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Os sem-universidade
Movimento inspirado em Dom Pedro Casaldáliga quer universidades
públicas no Carandiru e em unidades da Febem

JOÃO MAURÍCIO DA ROSA


sm fevereiro deste ano, cerca de dois mil jovens fecharam a Avenida Paulista em São Paulo, em nome de um até então desconhecido Movimento dos Sem Universidade (MSU). Exatamente no dia em que USP e Unesp divulgavam a lista dos aprovados no vestibular – um dia depois da Unicamp. A perplexidade e o desdém deram o tom das reportagens sobre o episódio.

A imprensa pouco atentara para o fato de que, desde 1992, havia uma movimentação entre estudantes visando a criação de cursinhos populares (o primeiro deles consolidado na Unicamp, em 95). Esses cursinhos foram os embriões do MSU, sigla enunciada como protesto por Dom Pedro Casaldáliga, bispo de São Félix do Araguaia (Tocantins), em setembro do ano passado, na conferência em que recebeu da Unicamp o título de Doutor Honoris Causa.

Em sua aula magna, Dom Pedro falou, entre outros temas, sobre os milhares de jovens brasileiros “sem universidade”. Na platéia estava Sérgio José Custódio, um dos militantes do movimento pela criação dos cursinhos populares. Bacharel em economia pela Unicamp, ele acabou alvo da desconfiança dos jornalistas, por ter freqüentado universidade pública e estar, sob esta ótica, acima da idade dos vestibulandos.

Sérgio defende a instalação de uma universidade no Carandiru, quando o complexo penitenciário for desativado, assim como em equipamentos da Febem da capital paulista. “Existem pelo menos 120 mil estudantes fora deste latifúndio educacional instalado hoje no ensino superior, que concentra a educação na mão de poucos felizardos”, acusa.

Jornal da Unicamp – A imprensa pega no seu pé por causa da idade. Você acha que os jornalistas querem descaracterizar o movimento como se idade fosse parâmetro para sua legitimidade?

Sérgio Custódio – Sou filho de lavrador e costureira. A vida inteira estudei em escola pública. Fui peão de fábrica, na linha de produção da Kodak em São José dos Campos. Cheguei tardiamente à universidade, mas cheguei. A gente tem muitas surpresas ingratas na vida, mas nunca baixa a cabeça. Essa questão de idade é coisa de regras e exceções, de estereótipos abstratos. Bem disse Dom Pedro Casaldáliga, aqui na Unicamp em 2000, ao deixar de lado a ostentação social, quando praticamente nomeou o movimento que já acontecia nos subterrâneos da sociedade. Os sem-universidade estão aí e são a maioria da juventude. Que nação, que Brasil os acolhe?

P – Você argumenta que os jornais levaram mais de dois anos para descobrir que havia um movimento, mas só em fevereiro ele despontou. Como explicar isso?

R – O que mais nos chocou em relação à imprensa foi o fato de praticamente passar despercebida, no começo do ano (a não ser por uma noticia de nada no JT), a nossa proposta de criação de uma universidade popular na cidade de São Paulo, utilizando para isso equipamentos públicos como Carandiru e algumas Febem’s. É horrível, mas certos interesses ocupam-se dos escândalos, da violência e da morte, ao passo em que criam obstáculos para a vida e suas mil e uma possibilidades.

P – Quantos cursinhos pré-vestibulares oriundos do movimento estão em atividade hoje?

R – Prefiro, até por conta de uma tradição freireana (do educador Paulo Freire), de trabalhos educativos feitos com os oprimidos no processo de sua libertação, chamá-los de “cursinhos populares”, nome que dei também à minha monografia no Instituto de Economia da Unicamp sobre o assunto. Até porque o vestibular é só uma pontinha do iceberg. De 1992 até 1995, gastamos preciosos momentos de nossas vidas na Unicamp para criarmos o Cursinho do DCE, que não à-toa, mas com muito trabalho, saiu do papel e virou história nesta amada Universidade. Hoje são milhares as iniciativas espalhadas pelo país afora. As mais gratificantes habitam as periferias das cidades, caso do Cursinho Herbert de Souza, na Vila União, aqui em Campinas. Várias redes sociais, como os sindicatos (caso típico dos servidores de Campinas), o movimento negro (como o Educafro), o movimento popular e o movimento estudantil estão estimulando esse processo.

P – Há estatísticas sobre a aprovação de seus alunos em universidades públicas?

R – São melhores que a encomenda. No cursinho do DCE Unicamp, no primeiro semestre e no primeiro ano, cerca de 100 estudantes foram aprovados nos vestibulares. Enquanto os cursinhos comerciais ocupam-se da reificação (alienação) do vestibular e da retenção do alunado como contabilidade financeira, os cursinhos populares ocupam-se da desmistificação do vestibular e de furar as cercas dos latifúndios do ensino superior brasileiro.

P – Quais são as propostas do MSU para a audiência pública de 22 de agosto?

R – Acho que, quando o Legislativo avança da democracia meramente representativa para a participativa, já é um bom começo. No caso, espera-se a abertura para o debate e que se tire da gaveta do Alckmin (governador Geraldo Alckmin) projetos como o da universidade pública da Zona Leste de São Paulo, de Guarulhos, da Baixada Santista, do Vale do Paraíba, de Sorocaba, do ABCD. Os governos, às vésperas das eleições de 2002, acordaram ou caiu a ficha. É que o déficit de vagas no ensino superior público é revoltante frente ao que se arrecada com o pãozinho de cada dia, do leitinho ‘c’, do arroz e do feijão da maioria da população paulista. E não adianta fazer de conta que o aumento de vagas é dádiva dos céus.

P – Vai ser um interessante mote para a campanha eleitoral.

R – Não nos interessa se rende ou não votos. Importa que há problemas, hoje, em cursos existentes como tecnologia e arquitetura. Por aqui mesmo faltam cursos noturnos e participação popular para a definição de um projeto de universidade pública, seus fins e seu compromisso social. Já do lado privado, são negócios que já beiram às favas para uma boa CPI.

P – Quantas pessoas estão efetivamente engajadas no MSU? É possível fazer alguma comparação com o MST?

R – Pode-se dizer, sem medo de errar, que pelo menos quinhentas pessoas no país estão envolvidas diretamente com o movimento. São múltiplas as parcerias sociais, pois o MSU não se pretende vanguardista ou dogmático. É o caso digno da PJMP, a Pastoral da Juventude do Meio popular, organizada em todo o Brasil, e de outras redes sociais dos movimentos populares que disseminam a proposta. Já o MST, veja bem, é uma lição de luta e obstinação. Quem dera, cheguemos a seus pés.

P – E essa história de instalar uma universidade no Carandiru?

R – O MSU apresentou a proposta de criação de uma universidade popular do município de São Paulo no começo do ano. Promoveu um ato em frente à Câmara Municipal, onde um conjunto de integrantes do movimento estava vestido de presidiário e outros tantos de becas, para caracterizar os contrastes sociais. Ocorre que a grande maioria no Carandiru e nas Febem’s são jovens, jovens da periferia, sem universidade. Senão teriam até cela especial, como o Lalau. Então, o debate no interior do movimento era de que, ao invés de prisões para a juventude (que têm também o significado de universidades do crime), uma outra vida é possível. Esses mesmos equipamentos públicos deveriam ser transformados em universidades. Por que não numa universidade popular na cidade de São Paulo? A proposta foi transformada em projeto de lei, que já tem o apoio de vários partidos políticos e deve entrar brevemente em discussão na Câmara Municipal.

P – E como pode ser levado adiante tal projeto?

R – A lógica da execução do projeto seria a junção da participação popular e de técnicos, aliada a parcerias entre o Município, o Estado e a União. E o mais importante, o que muitas vezes é tido pelas próprias esquerdas como uma coisa menor, ou “chique no urtimo”: num país onde milhões de pessoas penam para ter comida, trabalho, saúde e moradia, ou seja, lutar por democratização do acesso à universidade parece secundário, quando na verdade não o é. Prova disso foi que integrantes do MSU da zona sul de São Paulo apresentaram a proposta de criação da universidade popular do município de São Paulo, na reunião do Orçamento Participativo (OP) neste segundo semestre de 2001, ocorrida em Cidade Dutra. Ela não só foi aprovada e a mais votada,mas eleita como prioritária por cerca de setecentos votos da população presente, a ampla maioria.

 

 

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