Crise hídrica requer uma
abordagem interdisciplinar

12/05/2015 - 16:16

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Sandro Tonso, assessor da Preac

Sandro Tonso, assessor da Preac

Júlio Hadler, coordenador do Penses

Júlio Hadler, coordenador do Penses

José Teixeira Filho, diretor da Feagri

José Teixeira Filho, diretor da Feagri

João Frederico Meyer, pró-reitor da Preac

João Frederico Meyer, pró-reitor da Preac

Orlando Fontes, assessor da CGU

Orlando Fontes, assessor da CGU

Mesa de abertura do Fórum

Mesa de abertura do Fórum

Público do primeiro dia do evento

Público do primeiro dia do evento

Roberto do Carmo, professor do IFCH

Roberto do Carmo, professor do IFCH

Luciana Cordeiro, professora da FCA

Luciana Cordeiro, professora da FCA

Afonso Peche, Sonia Amaro e Roberto Carmo

Afonso Peche, Sonia Amaro e Roberto Carmo

Mesa do segundo dia do Fórum

Mesa do segundo dia do Fórum

Ademar Romeiro e Oscar Sarcinelli, do IE

Ademar Romeiro e Oscar Sarcinelli, do IE

José Saad, ccordenador de projetos do PCJ

José Saad, ccordenador de projetos do PCJ

Rinaldo Calheiros, pesquisador do IAC

Rinaldo Calheiros, pesquisador do IAC

Oscar Sarcinelli, do IE

Oscar Sarcinelli, do IE

Público no segundo dia do evento

Público no segundo dia do evento

A complexidade da crise hídrica exige uma abordagem interdisciplinar e a interlocução dos diversos atores e instâncias decisórias envolvidos na busca por saídas. Essa foi uma das conclusões do Fórum Olhares sobre Nossas Águas: seus usos, qualidade, aspecto, gestão e saneamento, realizado nesta segunda e terça-feira (11 e 12), e que reuniu geólogos, advogados, economistas, engenheiros e químicos, entre outros profissionais, no Centro de Convenções da Unicamp.

No âmbito jurídico, a água é um direito fundamental e bem de uso comum do povo, não devendo ser considerado um bem de domínio público, defendeu a professora Luciana Cordeiro, da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp. Apesar de a Política Nacional de Recursos Hídricos estabelecer que a gestão hídrica deva ser feita de forma descentralizada, considerando a divisão das bacias hidrográficas e a criação de comitês que englobem todos os segmentos da sociedade, muitas vezes a água é tratada como domínio público. Ou seja, ela seria restringida a uma propriedade do Estado, excluindo a participação social, como estabelece a Lei nº 9.433/97, criticou a docente.

Segundo o professor Roberto Luiz do Carmo, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp, a falta da participação popular advém da falta de representatividade e capacidade efetiva de tomada de decisões e da falta de renovação de atores ao longo das duas últimas décadas. Carmo criticou que, à medida que o Estado brasileiro começou a se organizar para fazer valer a legislação ambiental, o setor produtivo agropecuário se articulou para alterá-la.

“Nós precisamos pensar quais são os atores que estão atuando efetivamente nos processos e quais são os processos políticos e econômicos que estão envolvidos. E isso implica pensar em diferentes escalas”. Segundo o demógrafo, enquanto o pequeno produtor está aberto para receber orientações técnicas, o grande produtor, que causa os maiores impactos ambientais, é inacessível.

Além da oferta de água, é necessário levar em consideração a questão qualitativa. O Brasil é o maior consumidor mundial de pesticidas, um dos principais contaminantes de águas subterrâneas e superficiais. Apesar disso, a legislação nacional é muitas vezes omissa em relação ao seu uso e não há um programa de monitoramento de pesticidas em águas superficiais. A química Cassiana Montagner Raimundo, do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, apontou para a questão dos contaminantes emergentes, compostos presentes em diversos ambientes e que oferecem riscos a saúde humana, fauna e flora, tais como pesticidas, efluentes industriais e contaminantes de origem antrópica. Cassiana Raimundo criticou a falta de regulação dos contaminantes, principalmente em ambientes aquáticos, já que interferem no sistema endócrino de diversas espécies.

Sônia Amaro, da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor PROTESTE, criticou a tarifa de contingência cobrada em São Paulo em caso de elevação do consumo, desde dezembro de 2014, sem que ainda não se tenha adotado medidas como o racionamento de água. Ela afirma que, além de outros requisitos previstos na legislação não terem sido efetivamente cumpridos, uma grande campanha de informação deveria ter sido feita para que a população soubesse a real situação de desabastecimento no Estado. “À luz da defesa do consumidor, penalizar o consumidor, antes de serem cumpridos esses requisitos da lei, não seria a melhor forma de conduzir a situação.”

O evento desta semana foi uma continuação do Fórum Sustentabilidade Hídrica: Perguntas, Desafios e Governança, promovido em março na Unicamp. O evento foi organizado pelo Fórum Pensamento Estratégico (Penses), com apoio da FCA, do Instituto de Economia (IE) e da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp.

No Sistema Cantareira, o município de Extrema, no sul de Minas Gerais, foi pioneiro na implantação do sistema de pagamento por serviços ambientais, que remunera o proprietário responsável pela recuperação de áreas degradadas. Esse modelo considera a importância da readequação do solo para aumentar a produção de água no subsolo. Na cidade mineira o pagamento é custeado pela prefeitura, mas seria necessário um aprimoramento desse instrumento econômico de gestão dos recursos hídricos para que pudesse ser multiplicado em outros locais de maneira sustentável,
explicou o professor Ademar Romeiro, do Instituto de Economia da Unicamp.

Para o economista, o consumidor deveria pagar não somente o custo de captação, tratamento e distribuição, mas também o preço da água, que englobaria os serviços ambientais: adequação do solo para a máxima absorção de água, recuperação florestal e manejo racional de pastagens. "Nós fizemos um estudo sobre a disposição da população em pagar pela água e, aqui em Campinas, o resultado foi de cerca de 10 reais por mês na conta. Isso é altíssimo. Ou seja, a população está disposta a pagar, mas o valor nem chegaria a 10 reais", declarou. Oscar Sarcinelli, que foi aluno de doutorado de Romeiro no IE, detalhou durante o fórum um estudo sobre a efetividade da cobrança por serviços ambientais no Cantareira para elevar a produção de água.

O papel das microbacias como importantes produtoras para abastecimento municipal foi o foco do pesquisador científico Rinaldo de Oliveira Calheiros, do Instituto Agronômico de Campinas. Ele criticou o fato de que muitas prefeituras se preocupam em demasia com estações de tratamento de água e esgoto, sem dar a devida atenção para a preservação das nascentes, que poderiam garantir o abastecimento em caso de escassez nos grandes reservatórios. Calheiros especificou a situação das microbacias de Nova Odessa, município autossuficiente na produção de água, onde vem desenvolvendo um trabalho.  Segundo o pesquisador, a autossuficiência hídrica deriva de duas preocupações: a autossustentabilidade hídrica e a seguridade dos mananciais.  Calheiros disse que nascentes degradadas podem reduzir sua produção para apenas 20% de sua capacidade em decorrência do assoreamento.

Lançamento
Durante o Fórum Olhares sobre Nossas Águas, houve o lançamento do livro infantil Clara: Uma Gotinha d'Água, de autoria da professora Luciana Cordeiro. A história é a primeira de uma série de 12 livros que vão retratar os biomas brasileiros, rios, fauna, aquíferos e simbiose de água e florestas. Os personagens principais, inspirados em pessoas importantes da trajetória da autora, são os “guardiões da água”. A narrativa retrata também temas econômicos e sociais do Brasil.

O livro já está disponível nas versões impressa e em e-book, em versões em português, espanhol e inglês, e foi lançado na plataforma Kickante. “A ideia é que as crianças mostrem para os seus pais. Eu sou professora de Direito Ambiental. Eu falo sobre água para adultos desde 1999. Eu vejo que, às vezes, isso é em vão. O conhecimento verdadeiro tem que ser sentido. Eu vejo que a forma de conseguir isso é por meio das crianças”, afirmou a docente da FCA.

Saiba como foi o Fórum Sustentabilidade Hídrica: Perguntas, Desafios e Governança.