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Racismo

À margem do mercado

A pesquisa Mapa da População Negra no Mercado de Trabalho tornou pública uma realidade mascarada pela assepsia dos departamentos de recursos humanos das centenas de milhares de empresas espalhadas pelo Brasil: a cor da pele pesa, e muito, na hora da admissão. Os números do levantamento, realizado em 1998, foram tema de debate promovido em novembro, na Unicamp, durante a Semana da Consciência Negra.

Encomendada pelo Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial (INSPIR) e pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE), a pesquisa foi feita nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte, São Paulo, Salvador, Recife, Porto Alegre e Distrito Federal. Foram visitados cerca de 46 mil domicílios em mais de uma centena de municípios. "As pessoas ficam escandalizadas com os números do mapa", relatou Neide Aparecida Fonseca, presidente do INSPIR, durante o debate.

Sobram razões para o escândalo. O mapeamento comprova, em todos os quesitos, a manutenção do negro à margem do mercado de trabalho, mais de um século depois do fim da escravidão. Das taxas de desemprego, passando pela distribuição dos ocupados por nível de instrução segundo raça e sexo, até chegar no rendimento médio dos assalariados por grupos de ocupação de acordo com a raça, as evidências são incontestáveis.

"Não sobrou outro papel para o negro a não ser integrar um exército de mão-de-obra reserva para exercer as piores funções quando não tivesse outra pessoa que pudesse realizá-las", denuncia o advogado trabalhista Inácio Teixeira Neto, coordenador da Comissão de Promoção da Igualdade Racial do Sindicato dos Advogados de São Paulo.

Trata-se de um exército de explorados, para ficar no exemplo de Teixeira, que marcha ao lado de outro, imenso e pouco estudado: o dos desempregados. A pesquisa mostra, por exemplo, que na capital baiana a taxa de desemprego entre negros era de 25,7% , contra 17,7% para brancos. Em São Paulo, a situação não era muito diferente, apresentando o índice de 22,7% quando se tratava de desempregado negro, e de 16,1% para os brancos.

Esse quadro ganha contornos ainda mais dramáticos quando se compara o tempo médio necessário para se obter uma colocação no mercado após a baixa na carteira. São Paulo, mais uma vez, serve de cenário para o tratamento desigual: um trabalhador negro permanece desempregado 57 semanas, em média, e o branco, 50 semanas, de onde se conclui que o primeiro chega a amargar 50 dias a mais de espera por uma nova chance.

O negro também leva desvantagem quando o assunto é direito trabalhista. O levantamento revela que eles são maioria nos chamados postos de trabalhos vulneráveis, nos quais o trabalhador não tem carteira assinada e, conseqüententemente, se vê órfão de qualquer tipo de amparo legal. Na região metropolitana do Recife, o mercado informal absorve 44,7% dos ocupados negros, percentual que cai para 36,8% quando se fala de brancos.

Além de ingressarem mais cedo no mercado, os negros têm uma carga de trabalho maior que a dos brancos. Em média, aponta a pesquisa, os negros passam 44 horas semanais no emprego, duas a mais que os brancos, marca-limite assegurada pela Constituição Federal e que muitas vezes é ultrapassada- em São Paulo, por exemplo, 45,3% dos trabalhadores da etnia cumprem jornada superior à prevista em lei.

Trabalha-se muito e ganha-se pouco. Os salários dos negros são menores que os recebidos pelos brancos. Na região do Recife, 61% dos trabalhadores negros ganham menos que dois salários mínimos, contra 46% dos brancos. Mais aberrações: apenas 4% dos negros têm rendimento superior a 10 salários mínimos, taxa que salta para 11% no universo dos trabalhadores brancos.

Segundo Neide Aparecida, os dados da pesquisa comprovam que a discriminação vai além da formação e do preparo do indivíduo. "Comparando o nível de escolaridade, a cor da pele e o tipo de emprego, comprova-se que não adianta se especializar. O que faz a diferença no mercado não é a formação e sim a raça", diz Neide, lançando um desafio: introduzir nas negociações coletivas à temática da igualdade de oportunidades, conciliando assim as reivindicações de teor econômico com uma ação voltada para a cidadania.

Entre os objetivos do INSPIR, por exemplo, está a criação de um guia para sindicatos sobre como negociar e defender cláusulas nos acordos entre empregados e empregadores e como fiscalizar comportamentos discriminatórios. No mapeamento, o instituto já propôs algumas cláusulas, com a consultoria do advogado trabalhista Inácio Teixeira Neto.

O conteúdo das cláusulas sugere que as empresas se comprometam a adotar programas educativos e medidas administrativas destinadas a garantir igualdade de oportunidade e tratamento no acesso ao emprego, na permanência, na mobilidade ocupacional de seus empregados, independentemente de raça. Resta esperar que as empresas cumpram a sua parte.

O berço das diferenças
A pesquisadora Estela Garcia de Pinto da Cunha, do Núcleo de Estudos da População (Nepo) da Unicamp, é a responsável pelas áreas de saúde e mortalidade do projeto Dinâmica Demográfica da População Negra no Brasil, um complexo mapeamento que abrange três grandes variáveis – nupcialidade, fecundidade e mortalidade da população negra em comparação à população branca. O levantamento fornece dados concretos que pintam uma realidade cruel das condições de vida do negro no país.

Argentina radicada no Brasil há 15 anos, Estela utiliza fontes secundárias (censos e pesquisas, sobretudo do IBGE) e primárias (atestados de óbitos) para fundamentar seu trabalho. Alguns indicadores, mesmo parciais, revelam o tamanho do abismo. A expectativa de vida é um deles. De acordo com o censo de 1991, ela era calculada em 72 anos para os brancos e em 65 anos para os negros. Não chama a atenção apenas a diferença de 7 anos – já um disparate -, mas também o fato de ela permanecer a mesma desde 1940.

A mortalidade infantil é outro exemplo emblemático. Entre os censos de 1980 e de 1991, a mortalidade diminuiu 43% entre os brancos, mas estacionou na faixa dos 25% entre os negros. No censo de 1980, a diferença no número de óbitos de crianças brancas e negras era de 21%, taxa que sobe para 40% no levantamento feito pelo IBGE em 1991.

Quando se fala de diferenças regionais, os números são mais dramáticos. Os filhos de mães negras residentes no Nordeste, por exemplo, estão sujeitos a um risco 63% mais elevado de morrer antes de completar um ano de vida se a comparação for feita com crianças brancas nascidas no Sul, o que significa 59 mortes a mais para cada mil nascidos vivos.

"A população negra morre muito mais significativamente que a população branca. Muitas vezes na mesma faixa de renda, no mesmo nível educacional e no mesmo local de residência", revela Estela, que vê na raça um critério de estratificação social no Brasil, quadro que lentamente está sendo alterado com a crescente mobilização de entidades. "O movimento negro cobra, com razão, uma dívida histórica".


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