Lição que serve para o efeito estufa
César Pagan, o ‘homem da lâmpada’, dá novo passo à frente
e alerta o governo para o buraco na camada de ozônio

JOÃO MAURÍCIO DA ROSA

Se o racionamento no Brasil servir de lição ao governo federal, a comunidade científica começará a ser melhor ouvida no que tem dito a respeito do efeito estufa, um aviso tão contundente quanto a iminência do colapso energético e igualmente desdenhado. “Não foi por falta de alertas que o governo negligenciou. Agora, se negligenciar em relação ao efeito estufa, as conseqüências serão trágicas para o mundo inteiro”, afirma o cientista César José Bonjuani Pagan, professor da Unicamp licenciado e prefeito da estância paulista de Amparo.
A preocupação do professor cresce na mesma medida da construção de usinas termelétricas pelo país. “É uma política insana”, critica, descendo apressado pelas suntuosas escadarias do Paço Municipal da estância turística, um prédio histórico no centro da cidade.

Com 39 anos, Pagan parece muito moço para sua biografia, que se tornou conhecida nacionalmente em 1998. Na época com 36 anos e lecionando na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp, Pagan, em parceria com o professor Gilberto Januzzi, da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM), fez o poderoso cartel da indústria de iluminação do Brasil retomar a fabricação de lâmpadas de 127 volts, então trocadas pelas de 120, proporcionando uma economia ao país de R$ 500 milhões anuais. Soma equivalente ao custo de uma usina hidrelétrica de 250 megawatts, suficiente para iluminar três cidades do porte de Campinas.

Atualmente, se em vez de no gabinete de Amparo estivesse no Congresso Nacional, iria comprar briga contra o projeto visando a evitar futuros racionamentos com a construção desenfreada de usinas termelétricas. “Esta opção por termelétricas me preocupa, pois pode ser uma opção para o investidor particular, já que o prazo de amortização do investimento é de menos da metade de uma hidreolétrica. Mas é ruim, por depender de recursos não renováveis, indexada em dólar, muito mais cara. E a nossa energia já foi a mais barata do mundo”, lembra. O prazo de retorno do capital nas termelétricas, segundo ele, é de aproximadamente 10 anos, contra 20 ou 30 anos das hidroelétricas.

Pior do que a mera especulação financeira por trás da proliferação das termelétricas, é sua contribuição para com o buraco na camada de ozônio que protege o planeta do efeito estufa. Regiões do Chile e da Argentina já adotaram horários impróprios para pessoas saírem às ruas, numa clara demonstração de que o problema está muito mais palpável. “Isso não é uma fantasia pessimista. Se a comunidade científica já dizia há tanto tempo que teríamos o racionamento de energia, sem que nenhuma medida fosse tomada, é melhor que os governos dêem atenção à mesma comunidade quanto ao efeito estufa, uma coisa séria que pode ter impacto no planeta todo”.

Pagan fala inconformado dos recursos naturais renováveis abundantes no Brasil, como água e sol mantidos como estão, relegados ao esquecimento em benefício das termelétricas movidas a gás boliviano pago em dólar. “As opções que fizermos hoje terão conse-qüência amanhã. É uma insanidade a gente caminhar para esta política de termeletricidade. Ela pode vir como suporte do sistema, mas não com esta gama de investimentos que estão alocando. É perfeito para a iniciativa privada, que tem lucro mais rápido, mas para o desenvolvimento do país e de nossa sustentabilidade é péssima estratégia”.

O professor credita o racionamento à falta de investimento nos últimos anos. “O governo preferiu privatizar a colocar dinheiro no sistema elétrico, enquanto os reservatórios baixavam de nível. E o problema não é de clima, não é falta de chuvas, foi negligência mesmo no investimento em geração e transmissão”.


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Conversa de corredor eleva tensão
da indústria de iluminação

A preocupação do professor César Pagan com o meio ambiente foi pauta de sua campanha eleitoral em 2000, o que lhe rendeu 65% dos votos através de uma coligação PT-PC do B. Amparo é a maior cidade do chamado Circuito das Águas, com 60 mil habitantes e um diversificado parque industrial. Atualmente, o prefeito lidera um movimento para a criação de uma microbacia na região, envolvendo outros cinco municípios.

Para ele, a vida de prefeito é similar à de professor. Ambos são homens públicos produtores de ações em benefício da sociedade. “Devo voltar a lecionar depois que deixar a prefeitura”, afirma, dizendo-se fora de uma disputa em nível estadual ou federal. Se for assim, azar das indústrias de eletroeletrônicos e das distribuidoras de energia, pois quando retornar aos laboratórios – ou antes disso, por intermédio dos colegas – promete reiniciar suas pesquisas sobre os efeitos da variação de tensão nos equipamentos domésticos.

A história da troca de tensão das lâmpadas começou com o que não passaria de uma conversa de corredor. Professor de eletrotécnica, ouviu alunos comentando que suas lâmpadas estavam queimando muito depressa. “As minhas, também. Fomos ver e deu no que deu”, resume.

Pagan e equipe descobriram que, apesar de a lâmpada de 120 volts oferecer ganho de luminosidade, consumia mais energia e tinha menos durabilidade. Ou seja, dava 21% a mais de luz, mas também consumia 9,1% a mais de energia. Multiplicando este percentual por 20 milhões de residências acesas, chegou à fantástica conta de que o país estava pagando anualmente pelo desperdício e ainda ao prejuízo de R$ 100 milhões por ano aos consumidores pela elevação da conta. Além do mais, as lâmpadas de 120 volts tinham vida útil de 450 horas, menos da metade do tempo das de 127 volts.

Geladeira - Cientista que fez graduação, pós-graduação e doutorado em física, para depois chegar à livre-docência em engenharia elétrica, Pagan informa que toda vez em que há mudança da tensão aplicada, muda também o modo de funcionamento de boa parte dos equipamentos domésticos, como a geladeira, que depende de motor elétrico. “Se a tensão cair muito, pode abreviar a vida útil do aparelho”.

O professor Gilberto Januzzi, parceiro de Pagan nas pesquisas, segue estudando este problema e o aluno de mestrado Dean Willians está defendendo tese sobre o funcionamento de geladeiras. Já descobriu que a queda de tensão na rede de distribuição vai fazer a geladeira consumir mais energia. “A Universidade está repleta de pessoas bem intencionadas. É só caminhar pelos seus corredores para vê-las. Se a comunidade acadêmica fosse ouvida com sensatez, não teríamos apagão e não precisaríamos temer o efeito estufa”, finaliza Pagan.

 

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