Capitalismo
e Planeta Terra:
combinação
que não
funciona

15/08/2016 - 15:58

“Na perspectiva da espécie homo sapiens, o futuro que está pintando é o fim da espécie. Se a gente é a espécie dominante e, diferente dos dinossauros, é uma espécie capaz de produzir tecnologia, capaz de produzir reflexão  e capaz de criar novos comportamentos para si o tempo todo, como é que não é capaz de evitar sua própria extinção?”, provocou a professora da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC,) Emilia Rutkowski, no colóquio “A água na cidade saudável, salubre e sustentável”, no sábado (13). A palestra fez parte da série Colóquios Unicamp Ano 50 - de professor para professor, que celebra o cinquentenário da Universidade. Vídeo

 A professora destacou que o problema da água no mundo hoje não é uma questão de recurso da natureza, mas sim de modelo de desenvolvimento. “Desde que o planeta é planeta, a quantidade de agua não diminuiu nem aumentou. O problema é que o modelo de reprodução do capitalismo financeiro transformou água em commodity”, argumentou. “Não é uma questão de recurso, enquanto recurso da natureza. É questão do uso que a sociedade como um todo está fazendo”, completou Rutkowski.

A pesquisadora traçou um panorama do processo de urbanização desde a revolução industrial, apontando como o desenvolvimento das cidades obedeceu uma lógica de acumulação capitalista. “A água passa de recurso natural inesgotável, a recurso industrial escasso e de exploração probabilística”, explica. A alta demanda pela água passou a exigir cada vez mais uma renovação rápida e não a permitir os ciclos longos, nos quais a água permanecia milhares de anos nos reservatórios subterrâneos. “A gente está trabalhando muito no pequeno ciclo da água. Aquele tempo de águas que ficavam em reservatórios subterrâneos 10 mil anos, passou. Ninguém está deixando isso acontecer”, alerta Rutkowski.

Para a professora é fundamental pensar em termos de utopia se quisermos sobreviver enquanto espécie. Ela destaca que apenas uma sociedade onde as pessoas sejam cidadãos plenos e se apropriem do seu entorno, poderá construir cidades saudáveis, salubres e sustentáveis.

De professor para professor
Adriana Negretti, que ensina geografia para jovens adultos na rede pública e vem acompanhado de perto as comemorações dos 50 anos da Unicamp, destacou a importância do tema para o debate em sala de aula. “A água é um tema bastante presente no ensino de geografia. Tanto na geografia física, quanto nas questões políticas econômicas que envolve. Na apresentação, ela fez um histórico do saneamento. Mostrou não só as questões de cunho ambiental, mas as questões políticas e econômicas por trás do tema. É isso que a geografia tenta fazer”, explica Negretti.

Segundo ela, persiste uma visão de que a água é um recurso inesgotável, mas a recente crise hídrica fez com que os alunos sentissem na pele algumas das questões trabalhadas no plano teórico. “Só depois dessa estiagem em 2014-2015 que eles começaram a perceber que não é bem assim”, comentou a professora. “Como eu trabalho com adultos, eles viram a questão econômica com o aumento do custo da água. Muitos deles moram na região metropolitana de Campinas e sofreram com a falta de água”, explicou.

Ralph Charles, que veio do Haiti estudar geografia da Unicamp, comparou a relevância das questões ambientais aqui e em seu país de origem. Segundo ele, no Haiti a falta informação e educação ambiental é muito grande. Por outro lado, no Brasil, ele percebe um abismo entre discurso e prática. “Aqui no Brasil tem esse conhecimento, mas nem todo mundo usa. Todo mundo fala em proteger os recursos naturais, mas proteger mesmo é outra coisa”, ressalta.

A relação entre população e território também foi apontada por Catarina Bicudo, que desenvolve mestrado no Labjor da Unicamp, como um dos pontos mais interessantes da palestra. Ela destacou a importância da compreensão de que fazemos parte do território e portanto temos que lutar para ter uma qualidade de vida melhor. “A questão hídrica é uma questão holística. Não adianta só olhar a poluição, ou a necessidade da água. É preciso olhar o todo, como as cidades estão se desenvolvendo e as necessidades dos seres humanos”, afirmou a mestranda.