Bolsistas
trabalham
e ganham
experiência
com ONG

14/12/2015 - 12:26

Alfabetização e música. Esses dois ingredientes estão atraindo jovens da ONG Centro de Orientação ao Adolescente de Campinas (Comec) para o projeto Infopoética, encabeçado por bolsistas da Pró-Reitoria de Graduação (PRG) da Unicamp. Eles desenvolvem um projeto de extensão com 80 adolescentes da cidade em situação de risco. O Comec atua hoje por meio de dois programas sociais: o de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) e o de Liberdade Assistida, realizado junto ao município de Campinas e à Vara da Criança e Juventude. São em geral jovens com idade entre 16 e 18 anos, na maioria do sexo masculino.

Aluna do curso de pedagogia da Unicamp e idealizadora de um dos projetos, o Infopoética, Arisa Ribeiro desenvolve esse trabalho de extensão especificamente com jovens integrados à medida socioeducativa de PSC. Quando ela ingressou no projeto com seus conhecimentos em pedagogia, foi possível vislumbrar o perfil dos adolescentes atendidos no Comec. Eles apresentam muitas dificuldades em relação à escolaridade. Alguns chegam ao Infopoética analfabetos funcionais. Nessa iniciativa, são aproveitados os saberes específicos de cada um e são olhados todos os aspectos da escolaridade e da defasagem no aprendizado. 

Arisa montou o projeto Infopoética com base nesse olhar. Os encontros com esses jovens acontecem numa sala de informática. Com ferramentas computacionais, são avaliadas questões que permeiam a escolaridade dos adolescentes. “Eles foram aderindo a esse trabalho. É o espaço que eles podem inclusive pesquisar temas do seu desejo ou da sua necessidade.”

A intenção era fazer com que os adolescentes contassem a história deles através da escrita e desenvolvessem uma música que retratasse a sua vida. O resultado poderia ser um CD, um livro, etc. “Emergiu o trabalho com jovens que tinham uma demanda por alfabetização”, relata. O projeto começou em junho deste ano. “Gosto dessa área. Está sendo uma experiência incrível. Como aprecio música e poesia, pensei logo em desenvolver uma atividade que tivesse relação com isso. Trouxe algumas propostas para a equipe. Nasceu o Infopoética”, explica Arisa.

A estratégia é empregar música e jogos dentro de um espaço de certa forma lúdico. “A alfabetização tradicional não faz muito sentido para os adolescentes”, acredita Arisa. “Como a música está mais presente na vida deles, então o processo se torna prazeroso, embora o desafio seja enorme. Esse projeto tem vindo para conseguirmos olhar para as especificidades e tentar trazermos um novo sentido.”

O projeto está sendo muito bom para a vida de Arisa, não somente para os jovens. “Eu nunca tinha alfabetizado e fiquei lisonjeada porque eu estava explicando a um jovem como era o processo de ler, como juntar as sílabas. Ele entendeu e me disse que nunca ninguém tinha explicado daquele jeito. Eu quase chorei de emoção”, expõe. “Ele olhou para mim com um sentimento de gratidão.”

Posteriormente à alfabetização desses jovens, Arisa pretende chegar ao rap. “Vou pedir para eles fazerem um pequeno texto e contarem o que gostariam de falar para o mundo. Eles, afinal, têm uma história a contar e iremos transformá-la em música. Mas não são todos os adolescentes que querem. Então para eles estipulamos outras maneiras de trabalhar a escrita e a leitura”, lembra.

A bolsista Bruna Marques, aluna das ciências sociais, chegou a esse projeto no mês de outubro. Ela está ajudando alguns jovens a confeccionarem os seus currículos e a suprir outras demandas que partam deles próprios. “A Bruna entrou nessa referência e fomos identificando que ela poderia somar muito ao projeto Infopoética, juntamente com a Arisa”, diz Juliana Vedovello, que coordena a equipe técnica do programa do Comec.

Bruna montou um modelo de currículo, salvou esse modelo em cada computador e auxiliou os adolescentes a comporem seus currículos de acordo com seus interesses. “Sempre tentamos valorizar esses jovens, buscando características que nem eles mesmo enxergavam”, realça Bruna. 

A bolsista ensina aos adolescentes a colocarem no currículo, quando é o caso, que têm um perfil dinâmico, comunicativo e outras qualidades mais, tentando reconhecer as características desses jovens. Também orienta a fazer pesquisas de escola, de cursos e de vagas de trabalho. 

Segundo Juliana, a equipe técnica avalia a demanda do adolescente e conversa com os bolsistas sobre o seu perfil. Ao identificar essas demandas, discute com Arisa e com Bruna. São planejadas todas as possibilidades nesse projeto para traçar ações e alcançar os objetivos juntamente com os adolescentes.

Apoio
Juliana conta que, com a bolsa SAE oferecida pelo Serviço de Apoio ao Estudante, essa iniciativa tem reunido sistematicamente bolsistas de trabalho há mais de dez anos. No programa Liberdade Assistida são contemplados no momento 180 jovens em situação de vulnerabilidade social e 80 no programa Prestação de Serviços. Esses dois programas acompanham aqueles que praticaram um ato infracional e foram encaminhados para a Comec a fim de serem responsabilizados.

A coordenadora assinala que, na Prestação de Serviços, a ONG recebe adolescentes que são primários e que permanecem ali até seis meses. Já na Liberdade Assistida recebe adolescentes que têm um ato infracional mais grave, o que demanda um acompanhamento por maior tempo (até três anos). O tempo é determinado judicialmente e eles são seguidos por uma equipe técnica que faz a interlocução com a rede de serviços do município.

O pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da Unicamp, professor João Frederico Meyer, atua no Comec como voluntário há anos. Na última quinta-feira (10), ele se reuniu com os bolsistas e com Juliana, do Comec, na sala de reuniões da Preac, para planejamento de 2016. De acordo com ele, existem duas ligações diretas da ONG com a Unicamp: uma com a Faculdade de Educação Física (FEF), através do Muro de Escalada, e outra através do CIS-Guanabara, local onde muitas atividades são desenvolvidas. O docente frisa que se sente muito bem como voluntário, já que admira muito o trabalho do Comec. É professor orientador de um grupo de bolsistas que realiza um estágio junto ao Comec. Tal estágio, opina ele, tem aspectos tão inovadores que todos os anos os bolsistas sociais apresentam trabalhos no Congresso de Iniciação Científica da Unicamp. "Enfatizamos sempre que a extensão é indissociável do ensino e da pesquisa."

Ariane Gonçalves de Aguiar Silva, graduanda das ciências sociais, acabou de concluir uma iniciação científica voltada à metodologia de tecnologia social no Comec, com a qual ressignificou o mundo do trabalho. “Estou com eles há quase três anos. Já passei por diversas atividades. Vamos trabalhando paralelamente à medida socioeducativa. O trabalho é um tema que a gente traz bastante na reflexão com os adolescentes”, salienta.

A partir do vínculo de Ariane nesse projeto de extensão, ela participou da atividade de iniciação científica com financiamento do SAE e identificou várias tecnologias sociais dentro da metodologia. Sua proposta era legitimar os saberes e os fazeres do terceiro setor da ONG dentro do mundo acadêmico, na perspectiva da pesquisa.

Entre outras tecnologias, Ariane focou no grupo do Tie-Dye, dentro do projeto “Ressignificando o mundo do trabalho”. "No grupo, os adolescentes se auto-organizaram com os técnicos de referência e criaram o que para mim é um empreendimento econômico solidário, que responde a demandas objetivas, materiais de vida, e que proporcionaram aprendizado, saberes e discussões."

O Tie-Dye é uma técnica de tingimento artístico de tecidos. Os participantes se apropriaram dela desde a produção até à comercialização, produção de desfiles, atividades culturais. Todo o processo foi feito por eles. “Fazíamos isso através dos grupos específicos, financiados pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e pela Federação das Entidades Assistenciais de Campinas (Feac)”, recorda. 

Esses projetos possibilitam fazer um trabalho mais elaborado: com começo, meio e fim, que é conhecer a técnica, trabalhar empreendedorismo e produto final, e ter vendas. “O resultado foi muito bonito porque os adolescentes de fato se entregaram a esse projeto e tivemos bastante retorno externo”, garante Ariane.

Juliana ressalta que a ONG não faz a inserção do jovem no mercado, mas os ensina como fazer isso. “A preocupação é fomentar o tema ‘trabalho’, pois eles chegam com referências muitos ilícitas aqui. Então fazemos todo um percurso dele olhar o que tem e que pode ser valorizado. Também vivenciam algumas atividades para trabalhar em empreendedorismo.

No programa Prestação de Serviços, o bolsista Eduardo dos Anjos, aluno da licenciatura em matemática, trabalha com estatística na área de TI. Também dá suporte a adolescentes em matemática, por alguma dificuldade ou defasagem específica. “Uma jovem conseguiu entrar num colégio técnico e eu a ajudava a manter o ritmo de estudo na nova escola”, comenta.

Juliana considera muito importante a participação dos bolsistas da Unicamp. É uma relação de troca. A Universidade, em parceria com a ONG, traz um outro olhar: o olhar do ensino, da pesquisa e da extensão, que muitas vezes fica diluído no cotidiano. “Os bolsistas se aproximam da gente e aproximam a Universidade do adolescente, pois essa é uma realidade muito distante desses jovens. Trata-se de uma parceria muito rica que dura há décadas”, constata. A Comec Campinas fica na Rua Abolição, 92, e na Rua Proença, 814. “Quem tiver interesse em conhecer nosso projeto, deve entrar em contato conosco”, convida.