Leia nessa edição
Capa
Artigo: dinheiro e palavras
Projetos de pesquisa de
   saneamento
Metas: Agência de Inovação
Da ciência ao conhecimento
Biodiesel
Feagri
Painel da semana
Oportunidades
Teses da semana
Unicamp na mídia
Fórum: Globalização
Teatro sobre capoeira
Ciências da terra
 

12

Alunos do IG viajam até os Andes para
observar in loco os processos geológicos em formação

Fotos: Divulgação

Eles já sabem onde pisam


LUIZ SUGIMOTO


Havia três anos que não chovia forte em Cuesta del Viento, uma área desértica da cidade de San José de Jáchal, Pré-Cordilheira Argentina dos Andes. Na falta de vegetação para contê-las, torrentes caudalosas de dois metros de profundidade escorriam pelas trilhas das montanhas, arrastando 70% de lama e detritos. A correria até alcançar pontos mais seguros, enquanto algumas barracas eram arrastadas, foi o único momento de tensão de uma viagem de 20 dias realizada por estudantes do curso de geologia do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, em fevereiro. Eles percorreram 2.800 km de ônibus para cumprir uma disciplina de campo e conhecer do que é feita a terra em que estavam pisando.

“A tarefa dos alunos era identificar os diferentes tipos de rocha, descrever como elas se dispõem na região e produzir um mapa geológico. Seja para encontrar petróleo e minérios, seja para proteger lençóis freáticos, o mapeamento geológico é a base do nosso trabalho”, explica o professor Giorgio Basilici, do Departamento de Geologia e Recursos Naturais. “Estou no quinto ano de geologia e, para nós, essa atividade de campo é fundamental, pois registramos com os olhos o que aprendemos nos livros. Por exemplo, observamos como os fósseis estão dispostos nos estratos rochosos, oportunidade que outro universitário brasileiro dificilmente teria”, afirma Wagner da Silva Amaral, conhecido pelos colegas como “Lobinho”, autor da idéia de levar sua turma para a Pré-Cordilheira.

Giorgio Basilici, como denuncia o nome, é um italiano com várias especializações em ciências da terra, obtidas em universidades de Torino e Bolonha, e que adota critérios inusitados para tomar decisões na vida. Descrente de seu futuro como geólogo na Itália, há cinco anos escolheu o Brasil para seguir carreira, depois de uma mera busca na Internet. “Em termos de pesquisa, a Itália é morta, suas instituições estão paradas no tempo. Amigos meus deixaram a universidade para fazer outras coisas e outros ali permanecem enfrentando muitas dificuldades. Se você faz ou não faz, ninguém liga. Nesse aspecto, a Unicamp é tão estimulante que às vezes me estressa. Descobri minha América”, diz o professor, valendo-se de um ditado dos italianos que encontraram um tesouro ou paraíso onde construir um lar.

De forma semelhante, Basilici simplesmente girou um compasso para escolher a Pré-Cordilheira Argentina como palco de suas pesquisas. “Levei em conta principalmente a distância. Tendo Campinas como ponto fixo, abri o compasso até o norte da Bahia – uma região tradicionalmente explorada em geologia – e fechei um círculo que incluiu San Juan, nos Andes argentinos. Procurei a bibliografia do local, fiz contatos com o professor Silvio Peralta, da Universidade Nacional de San Juan, e surgiu uma parceria com a Unicamp que já dura três anos. Agora, veio a idéia de levar essa disciplina de campo para a Pré-Cordilheira, o que pretendemos repetir no próximo ano”, adianta o professor.

Local ideal – O ônibus com 20 graduandos chegou a San Juan em 4 de fevereiro, onde o professor Peralta e os estudantes argentinos Iñacio Quadra e Ivan Chaves juntaram-se ao grupo, colaborando nos preparativos e fornecendo informações sobre as características geológicas da região de San José de Jáchal, para onde o grupo partiria dois dias depois. Afora contratempos nos alojamentos na primeira noite ao pé da cordilheira – houve irritação com a falta de água para o banho – e da tensão trazida por aquela manhã de chuva forte, os outros dias foram de profícuas expedições, sob um calor de 35 graus amenizado pelos ventos e a altitude de 4.200 metros. Os jantares preparados pelos próprios estudantes e as descobertas de rochas que viam apenas em livros eram digeridos em apaixonados debates noturnos.

“Fiquei apreensivo frente à responsabilidade de levar para fora do país jovens que têm 20 anos a menos de história do que eu, e de me relacionar pessoalmente, durante 20 dias, com quem não pensa na mesma linguagem. Mas eles souberam reagir aos imprevistos, entusiasmando-se com a organização da excursão. O trabalho me deixou extremamente orgulhoso”, registrou Giorgio Basilici em seu relatório. Entre 7 e 16 de fevereiro, cada grupo de três estudantes cobriu uma área de até 30 km2, carregando na mochila o básico e simbólico martelo, imagens orbitais, mapas topográficos, bússola, GPS, lupa. Dos companheiros argentinos receberam as orientações sobre possíveis dificuldades logísticas e de locomoção, a importância das frutas e líquidos, e sobre situações perigosas que poderiam enfrentar.

“A Pré-Cordilheira é o local ideal para esse trabalho de campo em geologia. Ali podemos observar diretamente as rochas sedimentares, magmáticas e metamórficas, além de deformações tectônicas e fósseis, todos objetos das disciplinas básicas. Quando se faz perfurações no subsolo, ou quando a superfície está coberta por mata, como no Brasil, só conseguimos imaginar o que está por baixo. Em suas incursões, os alunos puderam visualizar os processos geológicos em formação, memorizando melhor a cultura das rochas”, compara o professor do IG.

Investigação – Segundo Giorgio Basilici, as condições geológicas dos Andes podem servir para a criação de novas linhas investigativas no Brasil. “Aquelas rochas podem trazer informações mais detalhadas sobre jazidas de óleo no Atlântico brasileiro, por exemplo. As montanhas do sul da África ou do Paquistão não guardam petróleo, mas permitiram observações por americanos e ingleses quanto ao óleo do Golfo do México e do Mar do Norte”, ilustra o pesquisador. O professor acrescenta que, nos próximos anos, um litro de água deverá custar o mesmo que um litro de gasolina, intensificando o trabalho dos geólogos em torno dos lençóis freáticos. “Os químicos do petróleo, então, não terão mais o que pesquisar, mas nós estaremos lá nas montanhas, atrás de novas descobertas. É isso que procuro explicar aos estudantes”, pondera Basilici.

Consolidando a trilha até San Juan


Alunos do Instituto de Geociências, com o professor Giorgio Basilici (o último, à direita): conhecimento e aventura  (Foto: Neldo Cantanti)Mostrar aos alunos do IG a geologia andina foi o principal objetivo da viagem até a Pré-Cordilheira, mas havia ainda dois propósitos secundários, ambos visando ao estreitamento das relações com a Universidade Nacional de San Juan, que o professor Giorgio Basilici vem alimentando desde que girou o compasso a partir do norte da Bahia. Um deles é a reativação de um convênio de intercâmbio cultural inativo desde 2002, contemplando graduandos e pós-graduandos em geologia. O outro se refere a professores das duas universidades, em torno do início ou continuação de projetos de interesse de Brasil e Argentina.

“Se para os brasileiros interessa essa pesquisa direta dos processos geológicos na Pré-Cordilheira, os argentinos poderiam apreender conosco toda a parte de geologia indireta, onde se inclui o sistema de geoprocessamento que eles não dominam. Como o Brasil não vê as rochas, teve que desenvolver modelos conceituais ou sistemas geotecnológicos em grande escala, como o via satélite”, diz o pesquisador, informando que o IG já supre uma demanda de alunos argentinos de mestrado e doutorado.

Basilici já prepara a ida da segunda turma de formandos para San Juan, no próximo ano. Segundo o professor, a excursão de fevereiro, que incluiu uma viagem de dois dias pela Rota Internacional do Chile, até a base do Aconcágua, só foi possível porque os próprios estudantes arcaram com os custos de hospedagem e alimentação, enquanto a Faep e a Reitoria da Unicamp bancaram o frete do ônibus. “Estou tentando novo financiamento pela Faep, além de negociar com a Petrobrás uma ajuda anual. Esta primeira experiência serviu para mostrar que a disciplina de campo é um ótimo investimento, que garante aos alunos não o prazer de uma viagem, mas o entusiasmo de ver de perto processos geológicos em formação”.

SALA DE IMPRENSA - © 1994-2003 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP