Momentos
de Pânico
Diretor do STU foi seqüestrado no campus
e ameaçado de morte por dois assaltantes
J
oão Batista de Moraes Moreira, funcionário do
Ins
tituto de Física, jamais vai esquecer daquela tarde
de janeiro deste ano. Hemocentro, 13h30. Como fa
zia todos os dias, o diretor de Finanças do Sindicato
dos Trabalhadores da Unicamp (STU), foi pegar sua mulher para
almoçar. Ao desligar o celular usado para falar com a
companheira, foi abordado em seu carro, por dois assaltantes,
um em cada janela. Falaram para ele ficar tranqüilo, anunciaram
o seqüestro e dispararam o alerta do terror: à menor
reação, Moreira seria morto. O sindicalista foi
jogado no banco traseiro do carro, sob a arma de um dos ladrões.
Os
assaltantes saíram pela guarita que dá acesso
à PUC-Campinas. Tiveram o trabalho facilitado por dois
motivos: o vigilante estava de costas para os carros e a câmera
instalada no local permaneceu desligada naquele dia. Em seguida,
pegaram a Rodovia Dom Pedro I, entraram no Shopping Galleria
e foram direto ao Caixa 24 Horas, onde sacaram R$ 300 e ainda
fizeram um empréstimo de R$ 500 em nome de Moreira. A
tortura da vítima estava apenas começando.
Os
ladrões falaram que iam me amordaçar e me jogar
no Rio Atibaia. Foram até o pedágio da Rodovia
Campinas-Mogi Mirim, onde entraram numa estrada vicinal que
dá numa ponte de madeira sobre o rio. Desistiram de me
jogar porque apareceram uns pescadores, relata o servidor.
Em seguida, voltaram as ameaças. Um dos assaltantes queria
matá-lo com três tiros. O motorista, que
estava mais sóbrio, viu, pelo retrovisor, caminhões
que fugiam do pedágio e fez o colega desistir.
Deram meia-volta, dispensaram os pertences do sindicalista no
mato, o liberaram e ficaram com o carro um Pálio,
nunca encontrado - e toda a documentação. Moreira
andou a pé até a rodovia, onde conseguiu uma carona
até o sindicato.
A história ilustra a terra de ninguém em que havia
se transformado a área de saúde da Unicamp antes
das medidas de combate à violência na região
(leia matéria na página 12). O próprio
Moreira conta que soube de três seqüestros ocorridos
no mesmo lugar onde ele fora abordado pelos assaltantes.
O
diretor do STU questiona o sistema da segurança da Unicamp.
Esse modelo de cercar o campus e colocar câmera
não funciona. E o mais grave é terceirizar a segurança
que, a meu ver, é o pecado capital, avalia João,
para quem o profissional contratado não conhece as pessoas
e não consegue deter assaltantes. Segundo ele, um problema
agravado pelos serviços de atendimento ao público
em geral e pelas manifestações comuns na universidade.
Elas não podem ser censuradas.
João
considera que o modelo de policiamento ostensivo também
é anacrônico, não servindo sequer
para Campinas. Acha que o cidadão não estará
mais seguro com o fato de o policial estar com granada
na cintura e metralhadora. Para ele, isso não é
indicativo de segurança, mas sim um fator fomentador
do pânico.
O sindicalista cita também uma teoria, que segundo ele
corre por aí, de que a chegada dos verdinhos
[detentos do Presídio Ataliba Nogueira que cumprem programa
de reeducação na Unicamp] coincidiu com o recrudescimento
da violência no campus. Logo se explica. Não
que o STU seja contra os verdinhos, mas do jeito
que está, não é reeducação
de presos. Isso é uma terceirização disfarçada,
porque o sujeito trabalha aqui com um salário muito in-ferior
ao de um funcionário de carreira e, no final do dia,
ainda vai dormir na prisão, que é um regime de
semi-escravidão.
O
sindicalista acredita que precisaria haver um acompanhamento
das capacidades individuais do detento. Do jeito que está,
trata-se de um modelo duvidoso. Eles precisariam ser avaliados
na sua individualidade. Isso não é recuperação
social. Em seguida, dispara: Tem muita gente que
fica assustada com a presença dos verdinhos
no campus. Chega a ser até motivo de pânico na
comunidade universitária, embora haja um certo preconceito
nisso.
Para
Moreira, os projetos da administração geram controvérsias
porque são elaborados de uma maneira unilateral, que
prioriza a terceirização e, conseqüentemente,
a redução dos custos. O sindicalista também
vê como negativa a presença da Polícia Militar
no campus. Se tiver treinamento adequado do corpo de vigilância,
a presença da PM é dispensável. Acho inclusive
que a Unicamp tem a responsabilidade de elaborar uma coisa nova
no campo da segurança, que pudesse ser implantado nas
metrópoles.
Segundo
ele, a Unicamp está trilhando o caminho inverso, ao trazer
para a universidade modelos que, na sua opinião, são
comprovadamente ineficazes. A vigilância deveria
ser feita por funcionários concursados, com estabilidade.
Truculência e blindado não vão levar a nada.
O exemplo da polícia inglesa, para mim, é emblemático.
Fica comprovado que não é preciso andar armado.
O grande problema da universidade é essa dicotomia entre
liberdade e repressão. Você tem que dar um ambiente
seguro, mas ao mesmo tempo respeitar a autonomia universitária
e as particularidades da vida acadêmica, finaliza.
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VIOLÊNCIA
NO CAMPUS*
A
violência tem-se propagado de forma assustadora
na sociedade brasileira nos últimos anos, como
resultado da ausência de uma política so-cial
que leve em conta as necessidades e interesses do conjunto
da população. As conseqüências
mais visíveis e dramáticas dessa situação
se traduzem no desemprego crescente, na falta de moradia,
em um sistema educacional deficiente e na falta de perspectivas
para a juventude. Como não poderia deixar de acontecer,
a violência está presente no campus e converte-se
em um problema não apenas para a Administração
da Universidade, como para toda a comunidade.
Não
podemos prescindir da adoção de medidas
que garantam segurança a docentes, funcionários,
alunos e demais pessoas que freqüentam cotidianamente
a Unicamp. Pela constante troca de pessoal, suspeitamos
da eficiência da segurança terceirizada que
faz a guarda permanente do campus e a fiscalização
das guaritas, bem como das vantagens, em termos de custos,
que esse tipo de contrato representa para a Instituição.
Ao mesmo tempo, as rondas diárias da PM, medida
adotada pela Reitoria nos últimos meses, têm
gerado situações de conflito com membros
da comunidade universitária, uma vez que se trata
de uma corporação treinada de maneira inadequada
às nossas peculiaridades.
Por
essas razões, defendemos a elaboração
de um Plano de Segurança que resulte de uma ampla
discussão, envolvendo diretamente os três
segmentos da universidade (docentes, funcionários
e alunos), que contemple as especificidades da Instituição
e respeite a autonomia universitária.
*Texto
elaborado pela Associação de Docentes da
Unicamp (Adunicamp) para o Jornal da Unicamp
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Investir
em funcionários
Paulo
Eduardo de Lima Gouveia (à esquerda), que acaba
de deixar o cargo de coordenador do Diretório Central
dos Estudantes (DCE), critica, na entrevista que segue,
a terceirização dos serviços de segurança
da Unicamp
Jornal
da Unicamp Como você vê a questão
da violência?
Paulo Eduardo de Lima - Acho que a questão da violência
e do aumento da criminalidade, de um modo geral, tem que ser
abordada de duas formas. Primeiro: na universidade, ela reflete
o que acontece fora. Não se fica impune a 10 anos de
governo neoliberal com sucateamento dos serviços
públicos, dos próprios serviços de segurança,
dos salários dos policiais, enfim, com o sucateamento
da própria universidade. O aumento da violência
é decorrência do desemprego, da falta de expectativa
e de esperança num futuro melhor. Isso é um elemento
e inevitavelmente reflete na universidade. E aí vem a
primeira crítica que a gente faz à universidade:
nesses 10 anos, ela não foi capaz de exercer seu papel
de crítica à sociedade, de crítica ao que
vinha sendo feito. De uma certa forma, todo o processo foi implementado
com quadros dirigentes da própria universidade - ela
é cúmplice, tem uma responsabilidade enorme. E
isso precisa ser dito.
Você
poderia explicar?
Essas medidas neoliberais também predominaram nas universidades.
E, no caso da segurança, tem um fato que é decisivo:
a terceirização dos serviços. Terceirização
já é algo extremamente complicado, ainda mais
na segurança, porque você coloca o controle da
segurança da universidade na mão de uma empresa
privada. Além disso, você tem uma série
de agravantes como, por exemplo, o fato de ser desprezado um
funcionário da universidade, que tem um vínculo
com ela, que passou por um concurso; nesse caso, não
existe essa rotatividade absurda. Não dá para
descolar a questão do aumento da violência no campus
com a questão da terceirização dos serviços
de segurança. Não vou dizer que é um único
elemento, mas é decisivo. Ao aumentar a segurança
terceirizada, de uma certa forma, você está reproduzindo
o problema.
Qual,
a seu ver, seria o modelo a ser adotado?
Essa discussão sobre violência e segurança
no campus caminha para o aumento do aparelho repressor e, além
disso, com cerceamento do livre acesso dentro da universidade.
É cerca, é catraca, é porta eletrônica...
Acho isso muito equivocado. Porque quem faz assalto entra pela
guarita, com seu carro, não sai nadando pelo lago. Quando
a universidade se fecha para a sociedade, ela reproduz uma lógica
que deveria combater. É uma lógica que está
na raiz de todo o problema da falta de segurança e da
criminalidade. E o exemplo mais drástico disso é
a presença da PM aqui. É evidente que a universidade
tem que ter sua segurança, contratada, bem paga, bem
treinada. Isso é uma coisa. Outra coisa é você
ter PM que faz ronda curiosamente em locais escolhidos de forma
pouco criteriosa, como, por exemplo, na Rádio Muda, no
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), cerceando
grupos de alunos de se reunirem. Acho esse tipo de coisa, esse
cerceamento, extremamente lamentável. Isso tudo desembocou
no incidente ocorrido no IFCH [discussão entre professores
e dois policiais militares], que foi lamentável, onde
a prefeitura do campus teve uma postura irresponsável,
que inclusive é contra toda a tradição
da Unicamp. Essa universidade já teve um reitor que dizia
: dos meus comunistas, cuido eu. Essa tradição,
uma das coisas boas da Unicamp, está sendo quebrada.
Existe
um procedimento que foi atropelado porque de repente as pessoas
começaram a trombar com viaturas dentro do campus. Isso
já em si um abuso do poder da prefeitura do campus e
da administração.
Qual
seria, então, o procedimento?
Era preciso discutir com a comunidade, a exemplo da cerca e
de outras medidas de segurança colocadas como emergenciais.
Concordo que é preciso que haja um corpo de segurança
na universidade, que seja responsável pela manutenção
do patrimônio da universidade e pela integridade física
das pessoas que aqui circulam. Só não consigo
ver onde a PM faz melhor essa função do que a
segurança. Um policial militar não conhece o espaço
em que está trabalhando, uma vantagem que a segurança
tem. Ela conhece os espaços, os servidores são
conhecidos pelo nome. Existe uma relação de cumplicidade
com o funcionário da universidade, de vínculo.
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