Bresciani
critica a
neutralidade em
colóquio dos
50 anos

20/09/2016 - 13:51

Mais do que uma revisão dos clássicos intérpretes do Brasil, a professora emérita Maria Stella Martins Bresciani trouxe à baila os autores que teorizaram sobre o País na primeira metade do século XX para falar da importância da contextualização histórica, ideológica e política do discurso. “Professores, a linguagem não é neutra. Não existe ingenuidade em nada do que fazemos”, frisou Bresciani durante o colóquio “Uma avaliação crítica sobre as origens do Brasil”, no sábado (17). A palestra fez parte da série Colóquios Unicamp Ano 50 - de professor para professor, que celebra o cinquentenário da Universidade.

As representações do Brasil elaboradas por Francisco de Oliveira Vianna, Paulo Prado, Caio Prado Júnior, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda foram evocadas com intuito de mostrar que esses autores teorizaram a partir de pontos de vista específicos. “A gente pode entender o que eles disseram e porque eles estavam dizendo essas coisas. Mas só pode pensar o Brasil a partir do dia em que a gente está vivendo”, explica a professora, que se aposentou pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da (IFCH).“Não adianta ficar repetindo que as ideias estão fora de lugar”, critica Bresciani, referindo-se à máxima da obra “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda. “É preciso entender como as ideias funcionam nesse lugar”, reivindica a historiadora.

A professora apontou diversas intersecções e divergências entre os teóricos, mas sobretudo ressaltou os pressupostos políticos e filosóficos de cada um deles. “O que eu quero mostrar é que, dependendo do ponto de vista do autor, você tem uma interpretação do Brasil. Não existe a interpretação do Brasil, existem as interpretações do Brasil. E cada interpretação está vinculada a um pressuposto filosófico e político. Não existe neutralidade”, reforça a professora.

De acordo com Bresciani, enquanto alguns defendem que Sergio Buarque seria o clássico da interpretação do Brasil, outros argumentam que apenas Gilberto Freyre teria conseguido realmente entrar naquilo que é o âmago da sociedade brasileira pois entrou pela antropologia. Outros ainda atribuiriam a melhor análise a Caio Prado, pois ele tem uma concepção marxista que é a base da sociedade.

Apesar de alimentarem projetos políticos diferentes, e por vezes diametralmente opostos, segundo a historiadora, esses autores compartilhavam a ideia de que haveria no Brasil um desajuste: ideias e instituições avançadas em uma sociedade atrasada. Esse seria o fundo-comum para o qual propunham diferentes soluções. Segundo ela, em todos eles está presente a ideia que nossa sociedade estava atrasada para o liberalismo que se estabelecia. Para que esse se efetivasse era necessário que houvesse cidadãos, conscientes de seus direitos e deveres, os quais ainda não teriam sido formados no Brasil. Para Sergio Buarque de Holanda, por exemplo, o "homem cordial" não estaria preparado para aceitar a lei do Estado.

Outra característica comum entre esses autores é, para Bresciani, o papel central atribuído ao meio geográfico e às condições climáticas na formação do homem brasileiro. Segundo a pesquisadora, essa concepção mesológica tem suas raízes na obra do pensador francês do século XIX, Alexis de Tocqueville, segundo a qual a natureza obrigaria o homem a um destino quase inescapável.

Escola com política
A historiadora defendeu a escola e a universidade como os lugares da liberdade e do debate de ideias e criticou a proposta da “Escola Sem Partido”. Segundo ela, a proposta é oportunista e esconde os reais interesses dos seus defensores, que por meio de um discurso de neutralidade, tentam impor suas próprias posições políticas. “O que eles estão propondo é uma escola sem política, o que significa a política deles”, explica. “Tem que ter política. Não tem como não ter política. Todos nós pensamos a partir de algum pressuposto, de filiação política e filosófica. O importante é expor os nossos pressupostos”, esclarece a professora.

Bresciani criticou a ideia de neutralidade do programa e a visão do professor como mero transmissor de conhecimento. “A ciência não é neutra. A técnica não é neutra. O professor tem posições e dificilmente essas posições ficam de fora da postura dele. O importante é que os alunos saibam qual é a posição dele e que desenvolvam uma atitude crítica, também ao professor”, explica.

A Unicamp
A Unicamp foi citada pela professora como espaço da liberdade, um exemplo de convivência e diversidade de ideias. Formada pela USP, a professora conta como montou, junto com seus colegas, o curso de história na Unicamp. “O Zeferino Vaz dizia: ‘dos meus comunistas cuido eu’. E não deixava a polícia entrar. Era uma coisa muito boa. Eu não consegui, no curso de história da USP, ler Marx. Eu acho que a gente conseguiu fazer, aqui na Unicamp, um curso muito aberto. Cabem marxistas, cabem pessoas da história social francesa, cabe o marxismo cultural da escola inglesa. A gente tem uma pluralidade de acepções dentro do departamento de História que eu acho muito importante”, relata Bresciani.

A estrutura plural do curso é claramente percebida pelos alunos, conforme apontou a estudante Thais Armando Lopes, que acompanhava a palestra. “O curso me proporcionou uma visão muito ampla. Nós podemos escolher entre muitos tópicos. Além disso, sempre tem debate dentro das aulas. Você sempre tem que escutar e ser escutado. Isso é muito importante e acontece em todas as aulas. É um curso que sempre acaba te abraçando e fazendo com que você se apaixone”, conta Thais.

A professora da rede municipal, Iara Sarquis Hossi, que tem acompanhado a série Colóquios Unicamp Ano 50, destacou a importância do evento para ampliar seus conhecimentos. “Se você só fica na sala de aula, você fica meio embotado. Vim para ver outro universo, em busca de conhecimento novo. Mesmo que os temas não sejam exatamente na minha área, eu sou professora de português, mas nós trabalhamos com temas transversais. Os colóquios têm me enriquecido bastante e isso reflete diretamente na sala de aula”

A pedagoga e professora da rede pública, Eliana Maria Cantos, veio à palestra atraída pelo tema. “Ao conhecer outros pontos de vista sobre a história do Brasil podemos problematizar com as crianças na escola e construir novos olhares”, explicou.

A série Colóquios Unicamp Ano 50 conta com mais três eventos. Nesta terça-feira (20), na Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP), a Professora Silvia Gatti fala sobre “Vírus e bactérias: surpresas no nosso cotidiano”. No dia primeiro de outubro, o coordenador geral da Unicamp, professor Alvaro Crósta, abordará a importância da universidade pública na palestra “Universidade e Sociedade”. A séria será encerrada pelo professor Tadeu Jorge, reitor da Unicamp,  no dia 21 de outubro, em Piracicaba.