Cineasta Zelimir Zilnik
fala sobre a Black Wave

28/05/2014 - 15:31

O cineasta sérvio Zelimir Zilnik, ganhador do Urso de Ouro do Festival de Berlim em 1969 e um dos expoentes da Black Wave, esteve na Unicamp na última terça-feira (27). Ele participa da mostra “Zelimir Zilnik e a Back Wave”, organizada pelo Cinusp, da Universidade de São Paulo, em parceria com a pós-graduação em multimeios do Instituto de Artes (IA) da Unicamp. 

O movimento da Black Wave, surgido na Iugoslávia no final dos anos de 1960 e começo de 1970, é considerado responsável por conferir uma nova dimensão ao cinema daquele país, com uma produção marcada pela inquietude estética e crítica social. Entre os filmes mais representativos da Black Wave está Early Works, produzido em 1969 pelo cineasta sérvio, que nasceu em um campo de concentração em NIS, em 1942. A produção ganhou o Urso de Ouro na 19ª edição do Festival de Berlim, um dos mais prestigiados do cinema mundial. 

Na opinião do jornalista Alfredo Suppia, docente do Departamento de Cinema do Instituto de Arte (IA) e conhecedor da obra de Zilnik, “Early Works pode ser considerado o ápice do movimento e também sua produção mais arquétipa. O filme contém a maioria das desconfianças e questões emergentes no mundo socialista no final dos anos de 1960, após a Primavera de Praga e os vários movimentos estudantis internacionais.”Zelimir Zilnik: 'mesmo produzindo filmes pequenos e simples é possível fazer a sua manifestação e mudar a realidade'Além de Early Works, Zelimir Zilnik possui rica produção ficcional e documental, premiada em festivais iugoslavos e fora do país. O cineasta está no Brasil pela segunda vez. No Espaço Cultural Casa do Lago da Unicamp, ele participou de um debate com estudantes e pesquisadores e de uma exibição dos seus filmes. O evento e a sua vinda ao Brasil foi organizada pelo docente Alfredo Suppia, que mediou a entrevista concedida por Zilnik ao Portal Unicamp

Durante a conversa, o cineasta sérvio falou sobre o contexto da Black Wave iugoslava e as suas principais influências. Ele ainda explicou como a arte e, especialmente o cinema, podem catalisar transformações sociais. Zelimir Zilnik revelou também os seus novos projetos, como a produção de um filme sobre o continente africano. 
Exibição de mostra sobre o cineasta sérvio na Casa do LagoPortal Unicamp - Poderia situar o contexto da Black Wave iugoslava?
Zelimir Zilnik - Nós sabemos que em todos os movimentos cinematográficos sempre houve um grupo de cineastas de uma geração que se juntam e reagem sobre temas da sociedade. Isso aconteceu, por exemplo, após a Segunda Guerra Mundial, com um grupo de cineastas italianos e o neorrealismo naquele país.

Quando eu era jovem, ao mesmo tempo em que acontecia o Cinema Novo no Brasil, também houve um grupo de jovens cineastas que começou a fazer filmes na República Checa e Hungria. Seguíamos o estilo do novo cinema europeu, especialmente a Nouvelle Vague. Nós tínhamos que ser muito mais diretos, muito mais rápidos e mais comunicativos para a elite política naquele momento. E foi esta elite política que nos chamou de Black Wave. Nós nos chamávamos de novo cinema iugoslavo. 

Certamente este foi para mim o momento em que aprendi muito, quando entendi o poder e os limites do nosso cinema na sociedade. Nas décadas seguintes, fui encorajado a continuar no cinema. Procurei manter o passo, o estilo e os princípios que aplicávamos no nosso cinema.
Sobre a África, seu novo projeto: 'é possível ver como algumas das regras antigas da industrialização estão apenas mudando de forma, mas continuam muito duras e brutas'Portal Unicamp – Gostaria que falasse sobre as contribuições da arte, especialmente do cinema, para catalisar transformações sociais, como aconteceu com o movimento partilhado pelo senhor na Iugoslávia?

Zelimir Zilnik - Recentemente um grupo de jovens cineastas chineses veio com um pacote de filmes para mim, o que eles chamavam de novo cinema chinês. Todos nós temos uma grande expectativa sobre os filmes chineses como grandes espetáculos, batalhas, reis, rainhas... Achei, portanto, que este era o cinema chinês que eles queriam me mostrar. Eles disseram, no entanto: ‘Não, isso é propaganda, mitomania histórica. Veja agora o que é o dia-a-dia das pessoas chinesas, a polícia, as famílias, os estudantes.’ 

Então, eu vi filmes fascinantes, como os de Rossilini e Fellini. Talvez até mais fortes, pois as contradições são gigantescas naquele país. De um lado há o regime comunista, o partido, a ditadura... Do outro, há o capitalismo mais selvagem já visto. E você tem as montanhas sendo transformadas em cidades e indústrias. Portanto, assisti coisas que não podemos ver em lugar nenhum, informações preciosas sobre a China de hoje.

Quero dizer com isso que, mesmo produzindo filmes pequenos e simples, é possível fazer a sua manifestação e mudar o panorama, a realidade. Alguns anos atrás eu produzi um filme longo com uma senhora idosa como personagem principal [Jedna žena – jedan vek, 2011]. Eu a conheci e vi que ela tinha uma memória tremenda. Ela lembrava de todo o século 20. 

Decidi, portanto, fazer o filme completamente baseado na vida dela, nas memórias dela. E pensei que poderia ficar algo muito específico, restrito a determinado público. Mas quando as pessoas assistiram, ficaram totalmente magnetizadas. Pessoas que vinham ouvindo do comunismo todas aquelas grandes mentiras... Pessoas que eram funcionários da polícia e agora estavam fazendo parte do partido democrático... Pessoas que fecharam as igrejas e agora estavam se ajoelhando, rezando para Deus... O filme mostrava todas essas contradições, não apenas contradições, mas fornecia uma consciência sobre toda essa sociedade. E essa mulher velha sozinha vem com a ‘verdade’. O filme foi assistido em todo o Balcãs, acabou sendo um grande sucesso comercial.

Portal Unicamp – É a primeira vez que vem ao Brasil e o que tem achado do país?
Zelimir Zilnik - Eu estive aqui há 15 anos num festival de São Paulo, onde foi exibido um filme meu [Marble Ass, 1995]. Foi, na verdade, o primeiro filme com tópico gay/lésbico em todo o leste europeu. Foi um tanto interessante e bem sucedido. Foi também premiado em Berlim. Foi legal vê-lo aqui. Mas fiquei poucos dias e todos os dias no festival, portanto, não pude ver muito do país. Agora está sendo diferente. 

Seu país para mim é muito interessante. Há muita informação sobre o Brasil em todo mundo: de que vocês são esse país gigantesco e poderoso que está se desenvolvendo com muito sucesso. Eu sempre me perguntei se isso estava acontecendo tranquilamente. E vejo que vocês estão tendo muitas contradições também: debates, protestos, greves... Isso também é interessante porque eu pensava que ia mostrar meus filmes sobre greves, sobre o realismo dos trabalhadores e que a mensagem talvez não pudesse ser compreendida no contexto do país de vocês. Além disso, estou sendo muito bem recebido aqui.

Portal Unicamp - Está trabalhando em algum projeto novo?
Zelimir Zilnik - Sim. Duas semanas atrás eu terminei um material para um documentário na África, no Gabão. Por quê? Porque fui convidado para ir até lá por algumas pessoas que viram meus filmes. Eles me disseram que havia um assunto que poderia ser interessante para mim. Eu perguntei qual? ‘Olhe, os chineses estão vindo aqui. Eles estão empurrando não apenas os brancos e as pessoas pós-coloniais, mas também nossos pretos... Eles estão colocando os preços lá em baixo, pegando os empregos e também as matérias-primas.’

Portanto, eu fui até lá para ver como esse ‘pós-pós-pós-colonialismo’ está se desenvolvendo. E fiquei tão fascinado com a África... A África ainda está dando suporte e alimentando a indústria de metade do mundo. Com base neste contexto, é possível ver como algumas das regras antigas da industrialização estão apenas mudando de forma, mas continuam muito duras e brutas.
Com o professor Alfredo Suppia, organizador da sua vinda