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Professor que participou das primeiras
pesquisas no Brasil faz críticas a partir da matéria-prima

Programa de biodiesel traz equívocos a partir da fonte


LUIZ SUGIMOTO


Ulf Schuchardt, do Instituto de Química: Tudo o que estão anunciando hoje já foi feito em 1982. (Foto: Antoninho Perri)O governo Lula deu prioridade ao Programa de Biodiesel, que é defendido de forma até apaixonada por pesquisadores do setor. Denominado B-2, o programa será regulamentado em novembro próximo e prevê, já a partir de 2005, uma mistura de 2% de biodiesel ao diesel comum que move a frota brasileira de caminhões, ônibus e locomotivas. Segundo dados do Ministério de Minas e Energia, 2% significariam 800 milhões de litros anuais, havendo a meta de uma mistura de 5% (2 bilhões de litros) até 2010. Obrigado a importar 15% do diesel aqui consumido – 6 bilhões de litros/ano, a um custo de US$ 1,2 bilhão –, o país antevê uma boa chance de diminuir essa dependência e de começar a disseminar um combustível ecologicamente mais limpo.

“É mais sensato instalar usinas regionais”

Neste processo de retomada do programa de biodiesel, porém, o governo deixou de ouvir críticas importantes que talvez permitissem correções de rota. O professor Ulf Schuchardt, do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, que já era uma referência mundial em catálise de óleos vegetais e, por isso, participou das primeiras pesquisas realizadas há mais de 20 anos com biodiesel no Brasil, ignora por que não foi ouvido pela comissão encarregada do projeto, onde estão alguns pós-graduandos que orientou. “Tudo o que estão anunciando hoje já foi feito por volta de 1982. Não há nada de novo”, alfineta.

Ulf Schuchardt se refere principalmente aos experimentos com veículos movidos a biodiesel e ao discurso enaltecendo seus benefícios sociais e ambientais. Durante o governo Figueiredo, o sucesso do Pró-Álcool levou o vice-presidente Aureliano Chaves, também ministro de Minas e Energia, a tentar lançar o Pró-Óleo, convocando um grupo de pesquisadores para uma reunião em Brasília, o professor do IQ inclusive. “A Volkswagen nos forneceu um motor a diesel para Passat. Na empresa Miracema, fabricante de gordura vegetal instalada perto de Viracopos, realizamos testes utilizando diferentes misturas de óleo diesel com ésteres metílico etílico. Todas funcionaram bem, comprovando que o Pro-Óleo era totalmente viável. E ainda sugerimos a reação com etanol [extraído da cana], visto que o país não possui metanol em quantidade necessária”, afirma.

O chamado bio-óleo pode vir de inúmeras matérias-primas, como mamona, dendê, babaçu, milho, girassol, soja ou do próprio óleo queimado em frituras. A pretexto do impacto social, incentiva-se no B-2 que 50% do óleo sejam extraídos da mamona, por tratar-se de espécie que pede muita mão-de-obra para o plantio, cultivo e colheita, além de se adaptar bem ao semiárido nordestino. Para Schuchardt, o governo erra já na escolha da fonte. “O óleo de mamona custa o dobro em comparação ao de soja, não vejo sentido em produzi-lo para biodiesel. O plantio de mamona pode, sim, ajudar as populações rurais do Nordeste, mas atendendo à indústria de polímeros: os adesivos, por exemplo, trazem até 30% de óleo de mamona, que falta no mercado nacional e ainda seria facilmente exportado”, pondera. O pesquisador sugere que o babaçu e o dendê seriam melhores fontes. “Essas árvores já estão plantadas e nem precisam ser cortadas para a extração do óleo”.

Sensatez – Se a proposta é contemplar as regiões mais pobres do país, Ulf Schuchardt critica a tendência de se trazer biodiesel para os grandes centros urbanos, onde já se encontram as refinarias de diesel mineral. “O biodiesel deve ser utilizado prioritariamente na área rural, onde o diesel custa muito mais caro, especialmente no Nordeste. Ao invés de transportar o óleo para cá, e processá-lo, é mais sensato instalar usinas na própria região”, afirma. Numa explicação grosseira, o que se faz é separar, das moléculas do óleo vegetal, a glicerina que o torna denso e viscoso; neste processo (transesterificação), a glicerina é substituída por álcool do etanol ou metanol. O professor do IQ explica que esta separação da glicerina exige uma centrífuga, que seria a parte mais onerosa da usina. “Aqui mesmo em Campinas, temos uma empresa que fornece esses equipamentos para a Alemanha”, informa.

Schuchardt não vê uma justificativa convincente, inclusive, para a determinação de que o biodiesel seja misturado ao diesel mineral. Assegura que as experiências feitas nos anos 80, utilizando somente o biodiesel, não identificaram qualquer problema de desempenho, a não ser a necessidade de uma troca mais freqüente do óleo do motor, devido ao percentual um pouco maior de sujeira, inconveniente dos motores a álcool. “Para que se faça a mistura, o biodiesel teria que ser transportado até onde está o diesel comum, antes de ser distribuído. É uma incoerência. Nos postos de abastecimento da Europa, vemos uma bomba de diesel e outra de biodiesel, é o cliente quem faz a opção. Logicamente, não se trata de instalar bombas de biodiesel por todo o país, mas de abrir esses postos nas regiões onde o novo combustível é produzido”, compara.

Regulação – A partir dos pólos de produção nas áreas rurais, onde se incentivaria a circulação de veículos movidos a biodiesel, o consumo cresceria até os centros urbanos. Na opinião de Schuchardt, esta evolução ocorrerá sem a necessidade de interferência do governo, a quem caberia apenas o papel de agente regulador. “A função das autoridades é a de definir as características do biodiesel que se quer e de fiscalizar os produtores para que não forneçam um combustível impróprio. Podemos atender às mesmas especificações feitas na Europa a partir de qualquer matéria-prima. Algumas adaptações, principalmente em relação à viscosidade e estabilidade do combustível, são detalhes menores. Penso que tudo o mais deve ficar por conta da iniciativa privada”, sugere.

O pesquisador reitera que, uma vez regulamentado o uso do biodiesel, as próprias empresas administrarão o quanto do combustível colocar no mercado, e a que preço. “Depois do sucesso do Pro-Álcool, no final da ditadura militar, a Petrobrás encareceu o álcool de forma que se tornasse inviável para o usuário. No governo FHC, o álcool foi tirado da Petrobrás, entregue à iniciativa privada e hoje seu preço equivale a 40% da gasolina. Acho que o preço do biodiesel já pode ser pelo menos igual ao do diesel mineral. Futuramente, ele pode ser liberado também para veículos leves, para os quais o diesel é proibido por causa da oferta insuficiente e por problemas ambientais”, finaliza Ulf Schuchardt.

Estudantes tentam
montar uma usina

Carlos Roberto Cazarotto Gomes e Carla Figueiredo Castro, da empresa -únior da FEQ: despertando o interesse de empresários  (Foto: Antoninho Perri)Uma pesquisa sobre a desesterificação de óleos vegetais rendeu aos alunos do professor Ulf Schuchardt, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, o Prêmio Governador do Estado de 1982 e duas patentes que já perderam a validade, mesmo porque a tecnologia avançada não podia ser aplicada na época. Schuchardt continua trabalhando com biodiesel, ao lado de outras linhas de pesquisa que lhe renderam reconhecimento internacional, e reclama que normais regimentais impostas recentemente pela Congregação do IQ o impedem de orientar novos pós-graduandos, quando a procura é proporcional à veiculação pela mídia do combustível limpo composto a partir de óleos vegetais. “Aposentei-me no ano passado e, como professor voluntário, não posso aceitar novos alunos porque já tenho quinze deles sob minha orientação. É complicado, pois podemos estar descartando trabalhos importantes”, lamenta.

Por entender como fundamental o estabelecimento de um link entre a ciência e a aplicação, Ulf Schuchardt vem colaborando para viabilizar a implantação de uma usina de biodiesel por estudantes da Propeq, a empresa júnior da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp. A proposta é criar uma unidade de produção equipada para cumprir todo o processo, da matéria-prima ao produto final. Carla Figueiredo Castro, diretora de projetos, informa que a Propeq que já foi procurada por três empresários, um deles interessado em fabricar o maquinário, outro em avaliar melhor o processo de produção do biodiesel e um terceiro movido apenas pela curiosidade diante do noticiário e da esperança de que o B-2 oferecesse novos negócios em seu ramo.

“Estamos lidando com uma tecnologia muito nova, cuja implantação tem um custo elevado para micro e pequenos empresários, nossos clientes tradicionais. Nosso objetivo, juntamente com professor Ulf Schuchardt, é obter financiamentos para tornar a usina uma realidade”, afirma Carlos Roberto Cazarotto Gomes, gerente de projetos da empresa júnior da FEQ.

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