Biólogo treina
cientistas
nativos em
Papua-Nova
Guiné

19/11/2014 - 11:28

Investigando insetos que se alimentam de árvores nas florestas tropicais da Papua Nova Guiné

O biólogo tcheco Vojtech Novotny chegou pela primeira vez à Papua-Nova Guiné há duas décadas, para um período previsto de seis meses estudando as interações entre os insetos e as plantas nas florestas que, ainda hoje, cobrem cerca de 70% do pequeno país: com 463.000 km², Papua-Nova Guiné é menor que o Estado da Bahia. Acabou ficando dois anos, que se desdobraram num programa de estudos que perdura até hoje. Esse programa se destaca tanto pela grande produtividade – com cerca de 400 mil redes de interações entre plantas e insetos já descritas – quanto pela estratégia de envolver a população indígena de aldeias remotas no trabalho científico, treinando moradores desses locais como técnicos e oferecendo-lhes oportunidade de estudo. 

“Eu diria que no país todo há dez doutores de biologia, hoje em dia, e nós treinamos, de uma maneira ou de outra, metade deles. É algo de que me orgulho”, disse Novotny ao Portal Unicamp. Ele está passando um mês na Universidade de Campinas, onde já deu palestras pala alunos de graduação e pós, além de ter participado de curso de campo com pós-graduandos na Mata Atlântica. “E nós estamos reanalisando alguns dados que ele trouxe da Papua-Nova Guiné, porque temos algumas maneiras de explorar esses dados dados que são diferentes do que eles têm feito por lá”, explicou o professor Thomas Lewinsohn, do Instituto de Biologia (IB).

Novotny se refere aos técnicos e pesquisadores que forma entre os indígenas como a “arma secreta” de seu trabalho. Ele explica: “Eu percebi que podia levar estudantes da Europa ou de outros lugares para a Papua-Nova Guiné, mas mesmo que eles estejam muito interessados em biologia tropical, o fato é que a floresta é um ambiente novo para eles, e psicologicamente é como se estivessem numa aventura, contando os dias para voltar para casa”, disse. “Já para um papua, que cresceu numa vila e vive cercado pela floresta o tempo todo, trabalhar em pesquisa biológica nessa mesma floresta é normal. Trabalhar com eles permite manter projetos de pesquisa de longo prazo na floresta tropical, o que de outra forma seria muito difícil de fazer”. 

O pesquisador lembra que a Papua-Nova Guiné é uma nação jovem, independente apenas desde 1975, e com um setor de educação superior voltado fundamente para o ensino, não para a pesquisa, o que amplifica o impacto de seu programa de treinamento. “Temos cerca de 50 pessoas passando por nosso sistema, com diferentes resultados – alguns tornaram-se técnicos de pesquisa, alguns ainda estão estudando”. 

Evento social
Novotny disse ainda que a pesquisa baseada em vilas e aldeias da floresta é “socialmente condicionada” pela realidade local, incluindo questões políticas envolvendo os clãs de cada localidade. É desses clãs que vem a mão-de-obra que auxilia o trabalho dos cientistas.  

Thomas Lewinsohn e Vojtech Novotny, no IB

“Cerca de 80% da população vive em vilas, algumas até próximas de centros urbanos ou em paisagens já dominadas pela agricultura, mas muitas ainda estão em locais remotos, isolados do restante do país, então a chegada de uma equipe de pesquisadores é sempre um grande evento social”, explicou. “É um acontecimento importante para a vila, e as reações podem ser imprevisíveis”. 

Os povos da floresta tendem a ter uma compreensão intuitiva do valor da pesquisa básica em biologia, disse ele. “Eles também têm um interesse no ambiente natural que os cerca, eles conhecem os pássaros, as plantas, usam plantas para construir suas casas, para fins medicinais. Há essa conexão.” 

Diferentemente do Brasil, onde há preocupação de controle do contato entre “civilização” e “índios”, em Papua-Nova Guiné “não existe uma grande barreira entre as sociedades indígenas e a parte urbana”, disse Novotny. “A população urbana saiu das vilas há duas gerações, então há muito trânsito entre as duas áreas. Ainda assim, em lugares remotos a resposta à chegada de cientistas pode ser imprevisível, mas geralmente é boa, porque a maioria desses lugares realmente deseja uma conexão com o mundo. Uma promessa muito popular que os políticos fazem é abrir estradas”.

A presença dos pesquisadores é vista como uma “oportunidade” e como um sinal de que a vila não foi esquecida. “Mas às vezes há expectativas que não são realistas”, acrescentou o pesquisador. Ele citou o caso de uma vila onde os moradores realizaram uma assembleia para debater se, na Europa, existia “liberdade”, e no fim foram dirimir a dúvida com os cientistas.

“Nós perguntamos, o que vocês entendem por ‘liberdade’? Liberdade de expressão, de ir e vir? No fim, entendemos que ‘liberdade’, para eles, era um suprimento inesgotável de dinheiro para todos”. 

Impacto
Novotny não acredita que a passagem dos cientistas deixe impactos de longo prazo na maioria das vilas visitadas por sua equipe. “Quando fazemos a pesquisa, não tentamos mudar o estilo de vida deles. Usamos a expertise que têm, e em troca pagamos salários, além de dar esse tipo de benefício não-financeiro, como o prestígio e a diversão de trabalhar conosco, e é isso. Sempre fazemos questão de deixar claro que bossa passagem é temporária”.

O efeito do dinheiro pago na economia local, disse ele, tende a desaparecer ao longo do tempo, exceto quando a vila decide investi-lo em educação, por exemplo mandando alguns jovens para um internato numa cidade. 

“Eu diria que os efeitos de longo prazo são dois: um é que alguns jovens vão conseguir estudar, e outros, que possivelmente é o maior, é que alguns dos assistentes de pesquisa que empregamos realmente desenvolvem novas carreiras. Eles descobrem que são bons nisso, já têm alguma afinidade natural, já chamam as plantas e animais por nomes, então é fácil passar a usar os nomes científicos em latim, e alguns ou continuam trabalhando conosco ou vão ter carreiras próprias, como pesquisadores ou em ONGs de conservação ambiental.”

Preservação
A conservação ambiental, disse Novotny, enfrenta mais obstáculos que a pesquisa biológica. Não só por pressões externas – países próximos, como Malásia e Indonésia, já dizimaram suas florestas, e o incentivo econômico  para extração de madeira cresce na Papua Nova Guiné – mas também por conta dos anseios dos próprios povos da floresta. 

“Eles querem estradas, conexão, e veem alguns esforços conservacionsitas como tentativas de isolá-los”, explicou. “Extração de madeira é o tipo de coisa que as tribos aceitam mais facilmente, porque não muda o estilo de vida delas: você corta algumas árvores, de espécies selecionadas, mas a floresta continua lá. E os madeireiros constroem estradas, não estradas boas, mas estradas, ainda assim”.