Untitled Document
PORTAL UNICAMP
4
AGENDA UNICAMP
3
VERSÃO PDF
2
EDIÇÕES ANTERIORES
1
 
Untitled Document
 


Futebol e Estado, a necessária interdependência

Heloisa Reis

Confronto entre torcedores e policiais no Pacaembu: para Heloisa Reis, formulação da política brasileira de controle da violência no futebol tem avançado em ritmo lento e com interrupções (Foto: Ari Ferreira)Em meados dos anos 80, os graves eventos de violência relacionados ao futebol ocorridos na Europa despertaram as autoridades locais para a necessidade de tratar o problema de maneira séria e consequente. A iniciativa, levada a cabo de forma coordenada, envolveu instituições públicas, governantes e organismos da sociedade civil dos estados-nações do bloco. No Brasil não deveria ser diferente.

Inicialmente, em 1985, os europeus promoveram o diagnóstico minucioso do problema, em razão da tragédia de Heysel, na qual morreram 42 pessoas vítimas de pisoteamento e esmagamento dentro do estádio. A seguir, propuseram o “Tratado Europeu sobre a violência e o mau comportamento em espetáculos esportivos”, documento que ficou conhecido como ETS 120. Os 41 países signatários tiveram que elaborar políticas públicas para o atendimento do acordo internacional, que contemplou medidas como modernização dos estádios, criação de comissões para o acompanhamento das medidas de prevenção da violência e adequação das leis para a punição dos responsáveis por distúrbios ou violência causados em espetáculos futebolísticos.

No Brasil, os casos de violência brutal em dias de jogos de futebol, particularmente em grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, ganharam proporção a partir de 1991. Entretanto, somente em 2003 o país iniciou a elaboração de uma política pública em âmbito federal voltada ao controle do fenômeno. Anteriormente, foram feitas tentativas muito tímidas de discussão do tema. Tudo indica que os políticos não estavam interessados e nem atentos à dimensão do problema. Prova disso é que em maio de 1995, antes mesmo da tragédia do Pacaembu, ocorrida em agosto do mesmo ano, tramitava na Câmara dos Deputados um projeto de lei de autoria do deputado Arlindo Chinaglia que propunha medidas bastante avançadas para a organização de espetáculos esportivos e a contenção e controle da violência. Entretanto, a matéria sequer chegou a ser votada.

O papel protagonista dos poderes públicos europeus (principalmente por parte de espanhóis e ingleses) trouxe para o debate, por meio da criação de leis e medidas reguladoras da organização do espetáculo esportivo, as entidades privadas do futebol (UEFA, FIFA, Federações e Ligas). Estas se sentiram no dever de também regularem seus filiados sobre a prevenção da violência em espetáculos esportivos.

A relação de interdependência entre Estado e Futebol foi criada no âmbito dos países europeus por razões óbvias, como o importante significado social do futebol, esporte capaz de produzir grandes emoções nos seus aficionados e que foi transformado em um bem de alto valor econômico.

No Brasil, em 2003, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) juntou-se ao esforço para combater os atos de violência associados ao futebol somente ao final dos trabalhos, mesmo assim após inúmeros apelos do então chefe de gabinete do Ministério do Esporte, Francisco Gil Castello Branco Neto. Na ocasião, a entidade assinou a Carta de Brasília, documento que propunha medidas como reforma e adequação dos estádios, edição de normas mínimas para as condições de segurança nos estádios, criação de conselhos consultivos, celebração de acordos claros de divisão de responsabilidades com a polícia, instalação de circuitos internos de TV, criação de grupamentos especializados em segurança nos estádios, instalação nos estádios de juizados especiais criminais etc. O Clube dos 13, entidade que reúne os 20 principais clubes do país, e que poderia assumir o papel equivalente ao das Ligas da Europa, não compareceu ou não foi convidado para somar esforços.

O trabalho em torno da formulação da política brasileira de controle da violência no futebol ainda está em curso, mas tem avançado em ritmo lento e com interrupções. O assunto parece ter despertado maior interesse apenas recentemente, por conta da indicação do Brasil para sediar a Copa do Mundo de 2014. A princípio, parece pouco importar aos “gestores” do futebol local e mundial se o país tem ou terá resolvido até a data da competição os graves problemas de violência social que afetam diretamente os espetáculos futebolísticos.

As entidades privadas do esporte brasileiro construíram uma relação histórica de dependência do Estado, quando o necessário é uma interdependência entre poder público e privado do setor esportivo. Do contrário, correremos o risco de entrar para a história como o país que, a despeito de apresentar enormes problemas sociais, prestou-se a financiar as luxúrias e regalias dos megalomaníacos do esporte nacional, em nome de legados que nunca existiram ou existirão, caso as responsabilidades não sejam compartidas.

Na Espanha, quem equipa os estádios com sistemas de monitoramento dos torcedores é a Liga Espanhola de Futebol, pois ela, como negociadora dos direitos de transmissão do futebol, arrebata uma quantia considerável dos recursos gerados pela venda das entradas. Quem responde pelo monitoramento é o coordenador de segurança (comandante da polícia). Quem pune os infratores é o Estado, por meio de penas imputadas semanalmente pela Comissão Nacional de Prevenção da Violência, do Racismo, da Xenofobia e da Intolerância no Esporte – órgão colegiado do Ministério da Educação, Política Social e Esporte alocado no Conselho Superior de Esporte. As pesquisas universitárias são sempre uma das fontes imprescindíveis de explicações e sugestões para os problemas que surgem. Lá, o pesquisador universitário mais conceituado no tema é membro da referida comissão há mais de quinze anos, o que garante a continuidade das pesquisas e da alimentação de dados fundamentais para o sucesso da política espanhola.

A Unicamp, por meio da Faculdade de Educação Física (FEF), conta com o GEF – Grupo de Estudos e Pesquisas de Futebol –, que tem contribuído para a construção da política brasileira desde 2003. Mas como essa elaboração tem sido intermitente e lenta, as consultas às nossas pesquisas também foram, nos últimos anos, esporádicas. Diferentemente do comportamento da imprensa, que tem encontrado na Unicamp (GEF/FEF) inúmeras análises e críticas sobre os problemas que surgem no âmbito do futebol ou relacionado a ele.

O Estado brasileiro, é preciso assinalar, tem de ser o articulador desta política, chamando para o debate as instituições privadas do esporte nacional, assim como a mídia, apontada em pesquisa recente do GEF junto a torcedores organizados de São Paulo como sendo a principal incitadora da violência no futebol. Também é indispensável corresponsabilizar financeiramente os organizadores dos eventos esportivos pelo equipamento de segurança dos estádios e ginásios esportivos. O mesmo se aplica aos proprietários das arenas, que devem providenciar a urgente remodelação dos ambientes, dando dessa forma condições de segurança e conforto ao público. Por fim, todas essas medidas devem ser acompanhadas de perto pela Comissão Nacional de Prevenção da Violência nos Espetáculos Esportivos, criada por sugestão do GEF em janeiro de 2004.

 

Heloisa Reis
é professora da
Faculdade de Educação
Física (FEF) da Unicamp e coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas de Futebol (GEF) da mesma faculdade
Foto: Antonio Scarpinetti


 
Untitled Document
 
Untitled Document
Jornal da Unicamp - Universidade Estadual de Campinas / ASCOM - Assessoria de Comunicação e Imprensa
e-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP