Edição nº 611

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 17 de outubro de 2014 a 02 de novembro de 2014 – ANO 2014 – Nº 611

Engenheiro analisa ciclo das águas em aquíferos

Pesquisas em Cubatão constatam que sistemas de remediação, usados em descontaminação, merecem atenção especial

Era para ser um estudo de caso, como sugere o título da dissertação, mas acabou extrapolando, e muito, a ideia inicial. Com o objetivo de estudar o comportamento de aquíferos estuarinos, ou seja, reservatórios de água subterrânea que se encontram entre o rio e o mar, diante de diferentes parâmetros físicos, o engenheiro ambiental Felipe Balieiro Gasparini acabou constatando, por exemplo, que nem sempre um rio é abastecido pelo aquífero, mas às vezes ocorre o inverso. Também chegou à conclusão que as chuvas não influenciam tanto assim a recarga dos aquíferos e, especialmente, que se deve dar atenção especial aos sistemas de remediação, usados para descontaminação de áreas. Mal dimensionada, a tecnologia poderia até mesmo espalhar contaminantes resistentes no meio (solo e água subterrênea) para regiões que não estavam comprometidas.

“O meio encontra-se interconectado direta e indiretamente entre todos os parâmetros físicos considerados, nos quais os componentes locais influenciam uns aos outros por determinadas formas e com diferentes intensidades”, adverte o pesquisador, depois de realizar uma diversidade de testes em uma região de 9 mil metros quadrados. Trata-se de um pequeno trecho de uma petroquímica, na cidade de Cubatão (SP). A área total da indústria tem 55 mil metros quadrados aproximadamente. Para entender o comportamento das águas, Felipe instalou equipamentos em 79 poços, de mais de duzentos que existem na região, já monitorada pela Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo). A área estudada conta com a operação de sistemas de remediação (air spargin e sil vapour extraction) que injetam ar nos ambientes contaminados para facilitar a volatilização das substâncias tóxicas.

Transdutores eletrônicos, pluviômetros e sondas foram usados para registrar o volume de dados pretendidos. Os equipamentos verificaram pressão e a temperatura atmosférica que regem o índice pluviométrico, as cargas hidráulicas e taxas de condutividade elétrica. Cargas hidráulicas correspondem às pressões das águas subterrâneas e a condutividade elétrica varia de acordo com a quantidade de sal na água. No rio Cubatão foram instaladas sondas que, além da taxa de condutividade elétrica, registraram o nível superficial das águas.

Além disso, Felipe usou dados das marés oceânicas da Marinha do Brasil e se aventurou em 127 travessias do rio utilizando outro equipamento, que faz a medição da vazão e velocidade da água, além de verificar a estrutura do leito do rio. “Foi basicamente um estudo do comportamento físico dos aquíferos. O objetivo era entender quais influências sofrem as águas subterrâneas naquela região levando-se em conta desde os fatores naturais como pressão atmosférica, temperatura e rios adjacentes, até a parte antrópica”, explica Felipe. 

Segundo o autor, essas variáveis nem sempre são estudadas quando se trata de analisar os aquíferos e há trabalhos, de certa maneira equivocados, que afirmam categoricamente que o rio sempre rege o sentido do fluxo da água subterrânea, quando não é necessariamente o que ocorre, como observou o pesquisador.

 

Campanhas

Na primeira fase do trabalho as análises foram realizadas em dois períodos, ou campanhas: entre novembro de 2012 a janeiro de 2013, quando a incidência de chuvas foi maior, e entre julho e outubro de 2013, com baixo índice pluviométrico. “Consegui obter vários dados, por exemplo, o nível do mar em relação ao nível do rio e o nível do aquífero indicando a comunicação entre eles. Verifiquei entre períodos de vazante, de cheia, ou até mesmo em relação às fases da lua (períodos de quadratura ou sizígia)”. Felipe constatou o intercâmbio das águas e como em alguns trechos o rio recarrega o aquífero, enquanto em outros, é o aquífero que recarrega o rio. “Isso tem a ver com diferença de carga, relacionada à diferença do ponto mais alto para o mais baixo”, complementa.

O compartilhamento também foi constatado pela análise da quantidade de sal da água. Quanto mais salino mais condutivo é o meio e pela condutividade elétrica do rio e do aquífero é feita a relação. O pesquisador sabe quando o mar recarrega o aquífero porque a condutividade do rio sobe. Em consequência, também vai aumentar a condutividade da água subterrânea. As vazões e velocidades do Cubatão foram verificadas por meio de um equipamento que funciona em uma espécie de prancha de barriga. Felipe contou com o apoio de amigos para realizar 127 travessias de uma margem a outra, em três trechos distintos.


Chuva e remediação

Outra constatação importante do trabalho foi a classificação de dois tipos de aquíferos na área estudada: o livre é o que sofre mais impactos ambientais e o confinado, encontrado abaixo, está sob pressão e mais protegido por uma camada de solo menos permeável. Como os aquíferos são reservatório de água que podem ser utilizados no abastecimento para o consumo humano e na região funcionam sistemas de remediação, observar os reflexos da tecnologia especialmente na porção confinada significa muito.

“O que eu queria saber era o quanto a injeção de ar estava influenciando os aquíferos porque ela causa um distúrbio grande, é uma grande pressão nos vários poços. O sistema segue as normas da Cetesb, mas pudemos notar que, quando estava operante, ele realmente modificava até a velocidade e sentido do fluxo da água subterrânea. Dessa forma a água que não iria naturalmente para o rio pode passar a seguir esse trajeto”. O alerta do pesquisador é que, se o sistema não for bem dimensionado, em vez de ajudar pode piorar a disposição da contaminação, levando as substâncias até o rio, o que naturalmente não aconteceria. 

Felipe acrescenta que, dependendo do planejamento das estruturas do sistema e disposição de instalação dos poços de injeção de ar, poderia haver riscos de inalação de produtos tóxicos para os moradores da região, mesmo que o contaminante estivesse muito abaixo do solo. Isso pode ocorrer por causa da estimulação da volatilização dos contaminantes pelo sistema de remediação.

A tecnologia tem uma influência tão grande que atenuou a recarga pela chuva nos aquíferos, acredita o pesquisador. “Mesmo com chuva intensa não conseguimos perceber uma mudança expressiva na recarga de água nos aquíferos. Imagino que os impactos do rio e do sistema são superiores à modificação dos níveis pela recarga de chuva. Além disso, a movimentação das águas é tão elevada que às vezes o meio permite a distribuição do volume tão rapidamente que não daria tempo do nível da água se elevar”. 

Até mesmo o aquífero confinado sofreu influência quando o módulo mais próximo do sistema de remediação entrava em operação. “Notávamos maior inclinação da superfície do confinado, bem como um aumento em seu fluxo. Aí vem o cuidado no momento de se implantar uma tecnologia de remediação considerando que o aquífero confinado apresenta uma água boa de recarga regional que pode, quando não contaminada, ser usada para o abastecimento do município”.

O autor assinala a importância da pesquisa. Segundo ele, grande parte dos estudos dos aquíferos estuarinos está centrada na chamada “cunha salina”, que é o contato do mar com o aquífero. “Minha pesquisa saiu um pouco desse esquema e começou a verificar como todos os parâmetros (naturais e antrópicos) se comunicam e interagem, desde a parte física até a parte geoquímica”, assinalou. Até mesmo relatórios técnicos atestavam resultados diferentes daqueles encontrados por Felipe, como a questão da água subterrânea que iria direto para o rio.

 

Publicação

Dissertação: “Análise da influência de parâmetros ambientais e antrópicos sobre a dinâmica de aquíferos estuarinos: estudo de caso em área industrial, Cubatão/SP”
Autor: Felipe Balieiro Gasparini
Orientadora: Sueli Yoshinaga Pereira
Unidade: Instituto de Geociências (IG)