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Campinas, junho de 2001 - ANO XV - N. 163.........
     
   
 

Cédula da Terra

JOÃO MAURÍCIO DA ROSA

Núcleo de Economia Agrícola do Instituto de Economia da Unicamp (NEA/IE) está prestes a divulgar um relatório final sobre o Programa Cédula da Terra (PCT), concebido pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário no final de 1997, com a intenção de ampliar o leque de alternativas para a ordenação fundiária no Nordeste brasileiro. O trabalho, que vai concluir uma série de estudos iniciados entre 1997 e 1998, promete revelar uma radiografia do pequeno agricultor nordestino e do caminho do dinheiro público investido em uma política fundiária inédita no país.
Com recursos de US$ 150 milhões co-financiados pelo Banco Mundial (Bird), o PCT já distribuiu cerca de US$ 75 milhões para mais de 7 mil famílias que adquiriram, até 1999, 242 imóveis rurais espalhados por cinco estados: Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco e a região Noroeste de Minas Gerais localizada no chamado Polígono das Secas. A meta é atingir 15 mil famílias.

Para alcançar este objetivo, porém, o Bird usou seu poder de agente financiador e exigiu que o PCT fosse avaliado de maneira a não se tornar apenas mais um programa oficial fadado ao descaminho, como se verificou em programas tradicionais de reforma agrária.

O trabalho de avaliação foi encomendado à Unicamp por Edson Teófilo, diretor do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento (Nead), órgão do Ministério de Desenvolvimento Agrário. Um dos patrocinadores da idéia, Teófilo foi inspirador do Projeto Piloto São José, no interior do Ceará, que propunha uma forma diferente de distribuir terras para pequenos agricultores e agricultores sem-terra. “Um programa que combina crédito para aquisição de terras com a idéia do associativismo rural, peça chave no Projeto São José, e que assim explora uma tradição cearense estimulada por órgãos do governo estadual”, explica o professor José Maria da Silveira, do IE.

O trabalho de avaliação exigiu a formação de uma equipe de especialistas escalados entre a Unicamp, USP, UFSCar e de 64 entrevistadores recrutados em quatro universidades federais da região abrangida e ainda de uma ONG (Organização Não-Governamental) de Minas Gerais. “Avaliar é importante para dirimir críticas. Isso fornece a base para que o debate se apoie em argumentos fundamentados, levando constrangimento àqueles cuja crítica é baseada em achismos”, enfatiza o coordenador dos estudos de avaliação, Antonio Marcio Buainain, professor do IE da Unicamp.

Algumas regras – “Em linhas gerais e com pequenas exceções, os executores do programa nos estados fixaram algumas regras para os candidatos”, explica José Maria. Para se cadastrar nas associações beneficiárias do PCT, os candidatos teriam que ser pobres, maiores de 18 anos e menores de 65, possuir vocação para o serviço agrícola, um mínimo de espírito empreendedor e, preferencialmente, estarem casados.

Quanto ao favorecimento de casados na triagem, a justificativa é preservar as associações do chamado risco social. “Entende-se que os casados têm mais responsabilidade e cimento social. Sem vínculo com o grupo, o associado pode abandonar o programa depois de apoderar-se dos US$ 1,3 mil que cada família recebe a título de doação para sua manutenção”, explica José Maria, referindo-se a um crédito a que cada família tem direito ao ser contemplada pelo PCT.

O estudo da fase de implantação do projeto, finalizado em janeiro de 2000, mostrou que as comunidades constituídas por pessoas que mantêm algum tipo de ligação – compromisso social – são consideradas com maior probabilidade de sucesso. “Isto vem do fato de que quanto mais coesa a comunidade, melhor é o monitoramento entre os pares, visando avaliar comportamentos oportunistas que prejudiquem o coletivo. Notamos alguns casos de comunidades formadas por pessoas vindas de diversos lugares, só para atender ao chamado do PCT, que tiveram altíssima taxa de desistência, comprometendo seu sucesso”, informa o professor. Quando alguém abandona o programa, tem como punição a inadimplência, mas deixa a dívida para os que ficam com a missão de viabilizar a empreitada.

Aumento de risco – O objetivo de focalizar as populações estruturalmente pobres foi considerado fácil pelo fato de o PCT ter-se difundido no Nordeste. Mas os riscos de fracassos aumentaram em função de suas condições naturais e culturais. “É difícil compatibilizar o baixo nível de instrução dos beneficiários com capacidade de gerenciamento das propriedades, daí a necessidade de assistência técnica e atividades associativas”, observa José Maria.

Uma das críticas consideradas pertinentes ao PCT, apontada em vários debates e pelos próprios estudos de avaliação, é que a região abrangida impõe desafios terríveis. “As áreas sofreram cinco anos de seca, considerada a pior em 50 anos”, explica. Além disso, o professor lembra que nas regiões onde o programa teria mais chances de sucesso, como a Zona da Mata de Pernambuco, em que água é abundante, a terra tem preços que fogem do alcance do financiamento.

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Idéia é criar e potencializar comunidades

O Programa Cédula da Terra tem características semelhantes às de similares desenvolvidos com supervisão do Bird na Colômbia e na África do Sul. A diferença em relação a formas tradicionais de reordenamento fundiário, segundo José Maria da Silveira (IE), é que o PCT utiliza mecanismos que incentivam o associativismo rural e dão rápido acesso à terra para grupos que se consideram aptos a seguir as regras preestabelecidas pelo banco.

“O programa não se limita a financiar compradores de terras. A idéia é a criação de compromisso e potencialização das comunidades”, explica José Maria, lembrando que a proposta foi fundamentada nos trabalhos do economista Amartya Sen, Prêmio Nobel em 1999.

O mecanismo do PCT foi definido pelo Nead e pelos técnicos do Bird. Consta de um conjunto de pontos um pouco complicados para quem não está familiarizado com mecanismos de política agrícola. Em síntese dá-se um teto por família de US$ 11.200. Para que as famílias consigam fazer a transição para o projeto que vai ser instalado, destina-se R$ 130 por mês por família, em um ano, que por sua vez são descontados do valor teto.

Em seguida fornece-se um crédito fundiário a juros favorecidos, por 20 anos, com três anos de carência. Ele serve para pagar a propriedade (terras nuas e benfeitorias, fixados pela negociação). Se as famílias negociam bem o valor da terra, sobra uma diferença entre os US$ 11.200 e o que é gasto com a área e manutenção das famílias, para o investimento comunitário, que não será pago. O limite para o subsídio ao investimento é de US$ 3.800/família. “Quanto melhor negociarem o valor das terras, mais condições de investimento as famílias terão em infra-estrutura”, explica José Maria.

Arbitragem – A compra da terra, ao contrário do que se possa imaginar, não se caracteriza como uma simples barganha, segundo mostrou outro estudo de avaliação do programa. A negociação é feita pelas associações com arbitragem dos órgãos estaduais da reforma agrária e obedece a certos critérios, como a proibição de que sejam abandonadas e, portanto, passíveis de desapropriações.
Os mecanismos para dar crédito de US$ 3,8 mil por família acaba por estimular a formação de associações que reúnem até 100 famílias, o que garante a captação de US$ 380 mil a fundo perdido só para investimento comunitário. Mas os observadores fazem uma ressalva: neste caso, a seleção dos associados é ruim e a coesão social vai para o brejo.

Os estudos detectaram um número médio de 29 famílias, por projeto do PCT, que tende a diminuir em função da exigência de que a propriedade não seja passível de desapropriação para reforma agrária, o que limita o estoque de terras disponíveis.

Competitividade – Quanto menor o número de associados, mais coeso se torna o grupo, segundo os estudos. O trabalho de avaliação preliminar considerou que a aplicação correta do esforço comunitário, gerando motivação individual bem direcionada pelo chamado monitoramento dos pares, cria condições de tornar os assentamentos competitivos em relação a grandes propriedades que precisam arcar com o custo do monitoramento do trabalhador assalariado, ou seja, para verificar se ele está realmente empenhado em cumprir sua tarefa.

José Maria lembra que muitas formas tradicionais de exploração do trabalhador no sertão ou em regiões mais adiantadas visam jogar no trabalho da família meeira ou arrendatária, a responsabilidade pelo sucesso da exploração agrícola. A diferença é que famílias associadas do PCT conquistam o que sobrar do pagamento da terra e ainda podem reaplicar como bem entenderem.


 

 

 

 
 
 

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