manter a integridade do DNA dos organismos e o controle da expressão genética. Vinicius salienta que a técnica adotada por ele tirou proveito desse processo como uma ferramenta para silenciar a expressão de genes. Além disso, o biólogo acrescenta que, diferentemente dos experimentos feitos anteriormente com outros inibidores da IL1-B, seus experimentos não necessitaram que os animais fossem submetidos à cirurgia para introdução de drogas ou anticorpos no SNC, já que ele juntou a molécula de dupla fita de RNA com um fragmento de proteína, que "carregou" este complexo da circulação periférica diretamente para o SNC. Esse detalhe técnico foi importantíssimo, realça a geneticista, pois somente a cirurgia já induz reação inflamatória e pode mascarar todos os resultados experimentais. "Não tivemos que lidar com esse problema", acrescenta.

A médica geneticista Íscia Lopes Cendes, orientadora: busca por terapias mais eficientes e menos invasivas para os pacientes. (Foto: Antônio Scarpinetti)Os resultados do trabalho mostraram que, ao alterar a expressão dos dois genes - tanto da IL-1-B quanto do antagonista, ocorriam alguns efeitos. "Quando era diminuída a produção da IL-1-B, os animais respondiam com crises mais rapidamente e a taxa de mortalidade aumentava. Quando usava-se a estratégia de silenciar o antagonista endógeno, aumentava-se a ação da IL1-B. Neste caso, os animais demoravam mais tempo para ter crise e a taxa de mortalidade era menor, mostrando um efeito protetor da interleucina", constata Vinicius.

Após três meses de observação dos animais, conduzidos no Laboratório de Genética Molecular do Departamento de Genética Médica da FCM e no Centro Multidisciplinar para Investigação Biológica na Área de Ciência (Cemib), o biólogo coletou o tecido dos animais e a partir de cortes histológicos do cérebro averiguou se havia aumento ou diminuição da morte neuronal. "Percebemos que, com o aumento da atividade da IL1-B, tivemos menos mortalidade dos neurônios, que é um dos marcadores da ocorrência da epilepsia nestes animais", expõe.

O pesquisador explica que seus resultados têm também uma implicação prática, pois algumas propostas sinalizavam que talvez se devesse usar anti-inflamatórios para tratar a epilepsia, com vistas a diminuir a inflamação e curar a epilepsia. Esta, todavia, pode ser uma proposta perigosa, contesta Vinicius, porque, de acordo com os dados obtidos no presente trabalho, se diminuir demais a inflamação, inibindo o efeito da IL1-B, é possível piorar a recuperação da lesão induzida por um "insulto". "É preciso tomar cuidado porque, ao agir em processos biológicos, que são naturais e normais e que estão ali porque o organismo está se protegendo de uma lesão, pode-se complicar o quadro. Nosso trabalho apontou isso: a inflamação dentro de certo limite é benéfica", garante a geneticista.

Tese recebe prêmio em congresso

O trabalho de Vinicius, intitulado "O papel da interleucina-1-beta na fase aguda do modelo de epilepsia do lobo temporal induzido pela pilocarpina", foi o primeiro colocado na área de pesquisa básica em epilepsia do 33º Congresso da Liga Brasileira de Epilepsia, que aconteceu no início deste mês em Brasília, Distrito Federal. Entendendo a distinção como um reconhecimento ao seu trabalho, julgado por uma banca de especialistas, ele garante que o próximo passo será desenvolver o pós-doutorado. Já em agosto segue para os Estados Unidos a fim de aprender algumas técnicas de biologia molecular, com RNAs não-codificantes, para depois empregar na área de epilepsia da FCM da Unicamp.

É certo que a notoriedade do prêmio está fortemente ligada ao seu homenageado, o médico carioca Aristides Leão, que estudou na Universidade de Harvard, em Cambridge, Massachusetts, onde obteve o mestrado em 1942 e o doutorado, em 1943. Em 1944, ele publicou um artigo no Journal of Neurophysiology que se tornou um clássico da Neurofisiologia. Descobriu uma reação ocorrida no córtex cerebral.

Esse fenômeno foi batizado de depressão alastrante ou A Onda Leão. Embora não sendo conhecidas as causas naturais do fenômeno, ele pode ser induzido por toque, choque elétrico ou substância química. A descoberta foi valiosa para o diagnóstico de doenças como a epilepsia e a enxaqueca, abrindo perspectivas para o entendimento de outros fenômenos patológicos e estudos sobre o comportamento animal e a organização funcional do sistema neural, a memória e o aprendizado.


Publicação
Tese de Doutorado: "O papel da interleucina-1-beta na fase aguda do modelo de epilepsia do lobo temporal induzido pela pilocarpina"
Autor: Vinicius D'Ávila Bitencourt Pascoal
Orientadora: Íscia Lopes Cendes
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas
Financiamentos: Fapesp e CNPq

 



 
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