50 ANOS
Existe ainda
uma questão
agrária
no Brasil?

16/05/2016 - 15:21

A história da concentração de terra no Brasil é tão antiga quanto sua colonização. O grande latifúndio é estabelecido com a divisão do território recém descoberto em Capitanias Hereditárias. Nunca houve um programa de reforma agrária que mexesse nos índices de concentração de terra no país. Assim mesmo, a agricultura familiar, desenvolvida à margem das grandes propriedades, é hoje responsável por 70% dos alimentos básicos consumidos pela população brasileira. Essas contradições foram tema do colóquio "Política agrária e agricultura familiar brasileira", proferido pela professora da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp, Sonia Bergamasco, no sábado (14). A palestra fez parte da série Colóquios Unicamp Ano 50 - de professor para professor, que celebram o cinquentenário da Universidade.

 Existe ainda uma questão agraria no Brasil?

"Mesmo nas piores terras, sem suporte tecnológico e com escassas políticas públicas, a agricultura familiar é responsável por 38% do valor bruto da produção gerado no pais”, destacou a palestrante. Agrônoma de asfalto, não de gabinete, como gosta de ressaltar, a professora Sonia Bergamasco estuda a questão agrária brasileira há mais de 40 anos e é, atualmente, referência no assunto. Ela chamou atenção para as dificuldades enfrentadas para abordar o assunto, que é polêmico também dentro da academia. "Sempre tive que lutar para colocar esse tema nas diversas faculdades onde eu passei. Não é um tema considerado importante para um engenheiro agrícola”, conta. Mesmo entre economistas e cientistas sociais, muitos estudiosos consideram como assunto superado no país, relata a professora.


Analisando os dados do último senso agropecuário do IBGE, a professora mostra como a questão está longe de ser esgotada. A alta concentração de terra ainda é a realidade da estrutura agrária do país. Os estabelecimentos não familiares apesar de representarem 15,6% do total de  estabelecimentos agrícolas ocupam 75,7% das terras. Por outro lado, a agricultura familiar é responsável por 74,4% do pessoal ocupado no campo. Essa população produz 87% da mandioca, 70% do feijão e 46% do milho colhidos no país. Mesmo em setores onde o agronegócio parece soberano, a agricultura familiar se destaca, sendo responsável por 58% da produção de leite, 50% das aves e 59% dos suínos.

 IBGE 2006

De acordo com a legislação brasileira, a agricultura familiar é aquela baseada na pequena propriedade, cultivada com mão de obra da própria família, cuja principal fonte de renda é a terra. "Não é apenas uma terra de produção, é uma terra de trabalho”, explica Bergamasco. “Esse agricultor associa família, trabalho e produção. É diferente da relação dos grandes proprietários.” Além da produção voltada para o comércio, a pesquisadora chama atenção para a parcela voltada para o auto consumo. “Quem tem terra não passa fome. Não é idílico. Você vê isso no campo”, argumenta.

 Sonia Bergamasco  

Bergamasco destacou, ainda, a necessidade de um programa de reforma agrária que efetivamente mude o quadro da distribuição de terra no país. “A terra é recurso e os recursos tem que ser distribuídos. Se você concentra os seus recursos, o pais não se desenvolve. Você pode até conseguir algum crescimento econômico, mas se você não distribuir os recursos, não tem um desenvolvimento.” Ela ressalta que, contraditoriamente, as políticas públicas implementadas, ao invés de melhorar a distribuição da terra, acabaram aumentando sua concentração. “Nós tivemos políticas, mas a estrutura agrária não muda. Mudar a estrutura agrária significa criar novas unidades de produção. À medida que você distribui a terra, você vai ter um número maior de pequenos agricultores familiares. Todos os países desenvolvidos do mundo tem como base da sua agricultura a agricultura familiar”, explica.

Segundo a pesquisadora, contudo, o cenário atual é desfavorável ao avanço de pesquisas e políticas nesse setor. "Todo esse trabalho era feito pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, que tinha uma função externamente importante. Ele alimentou muita pesquisa e organização entorno dessa população de agricultores familiares, entorno dessa problemática da concentração da terra. Hoje, esse ministério se esvaiu, desapareceu. Provavelmente, nada disso vai estar na pauta desse novo governo, lamentavelmente."  

 Unicamp Ano 50

Os “Colóquios Unicamp Ano 50 - de professor para professor” têm como objetivo discutir temas relevantes para formação de professores de ensino básico. Serão ao todo nove palestras ministradas por docentes da Unicamp. No próximo encontro, dia 13 de junho, a professora do Instituto de Biologia, Maria Silvia Gatti, apresentará a palestra "Vírus e bactérias: surpresas no nosso cotidiano” (leia mais). A entrada é gratuita. Confira a programação completa das comemorações do cinquentenário da Universidade.