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Alunos produzem vídeos que discutem o acidente de trabalho como construção social

SANDRA GEMMA

Profª. Sandra Gemma, dos cursos de Engenharia de Produção e Manufatura e responsável pela disciplina                                        Higiene e Segurança do Trabalho para a qual os alunos produziram os vídeos

 

texto e foto | Cristiane Kämpf

 

O acidente de trabalho é uma construção social e, portanto, não pode ser visto simplesmente como decorrência de uma "falha", "insucesso" ou "descuido" individual do trabalhador. Há fatores tecnológicos, econômicos e políticos que determinam as condições sociais para que o acidente ocorra e que deveriam ser levados em conta quando se propõe uma análise de suas causas – o erro não pode ser individualizado. Estes conceitos foram discutidos no segundo semestre deste ano na disciplina Higiene e Segurança do Trabalho, sob responsabilidade de Sandra Gemma, professora dos cursos de Engenharia de Produção e Manufatura e especialista em ergonomia, saúde e trabalho.

Com o apoio de uma densa bibliografia acadêmica, aproximadamente 120 alunos foram divididos em grupos e traduziram os conceitos relacionados à temática da disciplina para o formato de vídeos, os quais compuseram a avaliação final do semestre. "Eles elaboraram também um trabalho escrito que me permitiu verificar o entendimento dos conceitos e os vídeos foram avaliados segundo critérios como adequação ao tema proposto, inovação e qualidade do conteúdo, assim como em relação ao que chamei de 'poder pedagógico' – o quanto ele realmente serve para esclarecer o assunto para o público não-especialista", explica a professora.

Ela afirma que o objetivo do projeto (denominado Vídeo Mukit, palavra em sânscrito que significa liberdade ou libertação) é que os vídeos produzidos sirvam para elucidar o assunto para trabalhadores e estudantes do ensino médio e, portanto, estimular os graduandos a compartilhar o conhecimento produzido durante as aulas na universidade. "A ideia é que o processo de produção do vídeo pode ser libertador, pois permite, ao mesmo tempo, ensinar, aprender e se divertir", diz Sandra. A disciplina é oferecida no segundo semestre de cada ano e, no segundo semestre de 2013, os temas propostos se relacionavam com as normas regulamentadoras brasileiras, conhecidas como NRs.

 

Díficil e divertido ao mesmo tempo

 

"Estes alunos são futuros engenheiros e devem saber quais são e como podem ser identicadas as verdadeiras causas dos acidentes de trabalho. Em algum textos da disciplina são analisados casos muito clássicos de acidentes de trabalho, como o Desastre de Bophal, Chernobyl, Three Mile Island... ou seja, são análises detalhadas não somente das causas, mas também das repercussões destes acidentes para toda a sociedade e para a comunidade onde eles ocorreram", explica a professora.

Os grupos têm bastante trabalho com a produção do filme, que pode ter no máximo 10 minutos de duração. É preciso criar um roteiro, bolar trilha sonora, escolher personagens, atuar, fazer a filmagens e edição, colocar legendas e, principalmente, produzir conteúdo adequado aos temas e conceitos teóricos discutidos durante as aulas. É necessário também que os alunos façam uma avaliação escrita sobre o processo de produção do vídeo, contando sobre dificuldades que enfrentaram e novas habilidades que puderam desenvolver, já que a formação em engenharia normalmente não conta com atividades que fomentem capacidades mais relacionadas às artes. Os grupos também avaliam e atribuem notas aos trabalhos dos outros colegas.

Os grupos consideraram a nova forma de avaliação ao mesmo tempo didática e dinâmica. "Apesar de apresentar informações bastante técnicas e específicas, o vídeo também ficou educativo e simples. Produzi-lo foi um desafio pois, para ser capaz de descomplicar conceitos, é preciso primeiro conhecê-los muito bem. Nos sentimos desafiados a aprender para poder ensinar melhor", avaliou um deles.

"A experiência de gravar o vídeo foi ao mesmo tempo bem divertida e difícil. A filmagem foi difícil pois o grupo não tinha experiência alguma sobre disposição de câmeras, luz, som, nem mesmo criação ou direção de roteiro. O resultado ficou amador, mas foi possível se aprofundar nos conceitos e produzir um conteúdo com referência ao tema abordado na disciplina", escreveu outro.

A professora avalia que a iniciativa é válida, pois percebe que os alunos acabam tendo que estudar mais os artigos e livros para poder compreender melhor os conceitos abordados a fim de transformá-los em vídeos de valor pedagógico. Ela comenta que outra professora da engenharia gostou da ideia e já adotou sistemática semelhante em sua disciplina.

A intenção de Sandra é que os engenheiros egressos da Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp possam contribuir para a construção de espaços e ambientes de trabalho que contribuam para o desenvolvimento humano, na medida em que aprendem a refletir sobre o papel das organizações na construção da saúde ou de acidentes e doenças: "É preciso que eles questionem a visão dominante e simplificadora das causas dos acidentes e doenças do trabalho, pois não são somentes fatores humanos, mas também tecnológicos e organizacionais que contribuem para que eles ocorram". Espera-se ainda que, com o passar dos anos, os alunos de engenharia construam e aperfeiçoem estas habilidades e sejam capazes de elaborar vídeos cada vez melhores com o intuito de divulgar conceitos relacionados à higiene e segurança do trabalho para um público não-especialista.