A esperança das mudanças climáticas
já passa pelas cidades, diz especialista

27/10/2015 - 16:23

Oitenta e quatro por cento da população que vive no Brasil é da zona urbana. Em 1950, em termos do globo, somente 30% da população vivia nas cidades. Hoje esse número já chegou aos 54%. Em 2050, 66% da população deverá viver nas cidades. Na Europa, América Latina, América do Norte e Oceania o crescimento já ficou acima de 70%. Na África e na Ásia, esse crescimento deve triplicar nos próximos anos. Nesses dois últimos países, que são extremamente populosos, esse crescimento também "já tira o sono", pois já aponta que 40% de suas populações vivem nas cidades.

Esses números assombrosos foram repassados durante o Fórum Permanente Sociedade e Ambiente: Desafios Públicos e Privados das Mudanças Climáticas, realizado nesta terça-feira (27) nas dependências da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, em Limeira, SP. O evento foi organizado pela FCA e promovido pela Coordenadoria Geral da Universidade (CGU). Veja a programação. A palestrante da primeira mesa-redonda, Tatiana Tucunduva, especialista em Mudanças Climáticas pela USP, ilustrou o que acontece nas mudanças climáticas com um exemplo simples. “Muitas pessoas vão à praia e ali permanecem horas. Na volta para os carros, não conseguem entrar em seus veículos por conta do calor excessivo. Essa é a melhor analogia para abordar a questão climática e o efeito estufa."

A despeito da questão ser global, Tatiana elogiou o "trabalho de formiguinha" feito no âmbito das cidades. “Cidade não é qualquer número de habitante e, hoje, a maior parte dos habitantes no mundo já vivem em assentamentos urbanos, cidades com até 500 habitantes. A ONU está sinalizando que o crescimento das cidades vai continuar a todo vapor até 2030 e já há projeções superiores ao ano de 2050. Então qual é o papel das cidades nessa situação ampla que já preocupa?" 

A especialista contou que há 28 megacidades no mundo, entre elas Tóquio, Nova Délhi, Xangai e São Paulo, que se colocam entre as maiores. “Não estamos falando de São Paulo-cidade e sim da sua região metropolitana, que reúne 39 municípios”, revelou. “Lamentavelmente, São Paulo tem problemas que são do tamanho da sua população.”

Segundo ela, a problemática é tão vasta que hoje 2/3 do consumo de energia elétrica se dá nas cidades. E essa situação não acaba por aí: 75% dos resíduos são gerados nas cidades. Tem ainda a questão da imobilidade urbana, que certamente traz grandes impactos sociais e ambientais. “Esses são pontos que sugerem o que a cidade tem de responsabilidade”, salientou.

Em dezembro, vai acontecer a COP21, na França, e deve somar as propostas para o controle das emissões de gases de efeito estufa. Esse novo acordo deverá substituir o Protocolo de Kyoto, de 1997. "Ocorre que não dá para esperar que as mudanças venham unicamente desses eventos apenas. Agora é a hora de mudar”, ressaltou a professora.

Com tantos holofotes nos EUA, a China já passou a primeira maior emissora de gases de efeito estufa e não pretende assumir responsabilidade maior porque está justamente crescendo. O Brasil, no caso, fica esperando para ver o que vai acontecer para a sua população. Desse encontro da COP21, participarão 193 nações. Mas qual é a parcela de responsabilidade de cada um? Conforme a especialista, as cidades já sentem os efeitos das chuvas (ora em excesso, ora em escassez), diferenças de temperaturas em diversos momentos do dia, crescimento desordenado e sem planejamento. Para ela, a questão climática então tem que ser administrada de modo ágil. “Essa iniciativa já está partindo das cidades, visto que os maiores desafios estão nas próprias cidades”, garantiu.

A professora defende que a necessidade de adaptação é imperiosa. “Temos que responder a priori localmente, tendo que agir para não perder o controle. É que o clima age na nossa qualidade de vida. E essa é a chance de ter um futuro melhor, com mais qualidade do ar.” Também é preciso levar em conta que as cidades têm mais acesso ao governo e às iniciativas do Terceiro Setor, entre outras. Felizmente muitas cidades já começaram a se mobilizar e estão demonstrando isso mais do que as nações, informou. “As cidades não vão parar. Elas já estão trocando boas práticas e nessa interação, que deve beneficiar o todo, as redes já se formaram e estão sendo extremamente positivas."

Em 2005, uma das ações que surgiu foi o Grupo C40. Trata-se de um encontro que começou em Londres e em 2011 chegou a SP. Em cada reunião, saem considerações para que as cidades ajam. Em SP, por exemplo, o segundo principal fator de preocupação é o lixo. Mas não basta recolher o lixo, de acordo com a professora. Nele há emissões de metano. Assim, graças a uma parceria, para o lixo de São Paulo estão sendo viabilizadas usinas nos aterros a fim de transformar o que de ruim existe para um destino mais nobre: energia elétrica, a qual já está sendo levada a 600 mil habitantes.

“Temos alcançado resultados favoráveis, e as redes estão movendo cidades em todos os continentes”, ressaltou a docente. “E agora? Se temos a consciência de que o mundo vai continuar a se urbanizar, como vamos fazer para garantir essas políticas para uma adaptação mais rápida?”

Tatiana Tucunduva entende que a questão é real e que as soluções também são reais, apesar da descrença de muitos setores da sociedade. “Os governos locais mostram que esse pode ser o caminho, através da intervenção das cidades. Nos EUA, por exemplo, 42 cidades já contam com políticas avançadas para colaborar com essa questão que é global, mas que também é local”, sublinhou a especialista, que também é graduada em Direito.