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Comida de astronauta
Simpósio na Unicamp discute o que vamos consumir no século 21

CARLOS TIDEI

A indústria de alimentos no século 21 deve tornar realidade a ficção científica, onde astronautas se alimentam de pastas de nutrientes concentrados. A tendência é agregar valores funcionais aos produtos, buscando a segurança alimentar e a melhoria de nutrientes e do funcionamento do organismo humano. Esse tema dominou os debates durante o IV Simpósio Latino-Americano de Ciência de Alimentos, realizado na Unicamp entre 12 e 15 de novembro.

São considerados alimentos funcionais aqueles que possuem aparência similar aos comuns, mas que agregam benefícios, reduzem riscos no consumo ou trazem aspectos medicinais.
Peter J. H. Jones, da McGill University, do Canadá, afirma que a evolução da ciência e tecnologia dos alimentos atende a um leque de interesses: dos consumidores, indústria, cientistas e comunidade acadêmica, vigilância de mercado e agências reguladoras.

Entre os exemplos mais evidentes deste avanço da tecnologia e de mudanças nos hábitos de consumo em direção aos alimentos funcionais, estão as fibras que agem como reguladoras do intestino; a proteína de soja, que reduz o colesterol e o risco de infarto; o Omega 3, que previne cânceres de cólon e próstata, reumatismo e diabetes; margarinas com óleos polinsaturados, que desentopem as artérias; e alimentos com valor nutritivo agregado, como bactérias alimentares presentes em iogurtes, leites fermentados e vegetais com lactobacilos.

A aceitação do consumidor, cada vez mais exigente, depende da comprovação da eficácia e de garantia pelas agências reguladoras. “Pesam a favor dos alimentos funcionais o consenso quanto à eficácia, a aprovação dos órgãos oficiais e o interesse público por uma alimentação. Contra essa tendência temos a expectativa frustrada por resultados milagrosos, a falta de um sistema regulador mais eficiente e a economia global recessiva, que exclui muitos países do acesso aos bens de consumo”, avalia Jones.

Revolução – Para Gláucia Maria Pastore, diretora da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, existe uma revolução silenciosa nos processos que as indústrias estão preparando. “Muitas vezes, nós pesquisadores nos preocupamos em mostrar o aspecto cientifico do que fazemos, deixando de pontuar a relação do nosso trabalho com sua aplicação na indústria de alimentos”, observa. Segundo Gláucia, ao lado de tecnologias e equipamentos cada vez mais precisos, está havendo uma grande preocupação da população com os alimentos que ingere e com os benefícios à saúde que esses produtos realmente proporcionam. A preocupação do consumidor, segundo a professora, se estende à ecologia. “Hoje é impossível a indústria manter processos danosos ao meio ambiente”, acredita.

A biotransformação não é assunto novo. Desde 6.000 anos antes de Cristo, a Babilônia já fabricava cerveja e os egípcios usavam levedura para fazer pão. “A fermentação é apenas uma das etapas catalíticas da biotransformação”, explica a diretora da FEA. A transformação do substrato, enzimas ou células, pode ocorrer em várias etapas. O vinagre é um exemplo de processo de biotransformação bastante comum. Na transformação enzimática, organismos sintetizam várias enzimas que agem em diversas etapas.

As tecnologias estão avançando de forma acelerada, com ações cada vez mais específicas, que em geral as reações químicas não trazem por causa de sua especificidade. “Estamos aprendendo com a indústria farmacêutica, que é pioneira no processo de biotransformação. Resta-nos, agora, saber como os processos específicos e com menos efeito colateral acontecem”.

Aromas – Os aromas podem fazer com que substâncias de baixo valor econômico sejam requisitadas no mercado mundial. O Brasil é riquíssimo em produtos agrícolas, que são mal aproveitados. Gláucia Pastore afirma que os programas governamentais ignoram a tecnologia e a biotranformação dos resíduos de alimentos e que o país não processa nem para mercado interno, nem para sanar bolsões de fome e muito menos para exportação. “Toda vez em que se fala do setor de alimentos no Brasil, as pessoas vêm com a idéia do agronegócio, esquecendo a agrotecnologia. E ficamos com enormes perdas de produtos agrícolas mal aproveitados, como a soja, da qual somos o maior produtor e exportamos apenas o grão”, critica. “E pagamos quase 25 vezes o custo inicial do Albran, que nada mais é que farelo de trigo”.

Outro exemplo é a transesterificação de sementes oleaginosas, óleos obtidos a baixo custo que poderiam ser transformados em produtos importantes para a saúde e nutrição. É o caso do óleo de peixe, que o país exporta em quantidades enormes como matéria-prima.

Gláucia informa ainda que a indústria estrangeira transforma material extraído do bagaço de frutas cítricas – o limoneno, jogado fora – em aromas de alto valor agregado, convertido por microorganismos. “A indústria química alemã importava do Brasil toda a casca da laranja de onde se extraiu o suco, por preços irrisórios, praticamente residuais. Existe uma biodiversidade enorme de microorganismos que podem ser utilizados e devemos pesquisá-los”.

Antibióticos – Também podem ser alvos da biotransformação as ciclodestrinas extraídas do amido, utilizadas em antibióticos de última geração, de extrema simplicidade de obtenção e cujo tipo de molécula é interessante para a indústria em várias aplicações. Outra transformação bastante realizada é a da lactose por ação da enzima lactase, obtendo-se galactose e glicose. São substâncias destinadas a pessoas com intolerância a lactose. Esta conversão pode ser feita no caminho inverso, usando-se a mesma enzima lactase para formar lactose da galactose, que por sua vez é muito importante para crianças com deficiência de cálcio. “Jogamos muito soro de leite fora, desperdiçando um material rico em nutrientes que poderia complementar a nutrição da população”, lamenta a diretora da FEA.

 


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