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Dimensões humanas
Índice de construções habitacionais cresce mais que o da
população e traz outro fator para as mudanças ambientais globais

JOÃO MAURÍCIO DA ROSA

essoas optam por morar sozinhas e empurram o índice de habitações individuais em um ritmo superior à taxa de crescimento populacional. Com isso elevam a demanda por matéria-prima e energia. Elevam também a fumaça, o buraco no ozônio, a temperatura. As populações afetadas pelas adversidades climáticas, chamadas de “refugiadas ambientais”, incham os centros urbanos, as filas da assistência social. Do outro lado, ocupam o lugar da fauna na floresta, no cerrado.

Nesse caos, acidentes de carro entram para a lista de males ecológicos. Morcegos vampiros sugam o sangue de humanos nas regiões de garimpo da Amazônia. Cresce a ocorrência de doenças como câncer de pele e catarata, resultados da exposição excessiva ao sol, e as auditivas, por conta do ruído nas metrópoles. O aumento da temperatura global já proíbe a saída de pessoas em determinadas horas, na Argentina e Chile.

Seria o revide da mãe natureza, neste início do século 21, diante da devastação provocada pelo homem. Ao mundo – e ao Brasil em particular – parece reservado um futuro lúgubre, se consideradas determinadas exposições do seminário Dimensões Humanas de Mudanças Ambientais Globais: Perspectivas Brasileiras, realizado nos dias 11 e 12 de junho, na Biblioteca Central da Unicamp, pelo Núcleo de Estudos da População (Nepo) e organizado pela Academia Brasileira de Ciências.

O professor Eduardo Viola, da Universidade de Brasília (UnB), não concorda com futuro tão funesto: “O futuro pode ser contraditório e não lúgubre, pois há extraordinários avanços tecnológicos, extraordinários avanços de construção de formas de cooperação so-cial. Mas, ao mesmo tempo, há extraordinária assimetria social. O mundo é extraordinariamente contraditório, o futuro também é contraditório. Não é lúgubre, mas também não é rosado”.

Opção por viver só é novo ingrediente do caos urbano

Analisando dados do último censo do IBGE (2000), o professor Daniel Joseph Hogan, coordenador do Núcleo de Estudos da População (Nepo) da Unicamp, deparou-se com a inversão das taxas de crescimento entre habitações e população – a favor das primeiras – e concluiu que os jovens estão se casando menos e vivendo sozinhos, ou assumindo o matrimônio mas morando em casas separadas. Também os idosos estão vivendo mais, sobretudo as idosas, que gozam de maior expectativa de vida.
Esta mudança de comportamento é o mais novo ingrediente do caos nas grandes metrópoles brasileiras. Já saturadas de edificações verticais, agora passam a atender a uma demanda por habitações individuais, o que amplia as necessidades de infra-estrutura e de investimentos em fontes escassas, como água e energia. Este foi um dos fenômenos analisados por Hogan em sua dissertação no seminário realizado na Unicamp. O modismo só veio a agravar o inchaço urbano, agora somado ao crônico problema do êxodo rural para as cidades e para áreas de colonização, particularmente na Amazônia.

Estudando as perspectivas para essas grandes cidades, o professor vê pontos de luz no fim do túnel. Um ponto positivo, segundo ele, foi a criação de novas regiões metropolitanas na década de 90. “Elas são importantes enquanto forma de lidar com problemas regionais urbanos, como o uso racional do solo e o planejamento do sistema de transporte”, explica.

Outros dados importantes do censo de 2000, que só sairão daqui a um ano, dizem respeito à migração pendular, ou seja, de pessoas que moram em uma cidade e trabalham em outra. “Essas informações são fundamentais para o controle do consumo energético e de emissões de carbono”, diz, lembrando que o desenvolvimento das telecomunicações tende a reduzir o ritmo deste pêndulo e, consequentemente, do transporte e das emissões de poluentes.

Já em relação aos refugiados ambientais, sejam das regiões da seca ou dos grandes represamentos e mudanças atmosféricas, Hogan os coloca em uma categoria que ainda carece de estudos. Mas garante que esse contingente está longe de ser o responsável pela devastação da cobertura verde e contaminação do solo.
“Embora a atividade agrícola pressione a cobertura vegetal e a diversidade biológica, a situação brasileira não é parecida com o que acontece em outros países. A imagem do pobre sem terra obrigado a cortar a última árvore para comer, não é uma imagem brasileira”, afirma. “Nosso problema são as grandes atividades agropecuárias, com muito potencial de destruição do solo e pouca geração de empregos”.

Indícios alarmantes – Que as atividades humanas na cidade ou no campo contribuem para a elevação da temperatura do planeta, todos concordam. As conseqüências é que ainda são desconhecidas, embora alguns sinais já sejam perceptíveis, conforme a professora Leila da Costa Ferreira, do Nepam (Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais) da Unicamp.

São apenas indícios, mas alarmantes. Apoia-da por dados da ONU em seu trabalho, Leila revela que as megacidades vão mudar de endereço ainda neste milênio. “Em 2015, quatro das cinco maiores cidades do planeta estarão em países da periferia da globalização, como Lagos (Nigéria) e Dacca (Bangladesh). A urbanização acelerada dos países pobres fará a população das cidades superar a do campo por volta de 2006, pela primeira vez na história deles”, informa. No Brasil, hoje com 80% da população vivendo na cidade, o índice tende a chegar a 88% em 2005.

Esta tendência de multiplicação das aglomerações, de acordo com a professora, implica mudanças na gestão urbana para lidar com problemas como lixo, captação de água, segurança, transporte e poluição. Para verificar como esse processo anda no Brasil, Leila Ferreira estudou as ações oficiais de cinco capitais metropolitanas (Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte), eixo da pesquisa que divulgou no seminário. “O objetivo é analisar experiências em nível do poder local, na formulação e implementação de políticas públicas com características sócio-ambientais adotadas por essas prefeituras após a Constituição de 1988”, explica.

São Paulo surpreende – A pesquisadora se surpreendeu com o caso da cidade de São Paulo, onde, segundo ela, a questão ambiental foi relevada em certas gestões, como se os problemas sociais considerados prioritários não tivessem ligação com o processo de degradação da metrópole. “Em uma cidade globalizada, com universidades altamente qualificadas, uma classe média intelectualizada e com consciência ecológica bastante refinada, haveria condições de se implementar uma política de meio ambiente”.

Mas Leila faz uma ressalva em relação ao projeto de restrição de uso de automóveis, o chamado rodízio, aprovado por 96% da população em 1997 e 1988. “O debate em torno da operação tornou público o problema da poluição do ar e da qualidade de vida urbana”, comenta. Contudo, não serviu para pressionar o poder público a adotar medidas quanto ao transporte coletivo. “Na verdade, os problemas ambientais de São Paulo são particulares, embora ilustrem um processo em curso em diversas partes do mundo, como o caso do próprio Rio de Janeiro, que se aproxima também da situação de cidade insustentável”, alerta.

Continua ...

 

 

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