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Uma nova ordem mundial em questão
Dos escombros das torres brotaram manifestações xenófobas, que terão forte impacto nos fluxos migratórios, agravando as tensões sociais

PAULO C. NASCIMENTO

Os ataques do último dia 11 de setembro, quando aviões atingiram as torres do World Trade Center, em Nova Iorque, e o Pentágono, em Washington, não só derrubaram os edifícios como provocaram fissuras nos pilares do respeito aos direitos individuais que sustentam o sistema democrático dos EUA. Junto com a fumaça que brotava dos escombros dos prédios pulverizados afloraram manifestações xenófobas e o apoio popular a iniciativas governamentais para restringir a liberdade de estrangeiros em nome da segurança nacional. O argumento: podem ser terroristas em potencial. O mesmo pesadelo também está contribuindo para o fortalecimento da ultradireita em países da Europa. Para nacionalistas extremistas, o crescente ingresso de estrangeiros no continente nos últimos anos assemelha-se mais a uma invasão do que propriamente a um processo migratório. Estaria na hora, portanto, de fechar as portas aos imigrantes.

O provável recrudescimento dessas tendências restritivas terá, contudo, sérios impactos nos fluxos migratórios e poderá agravar ainda mais as tensões sociais, advertiram os participantes do seminário “Uma Nova Ordem Mundial em Questão e as Migrações Internacionais”, realizado em 22 de novembro na Unicamp. Promovido pelo Núcleo de Estudos de População (Nepo), em parceria com a Comissão Nacional de População e Desenvolvimento (CNPD) e Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep), o encontro permitiu refletir os desdobramentos geopolíticos dos atentados nos EUA e suas conseqüências nas liberdades individuais e nas migrações.

“Transfusão populacional”
A professora Elza Berquó, presidente da CNPD, órgão do governo federal, lembrou que medidas restritivas afetam o processo de “transfusão populacional”, necessário para atenuar o declínio e o envelhecimento da população do bloco de países com economias desenvolvidas afetados por contínuas taxas de fecundidade abaixo do nível de reposição e pelo aumento da longevidade.

Embora a migração de reposição seja um processo para satisfazer requisitos específicos – ou seja, trata-se de uma migração internacional seletiva, de migrantes documentados em idades mais produtivas e com as habilidades de que precisa o país receptor –, as pressões migratórias também levam grandes contingentes não possuidores daqueles requisitos a se arriscarem a entrar de forma irregular nos países desenvolvidos, empurrados por dificuldades de trabalho e emprego em seus países de origem.

Documentados ou não, os migrantes, conforme observou a pesquisadora, freqüentemente enfrentam reações negativas das populações locais na forma de etnocentrismo, xenofobismo e racismo, a despeito de vários documentos internacionais que instam governos a respeitar a dignidade e os direitos humanos de todos os migrantes.

Essas reações, contudo, se exacerbaram após 11 de setembro, salientou Mary Garcia Castro, coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Migrações Internacionais da CNPD e Unesco, resultando em sérias ameaças às liberdades individuais e em um violento controle sobre os migrantes.

Para ela, há uma preocupante ambigüidade entre os discursos dos direitos humanos e a adoção de medidas que desrespeitam os direitos dos migrantes sob o pretexto da segurança nacional.

Desigualdades
Na opinião dos participantes do seminário, a tragédia também trouxe à tona a clara percepção de que não é possível sustentar por longo tempo uma ordem mundial na qual poucos países centrais enriquecem, enquanto os demais enfrentam processos contínuos de empobrecimento. Por isso, o momento é extremamente oportuno ao estabelecimento de uma nova ordem mundial baseada, finalmente, na relação mais justa entre nações ricas e pobres.

Maria Aparecida de Aquino, professora do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP), argumentou que a ordem internacional caracterizada como globalização apenas aprofundou desigualdades e agravou distorções internacionais pela liberalização geral dos mercados.

Segundo ela, sinais de inconformismo com esse desequilíbrio vinham se manifestando, “algumas vezes de maneira surda, outras mais velada”, de tal forma que as conseqüências não eram de todo imprevisíveis.

Não se pode ignorar também que os EUA, com sua política para o Oriente Médio, seu comportamento unilateral perante acordos internacionais e sua postura isolacionista pouco contribuem para reduzir o nível de tensão mundial. Na verdade, observaram os participantes do encontro, os ataques do dia 11 de setembro forçaram os norte-americanos, de maneira apocalíptica, a fazer parte de um mundo do qual julgavam estar a salvo.

Conforme Renato Ortiz, professor do Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, se os EUA querem realmente combater o que consideram terrorismo, devem aproveitar essa trágica oportunidade e rever seus conceitos e se unir aos esforços internacionais para punir legalmente esse tipo de crime. Uma guerra é uma estratégia que apenas reduz os problemas à simples questão militar, e não traz uma solução de longo prazo.

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170 milhões vivem fora de seus países

Estimativas do Banco Mundial revelam que cerca de 170 milhões de pessoas vivem fora de seus países de nascimento, o que corresponde a 3% da população mundial. Esse contingente responde pelo envio de remessas anuais na casa dos U$ 70 bilhões aos seus países de origem. Em 20 anos a população mundial refugiada saltou de 2,4 milhões de pessoas para 19,4 milhões.

Segundo estudo publicado na obra Migrações Internacionais – Contribuições para Políticas, lançada durante o encontro na Unicamp, aproximadamente 1,5 milhão de brasileiros vivem no exterior. EUA, com 750 mil, Paraguai (350 mil) e Japão (250 mil) são os principais países de destino, de acordo com dados fornecidos pelo Censo dos Brasileiros no Exterior do Ministério das Relações Exteriores. Itália, Alemanha, Portugal, Uruguai e Argentina aparecem em seguida na preferência.

No outro extremo, o Brasil abriga hoje um milhão de estrangeiros. A imigração no país começou com os portugueses, no processo de colonização. Posteriormente, com o desenvolvimento da lavoura, principalmente para exportação, houve a imigração forçada de africanos que chegaram como escravos. Com o fim da escravidão, tornou-se necessária a vinda de imigrantes para suprir a necessidade de mão-de-obra para as pequenas propriedades, e nesse contexto chegaram italianos, alemães e japoneses.

Rosana Baeninger, pesquisadora do Nepo e uma das autoras do estudo, explica que o Brasil configura seu perfil de receptor populacional na América Latina nos anos 90, com o aumento do fluxo de ingresso de peruanos, chilenos e bolivianos, que não era significativo até os anos 70. Segundo ela, cresceram também no período os fluxos de estrangeiros vindos da Argentina, Paraguai, Venezuela, Uruguai e Colômbia.

Mais recentemente, também foi possível identificar fluxos internacionais que começam a ganhar maior expressão no Brasil, como aqueles com origem na África – República da África do Sul, Angola, Marrocos, Nigéria, bem como os asiáticos vindos da China Continental, Coréia do Sul, Filipinas e Japão.

Desde 1997 a afluência de estrangeiros ao território nacional tem por objetivo principalmente a execução de trabalhos sazonais, geralmente vinculados à instalação de empresas multinacionais, à reestruturação daquelas que foram privatizadas, ao lançamento de projetos mundiais e ao desenvolvimento de estratégias comerciais regionais.

Segundo Sadi Assis Ribeiro Filho, da Coordenação Geral de Imigração do Ministério do Trabalho e Emprego, o Brasil deverá terminar o ano de 2001 com um número de trabalhadores estrangeiros 20% superior aos 17 mil técnicos ingressantes no ano passado. Ele informou que nos últimos quatro anos se inseriram no mercado de trabalho qualificado brasileiro 40 mil estrangeiros, oriundos dos EUA, Inglaterra, França, Argentina e Alemanha.

 


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