Fórum Permanente aborda desafios
para o combate ao trabalho escravo

19/11/2014 - 15:00

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Marcelo Gonçalves, auditor fiscal

Marcelo Gonçalves, auditor fiscal

A professora Silvia Lara, organizadora do Fórum

A professora Silvia Lara, organizadora do Fórum

Público no Centro de Convenções

Público no Centro de Convenções

Professor José Marcos, assessor da CGU

Professor José Marcos, assessor da CGU

O dia posterior à sua libertação, os escravos brasileiros não tinham para onde ir, não tinham dinheiro e a sua perspectiva de futuro era tenebrosa. Estavam soltos no mundo. A libertação não foi a única conquista de que necessitariam. Não teriam acesso a terras, pois o Estado brasileiro não criou instrumentos jurídicos para ampará-los. Esse contexto foi lembrado por Marcelo Gonçalves Campos, auditor fiscal do trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, no último Fórum Permanente da Unicamp deste ano, sobre Políticas Públicas e Cidadania: Trabalho Análogo à Escravidão – Desafios Acadêmicos e Políticos. Organizado pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e coordenado pela professora Silvia Hunold Lara, o evento é promovido pela Coordenadoria Geral da Universidade (CGU).

O palestrante, que abordou a política de combate ao trabalho escravo, perguntou à plateia, que se reuniu no Centro de Convenções da Universidade, se é preciso avançar ou recuar? Embora não respondendo ao seu questionamento, as pessoas que participaram do evento estavam visivelmente interessadas no assunto e na extirpação desse mal que subjuga as classes economicamente menos favorecidas, sobretudo quilombolas. “Apesar do trabalho hoje ser, na teoria, livre e assalariado, não está livre e nem assalariado”, criticou ele.

Marcelo pontuou que, na Europa, na América Espanhola, nas Antilhas e no Brasil, a experiência do trabalho escravo foi marcante, mas que no Brasil ele demorou muito a acontecer, sendo um dos últimos países a fazer a libertação. “O trabalho escravo não é exótico e nem fora do capitalismo. O Brasil passou por 300 anos com um mesmo modelo jurídico de ver os escravos. Não eram considerados seres humanos e a sociedade de então se relacionava com eles como se relacionava com uma vaca. Isso nos ajuda a compreender o conceito moderno de escravidão e superá-lo”, comentou.

No entanto, o auditor fiscal salientou que o país evoluiu, principalmente no direito de ir e vir. “Caso existisse um escravo fujão, ele era recuperado pelo capitão-do-mato”, recordou. Um marco histórico foi a libertação pela princesa Isabel. “Foi algo relevante sim, porém, antes de 1888, a elite brasileira criou a lei das terras cujas delineamentos diziam claramente que o acesso à terra se daria apenas pela compra monetária. Como os escravos não tinham dinheiro, não teriam terras, sendo que o país era essencialmente agrário.”

Deste modo, o palestrante chegou à triste constatação de que as relações de trabalho continuaram as mesmas após a libertação, muito pouco mudando no século 19. No século 20, veio a Consolidação das Leis do Trabalho (CTL), uma esperança. Contudo, nova estratégia foi pensada: fazer um dispositivo em que a CLT não se aplicaria aos trabalhadores rurais, visto que a justiça do trabalho era eminentemente urbana. “Saímos de uma escravidão juridicamente assentada, mas o comércio dos escravos talvez tenha sido o negócio mais rentável”, afirmou.

Com a queda da Ditadura e a construção da Constituição de 1988, foi mobilizada uma ampla participação da sociedade civil, que pressionou os governantes, conseguindo grandes avanços em termos dos direitos laborais. Houve a criação do Ministério Público do Trabalho e uma mais efetiva fiscalização das instituições, fazendo pressão para o cumprimento da lei. Com o reforço do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), os agentes do Estado passaram a ser melhor qualificados e, em 1995, o Brasil reconheceu o trabalho análogo à escravidão. “O presidente Fernando Henrique foi obrigado a reconhecê-lo graças ao apelo de um trabalhador brasileiro à Corte Americana, que estava sendo submetido a condições precárias de trabalho”, ressaltou Marcelo, que é graduado em História e em Direito.

Um avanço, na sua opinião, foi que hoje a fiscalização começou a ser mais ostensiva e o tema passou a ter uma maior abordagem na sociedade e na academia. São diversas teses e pesquisas feitas pelas universidades denunciando que ainda hoje o trabalhador é oprimido e trabalha em jornadas jornadas excessivas. Muitas formas de trabalho são ocultadas pela expressão trabalhos forçados, embora quase sempre impliquem o uso de violência.  A escravidão os expõe a um trabalho degradante, com privação de liberdade e sem os equipamentos de proteção na zona rural e urbana. Além dos trabalhadores ficarem comprometidos com uma dívida interminável, ficam com documentos retidos e geograficamente isolados.