Edição nº 610

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 10 de outubro de 2014 a 19 de outubro de 2014 – ANO 2014 – Nº 610

COMPACIDADE

Estudo sugere que municípios mais compactos favorecem as interações humanas

Segundo a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, da ONU, o progressivo aumento das populações urbanas leva à necessidade de um modelo de desenvolvimento capaz de atender às demandas por novos serviços, habitações e infraestrutura de forma a preservar o equilíbrio econômico, social e ambiental. Na América Latina estima-se que, até 2030, entre 80% a 90% da população esteja nas cidades. Tanto nela como no Brasil vem ocorrendo um intenso processo de urbanização nos últimos 60 anos. Este cenário impõe a urgência de compreender como os modelos de urbanização podem interferir positiva ou negativamente no desenvolvimento sustentável.

Dissertação de mestrado desenvolvida junto à Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp pelo arquiteto e urbanista Rodrigo Argenton Freire, orientada pelo professor Evandro Ziggiatti Monteiro, busca entender a forma urbana da RMC por níveis de compacidade, defendida por especialistas e estudiosos, segundo os quais as cidades compactas propiciam sustentabilidade urbana e aumentam as interações humanas. Realizado sob esta perspectiva, o estudo analisa como a forma urbana pode interferir nessas duas questões e contribuir para futuras ações de planejamento e desenho urbano.

Segundo o pesquisador, o processo de desenvolvimento urbano compacto, que é associado à sustentabilidade, tem como aspectos principais o uso eficiente do solo e a vitalidade urbana permanente, características que são relacionadas à densidade e à diversidade do território ocupado. Embora não exista uma forma urbana intimamente relacionada ao seu desenvolvimento sustentável, é consenso que as formas urbanas com maiores densidades e diversificação de atividades apresentam melhores resultados em termos de sustentabilidade ambiental, econômica e social.

O trabalho buscou então evidenciar a relação existente entre as dimensões de compacidade, através da densidade populacional e diversidade – social e de usos – e a forma urbana de três municípios da RMC, não compactos - Campinas, Hortolândia e Valinhos, partindo do pressuposto de que seria possível encontrar, mesmo neles, unidades que apresentassem maior potencial para adquirir características de cidades compactas.  Apesar de restritas a pequenas áreas, estas expectativas efetivamente se confirmaram, embora as possibilidades de transformações estejam atreladas às posições geográficas e aos fatores socioeconômicos que envolvem os municípios. Ao alertar ainda para o fato de o espaço urbano, em constante transformação, ser afetado tanto pelos fenômenos locais quanto globais e que cada lugar é ao mesmo tempo universal e único, o autor cita Tolstoi: “cada lugar é, à sua maneira, o mundo”.

Com o objetivo principal de relacionar a forma urbana dos três municípios estudados e suas dimensões de compacidade, o autor procura: identificar os parâmetros que orientam a construção do conceito de cidades compactas; agrupar os recortes espaciais realizados nos três municípios através das semelhanças de densidade e diversidade social; localizar características morfológicas e níveis de compacidade; e discutir as probabilidades de transformações em termos do modelo de cidades compactas. No trabalho foram utilizadas principalmente ferramentas de mapeamento georreferenciado com dados do censo de 2010 do IBGE.

A constatação maior foi a de que, devido à legislação urbana e aos projetos entregues pelo mercado imobiliário, Campinas, Hortolândia e Valinhos se afastam do modelo de cidades compactas, pois seus processos urbanos impossibilitam desenvolvimentos mais sustentáveis. Mesmo assim, alguns locais específicos apresentam potenciais para adaptação à compactação desde que impulsionada por uma legislação urbana adequada. Em vista disso, a pesquisa procura contribuir para uma leitura das especificidades de cada local em relação às possibilidades dessa transformação.

 

Critérios

Em razão da conurbação de cidades da RMC, com dinâmicas interdependentes, foram selecionados para estudo municípios contíguos: Campinas, o maior da RMC, e outros dois, conurbados com Campinas, que coincidentemente situam-se no eixo da rodovia Anhanguera mas apresentam características socioeconômicas diferentes: Hortolândia, com população de menor poder aquisitivo e Valinhos, ocupada por muitos condomínios fechados.

Embora nem sempre o conceito de cidade compacta esteja muito claro, nem mesmo na literatura específica, o pesquisador se ateve àquele que se estriba particularmente na densidade populacional e na diversidade socioeconômica que, por sua vez, se caracteriza pela variedade de usos urbanos como tipos de residências, comercio, serviços, etc. O arquiteto lembra que na visão do urbanismo contemporâneo não faz mais sentido segregar as atividades de uma cidade, mas defende-se a aproximação de todos os seus equipamentos das residências, com vistas a simplificar deslocamentos e concentrar os serviços públicos. Diz que, para tanto “é preciso, antes das edificações, resolver a cidade, porque se ela não favorecer a sustentabilidade muito dificilmente a residência vai impactá-la de forma positiva. A ideia do estudo foi verificar como casar essas duas vertentes”.

Partindo da constatação de que as cidades têm áreas de especificidades diversas, a primeira providência do pesquisador foi caracterizar os níveis de densidade e diversidade social nas diferentes áreas dos três municípios. Através do georreferencimento – ferramenta computacional que permite a tabulação de dados e sua localização em mapas – áreas das diferentes regiões de cada cidade foram identificadas em mapas de localização. Eles mostram a posição das varias regiões através de características relacionadas à forma, como áreas com predominância de prédios, de casas, de condomínios, ou preferencialmente ocupadas por indústrias, comércio e serviços.

Por sua vez, a diversidade social foi determinada com a utilização de uma ferramenta da ecologia que permite identificar quão diverso é um ecossistema. No caso, o recurso utilizado permitiu caracterizar a diversidade social através de informações como faixa etária, gênero, renda, quantidade de moradores por residência, etc. Para a determinação da diversidade de uso, diante da ausência de dados oficiais, o pesquisador realizou estudo de campo. A partir de todos os elementos colhidos, ele selecionou e concentrou o estudo em três grupos com características extremas: áreas altamente densas e altamente diversas; altamente densas mas de baixa diversidade; e de baixa densidade e baixa diversidade.

Estes recortes mostraram que as áreas de baixa diversidade social e baixa densidade são normalmente ocupadas por condomínios fechados; nas áreas de alta densidade e verticalizadas, mas de baixa diversidade prevalecem as classes médias mais altas; e nos bairros densos e socialmente diversos predominam as classes medias mais baixas.

 

Constatações

A partir da leitura dos diferentes locais o autor identificou qual a potencialidade de cada recorte, de cada grupo, para transformar-se em cidade compacta. Assim, por exemplo, as áreas altamente densas e altamente diversas, em que prevalecem populações com condições econômicas menores, são mais facilmente passiveis de transformações, mesmo que ainda com baixa diversidade de usos. Mesmo possuindo muitas residências, várias delas acumulam dupla função – uso misto – já que também são utilizadas para comércio ou serviços, cujos acessos são facilitados pelas vias de circulação e pelas pequenas distâncias a serem percorridas.

Por outro lado, as extensas áreas fechadas dos condomínios, que não raro se sucedem, endurecem as possibilidades de mudanças, pois dificultam inclusive a circulação de veículos. O engessamento também ocorre nos espaços que priorizam a verticalização sem considerar o uso misto, pois a valorização dos espaços expulsa os comércios e serviços menores e privilegia apenas a presença de atividades mais específicas como agências bancárias e grandes supermercados. Se várias áreas das cidades estudadas configuram situações que não são passiveis de alterações, existem bairros em que mudanças na legislação, implementadas por políticas públicas, poderiam adquirir paulatinamente as características de compacidade urbana.

Segundo o pesquisador, o modelo de cidades compactas, que garanta a sustentabilidade, vem sendo descaracterizado pelas politicas públicas. Ele menciona o caso de Campinas em que a revisão do Plano Diretor do município busca um modelo de cidade compacta. Mas aponta que esse discurso tem sido usado para defender a alta densidade através da verticalização sem critérios, que configura prédios monofuncionais, residenciais ou comerciais, que, além de impedirem o convívio social impossibilitam que os moradores utilizem o entorno para suas necessidades mais imediatas.

Para ele, “o trabalho teve como motivação básica questionar o que tem sido feito nos municípios e abrir caminho para a discussão de algumas soluções para o futuro com vistas à configuração de cidades compactas. A maioria das politicas urbanas está hoje voltada para a distribuição mais equilibrada das populações das cidades e o uso misto que garanta a instalação de todos os aparatos necessários para atender às necessidades dos moradores”. No trabalho ele indica algumas soluções, mas a ideia é continuá-lo no doutorado de forma que críticas e problemas já sobejamente conhecidos deem lugar a sugestões rumo às soluções.

Ao final do estudo Rodrigo conclui que o modelo de cidades compactas aproxima os diferentes grupos sociais – jovens, idosos, famílias inteiras, pessoas solteiras, favorece sua interação e possibilita uma distribuição igualitária dos recursos urbanos ao minimizar distâncias, diminuir deslocamentos e os custos de implantação e manutenção da infraestrutura. Mas sua implementação depende de processos de regulamentação que garantam mudanças significativas no modo em que as cidades são formadas, no estímulo ao uso misto do solo, na produção de novas formas de habitá-la e, também, na revisão pelos arquitetos e urbanistas dos seus próprios trabalhos, que há anos reproduzem soluções ultrapassadas.

 

Publicação

Dissertação: “Densidade e diversidade: as dimensões de compacidade urbana”
Autor: Rodrigo Argenton Freire
Orientador: Evandro Ziggiatti Monteiro
Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)