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Abelhas brasileiras: pesquisadores da FCA participam de descoberta com repercussão internacional

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Abelhas estudadas dependem do fungo para sobreviver. Laboratorio de biotecnologia da FCA testou a capacidade microbicida do alimento das larvas

 

O Laboratório de Biotecnologia (Biotec) da FCA Unicamp participou de estudo que identificou, pela primeira vez na ciência, um caso de simbiose entre abelhas e fungos. A investigação – publicada quinta-feira (22 de outubro) na prestigiosa revista científica Current Biology - foi coordenada pelo Dr. Cristiano Menezes, pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, e contou ainda com a participação de pesquisadores da Universidade de São Paulo, Embrapa Meio Ambiente, Instituto de Química da Unicamp e Instituto Tecnológico Vale.

A Scaptotrigona depilis, objeto do estudo, é uma abelha brasileira sem ferrão que alimenta suas larvas com um tipo especial de fungo que se desenvolve dentro da colônia. O achado abre uma nova discussão em relação ao uso dos fungicidas em plantações: estes produtos químicos podem promover a morte indireta das abelhas pois, com a eliminação do fungo, as larvas não conseguem se desenvolver em insetos adultos, impactando negativamente a população das abelhas e, consequentemente, diminuindo a polinização e a produção de frutos.

Era de conhecimento dos pesquisadores que o fungo em questão é similar aos do gênero Monascus, usados há séculos pelos asiáticos como conservantes para os alimentos. Portanto, Augusto Ducati Luchessi, docente da FCA, farmacêutico-bioquímico e coordenador do Biotec, e Isabela Cardoso Fontoura, bióloga e pesquisadora colaboradora do Biotec, realizaram experimentos para investigar a hipótese de que o cultivo dos fungos teria como objetivo a conservação do alimento larval por uma possível ação antibiótica. Para isso, testaram a capacidade microbicida do alimento contra duas bactérias normalmente encontradas na microbiota da pele e intestino de seres humanos (Staphylococcus aureus e Escherichia coli) e observaram uma ação antibiótica importante. Porém, na presença do fungo o alimento perdia esta capacidade.

“Este resultado indicou que o próprio alimento larval por si só possui capacidade microbicida. E, mesmo que nossos resultados não tenham demostrado a mesma capacidade antibiótica do alimento na presença do fungo, sabe-se que há muitas interações simbióticas complexas entre os vários micro-organismos contidos no alimento que podem interferir nesta ação. O importante é que o estudo sugere a presença de compostos com atividade antibiótica que estão presentes  no alimento larval, os quais podem ser investigados abrindo novas perspectivas para o desenvolvimento de formulações benéficas tanto para a saúde humana como das abelhas”, explica Luchessi.

A Unicamp ainda contribuiu com testes que auxiliaram na identificação e composição nutricional dos fungos, por experimentos conduzidos no Instituto de Química, sob coordenação da professora Anita Jocelyne Marsaioli.

 

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Prof. Augusto Luchessi (à esq.), com os pesquisadores Isabela Cardoso Fontoura (Biotec) e Cristiano Menezes, responsável pela investigação (Embrapa)

 

Feliz acaso

A descoberta da simbiose entre as abelhas e o fungo foi feita por acidente. Durante seu doutorado na Universidade de São Paulo, Menezes estava tentando produzir rainhas da abelha sem ferrão em laboratório. Quando mantinha as larvas em uma câmera úmida, o pesquisador observou que um fungo branco começava a crescer descontroladamente e todas as larvas morriam. Ele achava que era um tipo de doença, atacando as abelhas.

Porém, o biólogo observou que também havia fungo nas células de cria naturais crescendo de forma menos intensa. Parecia que algo no ambiente natural das abelhas estava mantendo o fungo sob controle. Ele tentou criar as larvas em um ambiente menos úmido e notou uma grande mudança nos resultados.

“Observei que o fungo cresceu intensamente por alguns dias e depois desapareceu”, disse. “Depois disso, obtive mais de 90% de sobrevivências na criação em laboratório”.

Ele suspeitou que a larva estava se alimentando do fungo e, para tirar a dúvida, gravou o comportamento da larva em uma célula de cria natural e observou que elas cortavam os filamentos dos fungos com as mandíbulas e os ingeriam (veja vídeo).

O fungo se origina do material que as abelhas usam para construir as células de cria. Como as abelhas reciclam esse material e o transportam para a colônia filha durante a enxameagem, o fungo é transferido para as novas células de cria, bem como para as novas colônias fundadas.

Menezes suspeita que outras abelhas também possuem dependência de fungos. Ele afirma que já encontrou fungos similares em outras espécies de abelhas sem ferrão do mesmo gênero e de outros gêneros distintos.

“Simbiose entre abelhas e microrganismos parece ser mais frequente do que nós pensamos anteriormente e recentemente esse assunto tem sido explorado por pesquisadores para melhorar a saúde das colônias”, diz Menezes. “A diversidade de abelhas sociais, sub-sociais e solitárias é tão grande que, especialmente nos ambientes tropicais, é muito provável que outros sistemas de cultivo de microrganismos existam”.

 

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Larvas depositadas pelas abelhas nas células de cria. Sem o fungo que cresce nestas células, as larvas não conseguem sobreviver. 

 

Confira a repercussão da pesquisa em diferentes veículos da mídia nacional e internacional:

 

Newsweek – “Stingless bees ‘farm’ fungus to feed young”

Phys.org – “These social bees farm and eat fungus or die”

New Scientist – “Bees found farming fungus for first time to feed larvae”

Conexão Planeta – “Mandaguaris cultivam fungus promissores”

Band Terra Viva – “Estudo revela que abelhas sociais sem ferrão alimentam suas larvas com um tipo especial de fungo”

Science Daily – “These social bees farm and eat fungus or die”

Maxpress – “Estudo revela que abelhas sociais sem ferrão alimentam suas larvas com um tipo especial de fungo”

Agência FAPESP – “Abelha sem ferrão nativa do Brasil cultiva fungo para sobreviver”

Wissenschaft – “Bienen züchten Pilze als Futter für die Brut”

IFL Science – “Brazilian Stingless Bees Farm Fungus To Feed Their Offspring”

Embrapa – “Sobrevivência de abelha sem ferrão depende de fungo”