Medo de escuro
Psiquiatra Maurício Knobel fala da ‘nictofobia’,
que vai torturar muitas pessoas em caso de apagões

JOAO MAURICIO DA ROSA

ISABEL GARDENAL

luz é atividade. Escuridão, a inércia. Por conta disso, quando o sol era a única fonte de energia conhecida, a luz foi associada ao bem e a sombra ao mal e assim permanece até hoje. O cientista Maurício Knobel, professor emérito de pós-graduação em Psiquiatria da Unicamp, conta que a ciência já tentou localizar até o momento em que a luz, mãe dos vegetais, começa a agir sobre a vida humana. “Submetendo gestantes à iluminação intensa descobriram apenas que a mãe pode transmitir sensações às crianças”, explica.
Mas é nas trevas que o homem inicia os seus dias para depois fugir delas. “Durante o período da sociedade pré-civilizada, sem eletricidade, mas que já mantinha este rito atual de produção, só se podia trabalhar quando tinha luz. Daí sua associação com o bem. Quando não se consegue enxergar, perde-se os movimentos, tateia-se, há perigo de se machucar. É o mal. Estes significados se perpetuaram”, explica Knobel.

No apagar das luzes, homens modernos saltam para o divã da psicanálise. O medo do escuro, que já foi cantado em samba e rock, não é apenas tempero musical. Knobel trata de gente que chega a ficar paralisada no apagar das luzes, uma patologia que chegou a ser chamada, sem sucesso, de nictofobia (de “niktos”, que em grego significa noite).

“Em sentido amplo, as fobias – que podem ser definidas como um medo irracional em situações ou diante de objetos que não apresentam qualquer perigo à pessoa – atingem cerca de 10% da população. Os transtornos mentais são muito mais comuns do que se imagina: quase um terço dos adultos terá algum problema de saúde mental ao menos uma vez na vida”, avisa o médico.

Maurício Knobel acredita na possibilidade de uma ação social para nego-ciar a ocorrência de eventuais apagões em horário diurno. “Tenho a certeza de que o dano será menor”, afirma. “E os nossos pacientes agradecerão”, completa o médico, especialista na área de Psicoterapia Breve, ou seja, trata de emergências que exigem tratamento em poucas sessões para ajudar o paciente a mudar de atitude. “A escuridão favorece a regressão, a introspecção e conseqüentemente a fantasia, às vezes alucinação”.

O médico lembra que recentemente, em seu consultório, foi procurado por uma mulher fóbica, de 35 anos. Ela queria saber como ficaria a sua situação diante da iminência do apagão. Dizia estar angustiada ao prever o seu próprio enlouquecimento. “Essa paciente não agüenta enfrentar o escuro, mesmo conhecendo outros recursos de iluminação igualmente eficazes”.

Perigo das fantasias – Paulo Dalgalarrondo, psiquiatra chefe do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Unicamp, reforça as experiências de Knobel. “Pessoas mais sensíveis, que têm fobia, síndrome de pânico, depressão, ansiedade ou psicoses, poderão sofrer mais ainda. No imaginário atual, o escuro conduz ao medo e à insegurança”, diz.

Dalgalarrondo acredita que o escuro não traz somente medo. Em geral, ele vem agregado a fantasias de ameaças, no caso das crianças e pacientes psicóticos, o que pode até ser perigoso. “Existe interação contínua entre o social e o mental. Isso não se desvincula em nenhuma patologia”.

A medicina preventiva também investiga essa problemática. Os pacientes recebem orientações sobre como agir em determinadas situações. A realidade é apresentada de maneira natural. O médico salienta que todas as pessoas estão sujeitas aos fenômenos da natureza, como a escuridão, por exemplo, e que o homem é o ser que mais se adapta às mudanças.

“Chamamos o paciente à reflexão, enfocando outros aspectos cotidianos com os quais somos obrigados a conviver, e não podemos evitar”, explica Knobel. Para ele, o problema da seca é muito mais grave, e as pessoas convivem com este mal. “O que dizer então dos alagamentos e dos tremores de terra que ocorrem em vários países?”, observa. A Psicoterapia Breve também tem por finalidade esclarecer isso. “Não devemos nos enganar, pois precisamos viver uma vida quanto mais próxima do normal”, enfatiza.

Expectativa temerosa – Dalgalarrondo afirma que a crise energética deverá desencadear respostas sociais e psicológicas, tanto negativas quanto positivas. A negativa é a revolta histórica da sociedade contra as autoridades governamentais. “Todos estão desacreditados nos rumos do País. A expectativa temerosa é não saber o que pode vir no futuro próximo”.

Já o aspecto positivo, segundo Dalgalarrondo, é que as pessoas devem ser menos passivas. “Precisam estar cientes de que sua ação ainda pode provocar mudanças, a começar dos hábitos”, afirma. Adolescentes ou adultos que passavam horas estáticos na frente da televisão ou então afundados nas poltronas para somente mais uma jogada no videogame ou ainda ‘navegando no mar da Internet’ terão que restringir o tempo de uso destes equipamentos. “Eu percebi que muitos pais vão gostar de os filhos ficarem menos em frente à televisão, além da contenção daquela despesa”.

A sociedade brasileira precisa vencer alguns vícios horríveis, aconselha Dalgalarrondo, porém ela sempre revela garra para renovação. “A crise energética tem mobilizado muito medo e revolta. Vai depender de como as pessoas passarão a lidar com isso. Está em jogo a crença no futuro e na sociedade”.

 

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