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PCT, o triângulo de Sabato e o novo vértice

Renato Dagnino

Renato Dagnino é professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica, do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp (Foto: Antoninho Perri)Numa conversa com Jorge Sabato, um dos fundadores do Pensamento Latino-americano sobre Ciência, Tecnologia e Sociedade (Placts), ele me contou como havia surgido o “seu” triângulo. Tinha sido numa reunião com economistas em que ele queria mostrar-lhes o modelo cognitivo que usava para descrever e prescrever a Política de C&T (PCT). E, para isso, estilizou as relações entre Governo, Empresa e Universidade com essa figura geométrica porque ela era a mais complicada que os que o estavam escutando podiam entender.

Brincadeiras à parte, a força dessa estilização já quarentona, permanece. E tem sido retomada no norte com outras roupagens.

Ela manifestou-se uma vez mais numa das poucas sessões em que se discutiu a PCT latino-americana da 4ª Reunião auspiciada pelas “SBPCs” brasileira, argentina e uruguaia no final de novembro, em Porto Alegre. A sessão contou com a participação (entre outros; poucos, diga-se de passagem) da vice-presidente do CNPq – Wrana Panizzi – conhecida pelas suas propostas de renovação dessa política.

Este texto resume o que ali sugeri: a introdução de mais um vértice na figura proposta por um dos meus mestres mais brilhantes que dê conta das mudanças que ocorreram desde então e se aproveite da maior capacidade que temos hoje os que fazemos no nosso quotidiano – de maneira bottom-up e incremental – a PCT. Assim, de forma bem-humorada, mas respeitosa, proponho uma nova estilização. Um modelo cognitivo que nos permita prescrever sobre a relação Ciência, Tecnologia e Sociedade sul-americana atual: o “Quadrado do Dagnino”.

Antes disso, me fiz algumas perguntas. Quem eram esses três atores? Qual era o projeto que político que esse triângulo simbolizava? Que comportamento dos atores, que dinâmica de funcionamento sistêmico se pretendia? Que processos de co-construção sócio-técnica e co-organização política no âmbito interno e externo eram com eles coerentes?

O Governo – antecipador, forte e portador de um “projeto nacional” de industrialização de baseado na substituição de importações que expressava o compromisso desenvolvimentista entre as elites e o operariado –, não por acaso, ficava no vértice superior. A universidade, que na Argentina prefigurava o que viria a ser no Brasil – o celeiro de onde se esperava viria o conhecimento necessário para o desenvolvimento tecnológico na empresa – ficava, como esta, na base. A pesquisa universitária receberia os recursos do governo para fornecer à empresa nacional – demiurgo modernizante e quase antiimperialista do capitalismo nascente – a capacitação tecnológica que a condição periférica e o acosso das multinacionais não havia (ainda) gerado.

Uma das contribuições mais importantes de Sabato não foi muito levada em conta. Talvez por não aparecer no triângulo, mas provavelmente porque não era conveniente para os que o popularizaram, as “fábricas te tecnologia” que, com base nos institutos públicos e em novos grupos universitários de pesquisa, fariam a ponte entre os habitantes de dois territórios-vértices que “não falavam a mesma língua”. Na verdade, com o início do desmantelamento neoliberal do Estado latino-americano, sua proposta se transformou nos anos 80 no simulacro das incubadoras, parques e pólos de alta (!?) tecnologia.

Quarenta anos depois do triângulo, não são apenas os mecanismos institucionais da interação universidade-empresa que se revelam inadequados e, por isto, inócuos. O ambiente nacional e globalizado em que se inseria o triângulo sofreu transformações que alteraram a natureza e o comportamento dos três atores e, é claro, o que se pode esperar das relações entre eles.

O Governo, ademais de ocupar um Estado tetraplégico e lobotomizado que o torna muito distinto, não logrou forjar um projeto que, no âmbito tecnológico-produtivo, viabilize pela via cognitiva o estilo alternativo de desenvolvimento econômico-social com o qual se comprometeu. Pelo contrário, se aprofunda a disfuncionalidade entre a PCT – focada na obtenção de um quimérico aumento na propensão à P&D da empresa que a tornaria internacionalmente competitiva e que permitiria uma ainda mais irrealista melhoria da vida da população excluída – e as políticas de inclusão social nas quais este mesmo governo aplica (e não poderia nem deveria ser de outra forma!) recursos crescentes.

O vértice Empresa mudou também, em relação ao que se esperava, para pior. Agravou-se o predomínio das multinacionais, sobretudo nos setores intensivos em tecnologia que poderiam demandar resultados da pesquisa universitária; o que levou a um paroxismo da disfuncionalidade. Somou-se à idéia de que é a universidade Pública (e não a Privada) que deve produzir conhecimento com e para a empresa Privada, ao invés de fazê-lo para o benefício do conjunto (Público) da sociedade, o fato (que eu saiba único) de que um país destine recursos públicos para multinacionais desenvolverem pesquisa.

São muitas as evidências empíricas de uma PCT que, tentando remediar o que é estrutural na nossa condição periférica e em dependência cultural e que preside a baixa propensão à P&D da empresa local, agrava sua disfuncionalidade ao invés de alavancar aquele estilo alternativo. Segue-se tentando alterar essa propensão pela via da formação de mestres e doutores quando a capacidade de absorção das empresas é de menos de 1%; incentivando a competitividade das empresas quando apenas uma centena delas inova em termos mundiais; aumentando a disponibilidade de recursos para a P&D quando elas afirmam que os sinais de mercado não as estimulam a usá-los e que sua estratégia de inovação não passa pela P&D e sim pela aquisição de equipamento (o que provavelmente explique a tendência observada de diminuição de sua receita destinada à P&D); estimulando as empresas a se relacionarem com a universidade quando as pouquíssimas que o fazem afirmam que isso não lhes interessa muito...

Não vou me referir ao vértice Universidade. Primeiro, porque já o tenho feito em outras oportunidades e porque nós bem sabemos dos seus defeitos. Segundo, porque eles só poderão ser amenizados e transformados em qualidades caso um novo vértice, que tensione a PCT e a agenda da pesquisa universitária pela via da policy e da politcs seja introduzido no seu modelo cognitivo. O “Quadrado do Dagnino” (e vale o duplo sentido para os que o considerarão retrógrado) pretende “introduzir” no triângulo da PCT o vértice dos Movimentos Sociais.

Pretende fazer com que dela participe esse ator que com cada vez maior força vem colocando sua agenda em outras políticas públicas menos controladas pelos seus atores dominantes e que ainda não dispõem de um substrato cognitivo adequado; que é um portador do futuro igualitário que se quer construir; e que possui necessidades insatisfeitas que, estas sim, ao contrário daquelas poucas colocadas pelas empresas, contêm desafios tecnocientíficos capazes de mobilizar nosso potencial – tangível e intangível – de C&T.

Pretende fazer que dela participem os que, cada vez mais excluídos, seguem financiando a produção de um conhecimento crescentemente orientado para as empresas que hoje não absorve nem a metade da nossa População Economicamente Ativa.

Os presentes à sessão a que me refiro concordaram que o atual governo foi o primeiro a desenvolver ações no sentido do desenvolvimento de tecnologia para a inclusão social. Mas, que a julgar pela parcela dos recursos do PAC da C&T a ele destinado – apenas 2% do total – muito mais deve (e poderia) ser feito.

Discutiu-se também a necessidade de contar com instrumentos e arranjos institucionais para viabilizar o atendimento das demandas cognitivas dos Movimentos Sociais e implementar o “Quadrado do Dagnino”. Citou-se, entre elas, o Instituto Nacional de Inovação Social cuja proposta, enviada pela Unicamp ao CNPq no âmbito de recente Edital, está sendo reconsiderada pela comissão responsável.

 

 
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