Edição nº 615

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 21 de novembro de 2014 a 30 de novembro de 2014 – ANO 2014 – Nº 615

Telescópio


Transparência na medicina

A edição da última semana da revista Newsweek traz uma longa reportagem sobre a necessidade de maior transparência na divulgação dos resultados dos testes clínicos que levam à aprovação ou rejeição de novas drogas. A revista nota que a íntegra dos testes, com todos os dados obtidos, muitas vezes só fica disponível para os órgãos reguladores e não chega aos periódicos científicos e, por meio deles, aos médicos. 

Além disso, muito do que vem a público acaba filtrado pelo chamado “viés de publicação”, a tendência dos pesquisadores de só oferecer às revistas especializadas trabalhos com resultados positivos, o que pode fazer com que médicos ou mesmo agentes de saúde pública não envolvidos no processo regulatório permaneçam na ignorância de riscos e limitações importantes dos tratamentos aprovados. A reportagem, em inglês, pode ser lida neste link.


Honestidade em teste

Três economistas da Universidade de Zurique publicam, na revista Nature, um experimento realizado para testar a hipótese de que os grandes bancos internacionais fomentam, entre seus funcionários, uma “cultura de desonestidade” que teria sido uma das causas da grave crise econômica desencadeada em 2008, e descobriram que os bancários de uma grande firma internacional não são mais desonestos que a população em geral – exceto quando se lembram de que são bancários.

Participaram do estudo 128 funcionários de “um grande banco internacional”, que não foi identificado no artigo. Eles foram divididos em dois grupos, sendo que um respondeu a um questionário genérico – perguntando, por exemplo, quantas horas de TV o voluntário assistia por semana – e o outro, a um questionário criado especificamente para fazer a pessoa se lembrar de seu vínculo profissional com o mercado financeiro.

Depois, pediu-se que cada voluntário jogasse uma moeda para o alto 20 vezes, num espaço privado, e registrasse o resultado da sequência. Para cada arremesso, os voluntários sabiam qual resultado – cara ou coroa –  traria um prêmio de US$ 20.

O grupo que respondeu aos questionários genéricos informou 51% de arremessos premiados, ante 58% do grupo que manteve a identidade profissional em evidência. Trapacearam 26% dos bancários. Os autores afirmam que o efeito é específico da categoria, já que estudos-controle feitos com estudantes e outros grupos de profissionais não reproduziram o efeito.

 

Computador cria truques de mágica

Um software de inteligência artificial desenvolvido por pesquisadores da Queen Mary University of London foi capaz de criar um truque de mágica com cartas e um quebra-cabeça “mágico”, depois de assimilar o funcionamento de truques estabelecidos e de receber informações sobre a psicologia da ilusão, diz artigo publicado no periódico Frontiers in Psychology. Ambos os truques se valem de princípios matemáticos para funcionar.

“A inteligência do computador é capaz de processar muito mais informação e de investigar todos os resultados possíveis de uma maneira que é quase impossível para uma pessoa fazer sozinha”, disse, por meio de nota, um dos autores do trabalho, Howard Williams. “Então, mesmo que um membro da audiência já tenha visto uma versão desse truque antes, a Inteligência Artificial pode usar princípios matemáticos e psicológicos para criar inúmeras novas versões”. 

O quebra-cabeças, chamado “Doze Magos de Osíris”, pode ser encontrado neste link, que inclui também uma explicação da ciência por trás da “magia”. Já o truque de cartas está disponível como um aplicativo para celulares Android, na loja do Google Play.

 

O fim dos assírios

Superpopulação e seca levaram ao fim do Império Assírio, no século 7 antes da era comum, argumenta artigo publicado no periódico Climate Change. O chamado Novo Império Assírio chegou a dominar praticamente todo o Oriente Médio, do Egito ao Golfo Pérsico, incluindo terras que hoje pertencem a Israel, Palestina, Turquia, Síria e Iraque, no início do século 7 AEC, mas décadas depois já se encontrava em desintegração, fraturado por guerras civis. 

Os autores do novo artigo, baseados nos Estados Unidos e na Turquia, associaram informações sobre o clima da época ao conteúdo de uma carta escrita por um astrólogo ao rei, informando que “não houve colheitas” no ano de 657 AEC. Dados paleoclimáticos corroboram o informe do astrólogo, e análises dos padrões de clima da região indicam que a seca de 657 foi apenas uma em uma série que se estendeu por vários anos. Além disso, a população de cidades como a capital, Nínive, teria sobrecarregado ainda mais a economia.

“Não estamos dizendo que os assírios de repente morreram de fome ou foram forçados a fugir das cidades e vagar pelo deserto”, disse, em nota, um dos autores do artigo, Adam Schneider, da Universidade da Califórnia em San Diego. “Estamos dizendo que a seca e a superpopulação afetaram a economia e desestabilizaram o sistema político até o ponto em que o império não era mais capaz de conter a desordem interna e a agressão de outros povos”.

 

Urânio derretido

Pela primeira vez, cientistas conseguiram realizar uma análise detalhada do dióxido de urânio em estado líquido. Radioativo, o dióxido de urânio é um importante componente do combustível de reatores nucleares, e pode derreter-se e vazar, no caso de acidentes nesse tipo de instalação. A compreensão das propriedades do material liquefeito é importante por questões de segurança, mas tanto seu caráter radioativo quanto as altas temperaturas envolvidas dificultam a pesquisa. O estudo, realizado com o uso de raios-X emitidos por um síncrotron e amostras aquecidas por raios laser, foi publicado na revista Science, e revelou diferenças importantes na forma como os átomos de oxigênio se organizam entre os estados líquido e sólido. 

 

Domínio fóssil

O consumo de combustíveis fósseis no mundo deve continuar a crescer por pelo menos mais duas décadas, prevê a Agência Internacional de Energia (AIE), em seu mais recente relatório anual, divulgado no início do mês. E esse crescimento será impulsionado, principalmente, por Ásia, África, Oriente Médio e América Latina.

A demanda mundial por petróleo cru deve continuar crescendo até estabilizar-se em 2040, chegando a 104 milhões de barris por dia, e a demanda por carvão deve atingir seu nível máximo em 2020. Já a demanda por gás natural continuará a subir, mesmo no cenário pós-2040.

O relatório lembra que os temores quanto à segurança da matriz nuclear fizeram com que a maioria das democracias ocidentais deixasse de lado planos para expansão do setor, e pelo menos metade dos mais de 400 reatores nucleares operacionais no fim de 2013 terão sido desativados até 2040.

O papel das fontes renováveis e de baixo carbono tende a crescer nas próximas décadas, mas mesmo assim mais 1 trilhão de toneladas de dióxido de carbono serão emitidas pela atividade humana até 2040.

 

Crédito e coração

Estudo realizado com dados de mais de mil moradores da Nova Zelândia indica uma correlação entre o score de crédito – um dado estatístico usado para avaliar a probabilidade que uma pessoa tem de honrar seus compromissos financeiros – e a saúde do sistema cardiovascular. O trabalho, de autoria de pesquisadores dos Estados Unidos, Reino Unido e Nova Zelândia, foi publicado pelo periódico PNAS.

A pesquisa conclui que há uma correlação negativa entre os dois fatores: quanto menor o score de crédito, maior o risco de doenças cardiovasculares. Os autores afirmam que disparidades de renda familiar não bastam para explicar o efeito, que parece envolver fatores de “capital humano”, como nível educacional, capacidade cognitiva e capacidade de autocontrole. Essas características de capital humano “respondem por cerca de 44% da correlação entre scores de crédito e risco cardiovascular”, diz o artigo. 

Como muitos desses fatores se desenvolvem na infância, os autores concluem que “atitudes características, comportamentos e competências (...) desenvolvidos na primeira década de vida dão conta de uma porção significativa do elo entre score de crédito e risco cardiovascular na meia-idade”.

 

Vento esteriliza galáxias

O “vento” produzido pelo movimento de uma galáxia através da nuvem de gás que existe no centro dos aglomerados galácticos remove dela o material necessário para o nascimento de novas estrelas, diz estudo publicado no Astrophysical Journal.

A descoberta, resultado de uma série de observações dos telescópios espaciais Hubble e Spitzer, confirma a hipótese de que, à medida que uma galáxia “livre” é capturada por um aglomerado, encontra a nuvem de gás do centro do conjunto e, ao deslocar-se nesse meio, vê átomos e moléculas de seu interior serem soprados para longe, sem que suas estrelas ou outros objetos de maior massa sejam perturbados.

A conclusão ajuda a explicar porque galáxias de aglomerados têm menos gás e menos formação de estrelas que galáxias livres. As observações descritas no Astrophysical Journal mostram um rastro de hidrogênio que vai ficando para trás, à medida que a galáxia se desloca.