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Aumenta a adesão a tratamento
de vítimas de violência sexual
Tese mostra que protocolo desenvolvido na Unicamp
foi importante para mudança de quadro

Ter assumido como causa defender a saúde da mulher que sofre violência sexual não foi uma opção exclusiva do ginecologista Carlos Tadayuki Oshikata. Muitas vozes se somaram à dele, e o assunto tomou proporções nacionais na década de 1990 com o apoio institucional da Unicamp. A ideia era mudar o quadro do que ocorria com a violência sexual em 2003, quando apenas 30% das mulheres aderiam ao tratamento médico preconizado no serviço público da Universidade. A proposta era de que o seguimento ambulatorial fosse feito no mínimo por seis meses, com avaliação médica, psicológica e social a cada 15, 30, 45, 90 e 180 dias. Em 2008, esse panorama mudou e a adesão aumentou para 70%, sendo que as mulheres foram as que mais sofreram violência sexual na macrorregião de Campinas, onde há um predomínio de jovens e brancas entre a população. O aumento desses índices deveu-se em muito à elaboração do protocolo de atendimento desenvolvido no Hospital da Mulher “Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti” (Caism).

O resultado foi divulgado há pouco na Revista Cadernos de Saúde Pública, da Fiocruz, indexada com nível A, como fruto da tese de doutorado de Tadayuki, defendida recentemente na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) sob orientação do ginecologista Aloísio José Bedone. O trabalho do pesquisador averiguou um aumento das denúncias por essas mulheres, que ora procuram mais ajuda tanto do serviço médico quanto da delegacia. Buscando serem mais informadas, elas hoje conhecem melhor a lei e sabem da existência de um serviço que as apoia.

Os casos atendidos no Caism são de mulheres vítimas da violência urbana. Infelizmente, as mulheres que sofrem violência doméstica procuram pouco o serviço. O agressor nesse caso, particulariza Tadayuki, não procura uma pessoa bonita. “Qualquer mulher é vítima em potencial – bonita, feia, idosa ou jovem. Se tem a chance, ele age pela oportunidade, agredindo aquelas de dois, três, dez, 50 ou 70 anos.” Os agressores têm um perfil hostil às mulheres e não necessariamente uma vontade sexual; ao agredi-las e violentá-las, eles querem demonstrar o poder de gênero e expressam seus sentimentos de raiva e vingança contra elas.

O Caism atende somente mulheres após a puberdade. Antes dessa faixa, o atendimento é feito pela pediatria. A motivação para se criar um ambulatório de atendimento a mulheres vítimas de violência sexual e um centro de referência regional partiu da constatação de que os médicos não tinham formação técnica e principalmente emocional para lidar com essas pacientes. “A mulher precisa, inicialmente, de um profissional que a acolha emocionalmente e inspire confiança. Somente após esta etapa é que se deve tratá-la técnica e clinicamente.”

Tadayuki começou a estudar a fundo a violência sexual. Apesar de verificar na literatura que ela era praticada por conhecidos, em sua tese mais de 80% das mulheres eram vítimas de violência sexual com pessoas desconhecidas. “Raras foram as pacientes estupradas no ambiente doméstico”, conta. Isso vinha na contramão dos ‘consensos’. “Ficou evidente que eram vítimas da ‘violência urbana’, termo adotado para se referir à rendição da mulher no ponto de ônibus, caixa eletrônico, vindo da escola ou andando sozinha na rua à noite, depois das 18 horas”.

Abordagem

O pesquisador analisou mais de 1.200 pacientes no Ambulatório de 1999 a 2009, num cenário que desvelou dez anos das agressões. Os critérios estudados foram inseridos em 642 fichas no doutorado (o mestrado foi concluído em 2003 com um grupo de 166 mulheres). Percebeu que quando a mulher, em seu primeiro atendimento, via que não tinha adquirido Aids e nem tinha engravidado, interrompia o tratamento.

Segundo especialistas, toda mulher que sofre violência sexual passa em média dois anos com algum problema psicológico, sendo os mais comuns os flashes, relembrando o cheiro, a voz e o tipo do agressor. “Se nesse tempo não consegue recuperar-se do trauma, há a tendência de se prostituir, pois ela entra num quadro de autodeleção, ou seja, quer se prejudicar. E, como grande parte das prostitutas foram violentadas em casa, se voltam contra a família”, informa o médico. Outra possibilidade, se não se recuperar com psicoterapia, é cometer o suicídio ou partir para o alcoolismo e para as drogas.

Esse é o fim de muitas que não se submeteram ao tratamento indicado no Ambulatório, onde atua uma equipe multidisciplinar composta de médico, enfermeiro, psicólogo e assistente social. Recentemente, vendo muitos problemas de pós-violência, foi incluída no grupo a psiquiatra Renata Azevedo. Criou-se expertise no atendimento, em sua concepção mais ampla. O Ambulatório é hoje o segundo do gênero no país (o Hospital “Pérola Byington”, em São Paulo, foi o primeiro).

A psicóloga Maria José Lopes de Souza, que começou a atender um caso no Ambulatório de Ginecologia do Caism em 1994, ainda do SOS Ação-Família, revela que os maiores danos emocionais das vítimas são os transtornos pós-traumáticos e desorganizadores em sua vida, que podem ser insônia, embotamento (dificuldade de expressar emoções e sentimentos), ideação suicida, afastamento do trabalho e mudanças no comportamento sexual.

A vítima, prossegue Maria José, pode apresentar depressão, pesadelos e dificuldade de ficar sozinha. É vital no momento traumático o acolhimento da equipe. A escuta, o acolhimento aos seus sentimentos incondicionalmente e a proposta de acompanhá-la, entendendo e esclarecendo que o tempo será valioso para a sua recuperação, são pontos primordiais para que esta mulher sinta-se em condições de fazer os retornos necessários.

Em 2010, houve um importante avanço no acompanhamento psicológico, pois então quando se falava em psicólogo e em psiquiatra ainda existia um estigma contra estes profissionais. As mulheres agora encaram melhor o tratamento. Outro ponto que favoreceu o contexto foi que elas passaram a conhecer melhor os trabalhos feitos no Caism em conjunto com a polícia e com outros setores de saúde.

O motivo das poucas denúncias era que a mulher tinha medo da exposição e do agressor, quando conhecido, pelas ameaças de que ia voltar. Algo que contribuía para isso era o tipo de atendimento nas delegacias. As vítimas ficavam na mesma fila dos infratores, comenta Tadayuki. Com a sensibilização da polícia, a própria delegacia mudou a sua abordagem.

De outra via, muito vigorava a obrigatoriedade de fazer o Boletim de Ocorrência (BO). O policial levava o paciente para a delegacia e depois dizia para procurar o médico. “Mudamos o roteiro. Este atendimento é diferenciado e fora do circuito da violência. A polícia agora vai à Unicamp. Depois é orientada a fazer o BO, dali a dois ou três dias”, realça o médico. O primeiro cuidado que as mulheres devem ter, aconselha, é com a exposição. Mas há ainda o tipo de agressor que não usa a oportunidade e sim uma situação para conseguir benefício sexual. Emprega bebidas alcoólicas e entorpecentes e, quando a mulher acorda, já foi violentada. “Os estudos mostram que jovens, usuárias de drogas e álcool e mulheres com múltiplos relacionamentos são as principais vítimas.”



Serviço já atendeu 2 mil mulheres

O protocolo do Ambulatório de Atendimento às Mulheres Vítimas de Violência Sexual do Caism colaborou muito para a assistência. Os profissionais de saúde ministraram palestras em quase todos os Estados e territórios brasileiros. Desde que niciou o atendimento, o serviço ofereceu atenção a cerca de 2 mil mulheres – de 15 a 20 casos novos por mês. Ele acontece sempre às quintas-feiras à tarde.

Além do protocolo, a própria legislação brasileira deu suporte à mulher com o advento da Lei ‘Maria da Penha’, que faz alusão a uma bióloga que foi vítima de violência e que lutou 20 anos por seus direitos. Essa lei foi promulgada em 2006 e criou um mecanismo coibindo a violência exual familiar e obrigando o Estado a tomar medidas preventivas. Com sso, desburocratizou-se o juizado na aplicação da lei, prendendo mais facilmente o agressor.

O médico acredita que é preciso ensinar o termo violência sexual já nas escolas. A violência, define o ginecologista, é a prática do ato sexual sem o consentimento da outra pessoa, seja por verbalização, físico, intimidação, coerção ou chantagem. “É necessário investir em políticas públicas, aumentando as pesquisas mais sob o aspecto preventivo. Ocorre que, mesmo crescendo as denúncias, infelizmente 80% das mulheres ainda não a formalizam e nem pedem ajuda.”

O atendimento dessa mulher na Unicamp inicia mediante avaliação médica do pronto-socorrista através de exame ginecológico. Não raro, as mulheres chegam com lesões graves, e nestas situações, deixa-se então de ver de pronto a parte ginecológica para resguardar a sua vida. Dependendo da gravidade física ou emocional, ela permanece internada; caso contrário, ela é orientada a fazer o seguimento ambulatorial. No atendimento de urgência, além da avaliação clínica e psicológica, ela recebe a anticoncepção de emergência: o coquetel contra Aids e DST (doença sexualmente transmissível). Na alta, ela é orientada a retornar em 15 dias, 30, 45, 90 e 180 dias.

No seguimento ambulatorial, são colhidos exames de sorologia para HIV, hepatite B e C, e DST. No Ambulatório do Caism, inclusive é possível fazer o aborto legal, em decorrência de estupro, desde que haja suporte nos dados referidos pela mulher e a confirmação clínica e ultrassonográfica da idade da gestação. A maioria das mulheres opta pelo aborto, sendo um divisor de águas os cinco primeiros meses da gravidez (20 semanas). “A lei permite o aborto em qualquer fase, porém isso não ocorre devido ao risco materno”, afirma Tadayuki.

No mestrado, em 2003, o pesquisador notou que as mulheres estupradas eram da periferia e chegavam ao hospital encaminhadas pelos postos de saúde e pela polícia. Ainda que não sendo pego de surpresa com esse resultado, ele discorda que esta visão corresponda totalmente à realidade. “Sem dúvida, as condições socioeconômicas estão envolvidas na maior exposição da mulher à violência, mas as classes privilegiadas também sofrem desse mal, contudo elas também não procuram ajuda médica, não denunciam e raramente procuram um serviço público, o que é um equívoco, pois somente no Caism elas terão acesso, em tempo hábil, ao coquetel antiAids e a outras medicações, que não são vendidas em farmácias.”

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■ Publicação

Artigo
Oshitaka, C.T.; Bedone, A.J.; Papa, M.S.F.; Santos, G.B.; Pinheiro, C.D.; Kalies, A.H. Características das mulheres violentadas sexualmente e da adesão ao seguimento ambulatorial: tendências observadas ao longo dos anos em um serviço de referência em Campinas, São Paulo, Brasil. Cad. Saúde Pública, 27 (4):701-13, 2011.
Tese: “Avaliação da adesão e das características da agressão a mulheres vítimas de violência sexual durante o acompanhamento ambulatorial de seis meses: tendências observadas de 2000 a 2006”
Autor: Carlos Tadayuki Oshikata
Orientador: Aloísio José Bedone
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)


 
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