Ennio Peres
lança livro
sobre fontes
renováveis
de energia

30/04/2015 - 15:40

O professor Ennio Peres da Silva, coordenador do Laboratório de Hidrogênio do Instituto de Física “Gleb Wataghin” da Unicamp, acaba de lançar o livro Fontes Renováveis de Energia, com foco na produção de energia para o desenvolvimento sustentável. Ele explica que desenvolvimento sustentável envolve uma série de critérios que uma sociedade tem que ter para que não haja comprometimento de seus recursos naturais e de sua disponibilidade para as futuras gerações. E mais: é fundamental que essas energias sejam renováveis, não esgotáveis e com baixos impactos ambientais. Nesse sentido, o Brasil tem investido na diversificação dessas fontes, ponto de vista defendido por Ennio nessa segunda obra que ele escreve em carreira-solo, já disponível no site da Editora Livraria da Física. Segundo ele, a maioria das fontes renováveis produz energia elétrica, com exceção da biomassa. E como fazer para ter um combustível dessas fontes? A opção sugerida pelo físico é o hidrogênio. “Com essa proposta, consigo transformar energia elétrica em um combustível muito limpo. A Toyota acaba de anunciar que nesse ano colocará à venda um carro movido a hidrogênio. A Hyundai vai na mesma linha. O Laboratório de Hidrogênio da Unicamp faz estudos sobre esses carros há anos e inclusive construiu um veículo – o Vega. Foi uma iniciativa pioneira, visto que agora ainda iniciará essa produção no mundo. Os públicos-alvos do livro são os universitários e o público em geral. Leia a seguir uma entrevista do professor Ennio Peres ao Portal Unicamp, abordando as fontes renováveis e suas possibilidades.  

PU - Sobre o que essa obra versa?
Ennio Peres – São ao todo 356 páginas com dez capítulos e alguns apêndices. Os capítulos descrevem as diferentes fontes renováveis de energia. Nos dois últimos deles, um fala da união dessas fontes para estabelecer um conjunto de suprimento de energia num país. Então é a interação entre as fontes, na qual aparece o hidrogênio – tema com o qual trabalho desde que ingressei na Unicamp. O hidrogênio faz esse papel de moeda energética ligando todas as fontes e produzindo um vetor energético. Ele é capaz de ser produzido por todas as fontes, inclusive as fósseis (não renováveis). Depois esse hidrogênio pode ter múltiplas aplicações, desde o setor automotivo até o setor estacionário, atendendo às demandas como insumo químico onde o hidrogênio aparece. Por fim, trabalhamos com a parte ambiental, mediante um resumo, para que o leitor faça uma consulta rápida e tenha tabelas onde aparecem os preços, os valores energéticos, visando ser uma obra útil para quem trabalha na área de energia.  

PU - Como dimensiona a importância dessas fontes renováveis atualmente? 
Ennio Peres – Vivemos um momento de transição no Brasil e no mundo. Estamos deixando de usar as fontes fósseis que a humanidade, desde a Revolução Industrial, optou por elas, primeiramente com o carvão e depois com o petróleo. Algumas mais recentes, como o gás natural, que também é fóssil, aparece de forma significativa, por ser mais barato. Eram as fontes que mais estavam às mãos e alguns países que desenvolveram tecnologias de uso tinham grandes reservas dessas fontes. Então elas foram as primeiras a serem adotadas. Posteriormente, começamos a perceber que havia impactos ambientais importantes por causa disso. Principalmente a partir da Rio 92, percebemos a questão das mudanças climáticas globais. Então tornou-se um problema de todo mundo. E um principal causador desse efeito é a liberação de gás carbônico pelo uso das fontes fósseis, porque essas fontes são carbonos que foram produzidos pelas plantas, os quais retiraram isso do ar. Na verdade, as plantas limparam o ar nas suas atmosferas primitivas. Tínhamos uma grande quantidade de gás carbônico. As plantas foram o empregando, limpando a atmosfera e liberando oxigênio, o que permitiu a vida animal no planeta. Ocorre que, durante esses processos, toda essa biomassa foi soterrada e se transformou em carvão, petróleo, e hoje estamos extraindo-o do subsolo, queimando e jogando de volta na atmosfera. Então estamos sim refazendo o que as plantas fizeram, com a diferença que elas limparam e as pessoas estão sujando. Isso criou um problema imediato, que é o aquecimento global. Não há consenso absoluto sobre o assunto, porém a grande maioria dos pesquisadores do mundo diz que não. Esse aquecimento é indiscutível porque nós medimos as temperaturas da biosfera do planeta e ano a ano ela está subindo. O ano de 2014 foi um dos mais quentes na história de séculos, desde que passamos a medir essas temperaturas. Trouxe consequências climáticas graves.

PU – Que consequências foram essas?
Ennio Peres – Acabamos de passar no Brasil por uma seca histórica, que a gente chama de eventos climáticos extremos. Também vimos nevascas extremas no inverno passado no Hemisfério Norte, ao mesmo tempo que inundações na Austrália. Começam a acontecer esses eventos extremos e acabamos de ter um tornado, um evento que raramente tínhamos e que agora passamos a ter. Tudo isso se deve ao fato de que esse aquecimento da biosfera, essa casquinha onde vivemos, na superfície do planeta, está provocando uma maior movimentação da atmosfera dos ventos e o deslocamento dessas massas de ar, arrastando essas nuvens e a umidade de forma mais rápida, de um lado para o outro, o que está mudando as coisas em relação ao que estava. A humanidade se estabeleceu no planeta nas condições que tinha há milhares de anos. Agora, as coisas estão mudando e provocando prejuízos. Claro que o principal deles é a morte de pessoas, além dos prejuízos econômicos.

PU – Como operar esse quadro?
Ennio Peres –
Inexoravelmente, é preciso deixar de jogar gás carbônico na atmosfera. Uma linha deve consistir em reduzir o consumo de fósseis ou sequestrar o gás carbônico produzido por elas, devolvendo-o para o interior da Terra. Essa opção vem sendo buscada principalmente pelos norte-americanos, porque eles são grandes usuários das fontes fósseis. A ideia é pegar o gás carbônico, oriundo do uso dos combustíveis, e devolver de novo nos buracos esgotados, vazios, da onde o petróleo e o gás já foram retirados. É uma tecnologia que tem um preço e que ainda não temos certeza da sua eficácia. É claro que não usar é melhor. A outra linha consistirá em aumentar o uso das fontes renováveis, que é uma coisa que muitos países estão fazendo, inclusive aqueles que dizem que não vão fazer, como o próprio Estados Unidos e a China. Esse enorme desenvolvimento da China, nas últimas décadas, fez com que o país produzisse grande quantidade de energia a partir do carvão, tornando-se rapidamente o maior emissor de gás carbônico do mundo, ultrapassando os Estados Unidos. Mas ambos são muito reticentes e contrários aos acordos internacionais, como o Protocolo de Kyoto. Eles sabem que essa coisa é inexorável. Eles não vão poder continuar explorando essas fontes dessa forma. A saída são as fontes renováveis, por ser a melhor opção. 

PU – No livro, o sr. fala das principais fontes renováveis. Quais são elas atualmente?
Ennio Peres - 
Temos um leque de opções que a natureza mobiliza. A principal é a energia solar, que é a fonte dessas fontes, inclusive das fósseis. A energia fóssil (o petróleo, o carvão) é uma energia solar que as plantas capturaram e soterraram no subsolo. Quando fazemos uso dessas fontes, estamos na verdade empregando uma energia solar de milhares de anos. Mas era solar.

Hoje a solar propicia o uso direto. Atualmente, temos um grande avanço no mundo, que no Brasil está começando, sobre a energia solar fotovoltaica. Ela produz energia elétrica a partir do sol. São placas colocadas em cima de telhados em espaços disponíveis em que se converte a luz do sol em energia elétrica diretamente. Ela não produz barulho e nem poluição. Existe, é claro, o processo de fabricação desses painéis, uma atividade industrial com todos os seus impactos, obviamente. Porém, uma vez colocado nas localidades, eles somente geram energia elétrica. O ruim é que geram energia elétrica só de dia, quando existe sol, e à noite não. Isso faz com que o custo desses equipamentos ainda seja elevado, apesar de terem uma queda significativa, sobretudo por conta da China e do ganho de escala: quanto mais se usa, mais barato fica. É o que acontece com os fósseis. A gente está usando isso há séculos. Então o preço é baixo. Contudo, os impactos não estavam sendo computados. Agora estão. Com isso, observou-se que não estão ficando tão baratos assim.

A outra fonte importante é a energia eólica, que é a energia dos ventos. Essa energia no mundo inteiro é a bola da vez. Há um boom dessa energia também no Brasil. É a fonte que mais tem crescido em termos de uso porque ela é renovável. Os ventos acontecem o dia inteiro, embora havendo uma sazonalidade. Estamos escolhendo primeiramente aquelas regiões onde venta mais e também mais constantemente. E isso é uma energia que hoje tem uma economicidade. Está mais barata que o gás natural, por exemplo. E ela não impacta praticamente nada. Não tem reservatórios. Tem um aerogerador, um catavento que fica girando. Embaixo é possível plantar cana, soja e outras culturas, e colocar gado. É certo que faz um pequeno ruído, uma espécie de assobio, quando o vento está forte, mas não chega a causar incômodo. Essa tem sido uma boa ferramenta. É a fonte que mais cresce no mundo.

Agora, o Brasil já faz uso da energia hidráulica, que são as hidrelétricas, uma fonte renovável convencional. Já fizemos uso de quase todo o seu potencial. Nas regiões Sul e Sudeste, estão praticamente esgotadas. No Nordeste, por ter poucos recursos hídricos, esse uso foi menor. Mesmo assim, no rio São Francisco já foi explorado o seu potencial disponível. No momento, temos como opção a região amazônica. Só que essa região é muito complicada do ponto de vista ambiental. É plana e qualquer barragem que for construída inunda grandes áreas. O seu impacto então é elevado. Logo, é uma fonte que temos tido muitas restrições. A Usina Belo Monte está aí e envolveu uma grande briga. Teles Pires foi outra usina que deu problema. Por isso, estamos utilizando essa fonte com parcimônia. Ainda existem outras fontes no mundo que infeliz, ou felizmente, no Brasil não estão disponíveis. 

PU – É o caso da fonte geotérmica? 
Ennio Peres –
Sim, trata-se de uma fonte maravilhosa. É realizado um buraco no chão, da onde obtém-se calor do interior da terra, com impactos ambientais mínimos. Temos essa energia 100% do tempo na quantidade necessária, porque será feito um sistema para capturar o calor que for preciso. Tal calor gera um vapor. Este vapor aciona uma turbina, gerando energia elétrica o tempo todo, e a um preço muito baixo. Só que não temos esse potencial no Brasil porque o nosso país está em cima de uma placa tectônica muito estável. Então não temos terremoto e nem vulcões. Assim, essa fonte apenas é viável em lugares em que a crosta é fina. Então todos aqueles países que fazem parte do ‘círculo de fogo’ (todo o entorno do Oceano Pacífico) têm um enorme potencial dessas fontes, como as regiões por exemplo do México e do Golfo do México. Só que esses lugares estão sempre associados a terremotos e a vulcões. Então é ruim não termos essa fonte, mas ao mesmo tempo é bom, porque então teríamos esses eventos indesejados. 

PU – Temos outras fontes?
Ennio Peres – Temos ainda a energia das ondas, que também está presente em 100% do tempo disponível. O Brasil não tem um grande potencial, já que não temos grandes ondas, diferente do Havaí e da Austrália. Essa fonte precisa de altura das ondas. Nós não temos tanto, mas é um potencial que sairia muito caro, por termos ondas baixas. Então não estamos fazendo isso no momento. A energia das marés é outro caso que temos muito pouco. No mundo, são algumas opções que os países estão vislumbrando porque usam o que têm. Temos ainda a biomassa, uma energia cultivada. O Brasil faz um grande uso do etanol e entramos no biodiesel. A expansão dessas áreas possui questões ambientais que temos que cuidar, do ponto de vista da sustentabilidade. As biomassas competem com os alimentos, que têm uma demanda diária e têm toda uma atividade agrícola. Se por um lado trazem emprego, por outro trazem impactos ambientais. Então não podemos pensar em transformar o Brasil num canavial ou num monte de soja para fazer biodiesel e para não consumir derivados de petróleo. Isso não é possível. Tem que ter um equilíbrio do uso dessas fontes.   

PU – O que o sr. propõe?
Ennio Peres –
Uma medida importante é a diversidade, porque nós temos que ter muitas fontes, usando um pouco de cada uma delas. Porque essas fontes renováveis têm uma certa sazonalidade. Então o sol tem de dia e não tem de noite. E o vento tem períodos de maior intensidade e períodos de menor intensidade. Com a hidráulica, acontece a mesma coisa. Com esse longo período de seca, ficamos sem água nas barragens. Então o que tivemos que fazer? Usar todas que estiverem disponíveis e jogar tudo na rede de energia elétrica, buscando um equilíbrio: quando uma falta, a outra sobra, e deste modo temos disponibilidade. O Brasil tem procurado fazer diversificações nessa fase, todavia ainda temos a incerteza do que vai acontecer com o Pré-Sal: se vamos sujar a nossa matriz energética, que sempre foi muito limpa. Temos igualmente que atentar para o caso dessas fontes renováveis que produzem energia elétrica, com exceção da biomassa.

PU – E como fazemos para ter um combustível dessas fontes?
Ennio Peres -
A opção que está no livro é o hidrogênio. Dele conseguimos transformar energia elétrica em um combustível limpo. Se formos usar num veículo, ele vai produzir somente água. A empresa Toyota acaba de anunciar que colocará à venda nesse ano um carro movido a hidrogênio. A Hyundai está fazendo a mesma coisa. Os estudos da Unicamp são pioneiros nesse sentido. Construímos um veículo – o Vega – para aprender como era essa tecnologia. Foi algo de fato pioneiro, pois agora que vão começar essa iniciativa no mundo. Estamos fazendo a nossa parte. O livro deve contribuir para isso também. Esperamos que o Brasil continue sendo um país com uma matriz energética bastante limpa e o mais sustentável possível. A obra lançada pela Editora Livraria da Física está disponível em seu site. Pode ser adquirida pela internet ao preço promocional de R$65,75.

SERVIÇO
Título: Fontes Renováveis de Energia
Autor: Ennio Peres da Silva
Editora: Livraria da Física
Páginas: 356
Preço: R$65,75 (promoção)