Nascerá uma nova
política, diz geógrafa

19/03/2014 - 12:06

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Emilia Rutkowski, organizadora do evento

Emilia Rutkowski, organizadora do evento

Mesa de abertura do Fórum

Mesa de abertura do Fórum

Público no auditório da FCM

Público no auditório da FCM

A geógrafa Maria Adélia

A geógrafa Maria Adélia

Geógrafa titular da Universidade de São Paulo (USP) e catedrática em Direitos Humanos em Lyon, França, Maria Adélia Aparecida de Souza disse na manhã desta quarta-feira (19) no Fórum Permanente de Políticas Públicas e Cidadania, realizado na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, que o que dói na miséria é a ignorância que ela tem em si mesmo, citando o escritor Mia Couto, ao abordar o uso do território e o lugar do catador de lixo na sociedade. “O grande problema da miséria é abdicar do sonho, muito em razão dos processos manipuladores que tentam silenciar vozes.”

Maria Adélia propôs uma discussão sobre o trabalho do catador. “Tenho 74 anos e pretendo viver até os 100 e incomodar muito, pois, afinal, que mundo é esse?”, disparou e explicou que estava se referindo ao mundo que é vendido pretensamente como 'fabuloso' pela mídia. "Isso é mentira. Poucos se beneficiam do progresso técnico e científico brasileiro. Além do mais, tem muita gente no país morrendo de dor de barriga, e não é de câncer não."

A geógrafa se autointitulou uma crítica contumaz dos temas sociais e políticos. “Sou rigorosa, não mal-educada. Defendo o exercício da liberdade de pensar a realidade como um espaço territorial, e não como espaço setorial”, comentou. Ela reconheceu que existe uma divisão acadêmica do trabalho, mas não aceita que as instâncias superiores relutem por tornar os cidadãos seres burocráticos. “A minha função é dar aula, não preencher fichas.”

Em sua opinião, é muito perverso ver que bilhões de pessoas são pobres que sobrevivem com uma desigualdade extrema. Esse número não vai diminuir. Os pobres apenas sobrevivem, ao contrário do que se observa na classe rica. Essa sim vive, e muito bem, salientou. A seu ver, essa visão não envolve somente uma ótica econômica. Envolve também a distribuição, que lamentavelmente não vem sendo feita de maneira equânime. Logo, trata-se de um problema político. “O que fazer então? Puxar os pobres para debaixo do tapete”, questionou à plateia. 

A catedrática ressaltou que a mentira tornou-se chave nas políticas municipais, estaduais, nacionais, e tem um alvo definido: destruir a democracia. E a Internet, segundo ela, é uma adjuvante. “Vejo que vamos viver tempos difíceis. E a mentira vai brotar”, pressagiou. Hoje não é nem preciso ser intelectual para entender que esse vício é criado pelos donos do poder, e inclusive pelas universidades, sendo que a verdade deveria ser uma busca constante, realçou. 

Dirigindo-se especificamente aos catadores, ela observou que eles não serão ricos, apesar desse alto negócio prosperar. "Vocês precisam ter noção disso", alertou. Em 1983, a Sobavi ficava com 75% da lucratividade do lixo em São Paulo. Hoje fica com 60%. Sobra o que para o catador? 

Outro dilema é que o catador não sabe até onde vai esse consumo? Entretanto, a docente da USP entende que outro mundo está chegando. Está nas ruas e abrindo novos espaços.  "Ele tem direito de viver. Esse é o meu recado aos catadores que conhecem a dura realidade que eu e você não conhecemos. Os garis, os professores e o pessoal do passe livre, entre outros, foram às ruas do Rio de Janeiro. Em São Paulo, do mesmo jeito. Estão sendo machucados, porém estão protestando. Pensam, sofrem, mas reagem e lutam, comemorou.

O território do catador é o mesmo da empresa? A sociedade de classes se expressa no direito, ou não, de usar o território. O problema é ter direito a esse uso. "Discordo de que a coleta do lixo ainda tenha que ser negociada privadamente. Teria que ser negociada politicamente. As empresas escolhem os melhores lugares. Ao catador, sobram ‘brechinhas’. E isso tem que decantar politicamente", pontuou.

Outro ponto: o pacto funcional ainda é o setorial. "Os governos se organizam setorialmente para favorecer suas 'negociatas'. Defendo há 40 anos que os pactos devem ser territoriais", relatou. E o que é o uso do território? Se dá pela constituição dos lugares. "Proponho que as lutas políticas não olhem para os objetivos específicos. Que olhem para os lugares, pelo pacto de justiça e ética, pensando-se no coletivo. Tudo deve ser de todos. 

Ademais, é preciso aprender a lidar com o ser humano dialético, acredita Maria Adélia, capaz inclusive de revolta. Esta é uma escolha consciente de uma insubmissão à estratégia da manipulação. "Deste modo, daqui para frente, nascerá uma política com lideranças fortes, a partir de uma coragem civil. A manifestação das multidões é para mostrar que essas pessoas existem e têm direitos", concluiu.

O Fórum Permanente desta quarta-feira foi organizado pela Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) e é uma realização da Coordenadoria Geral da Universidade. Participaram da mesa de abertura o pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários João Frederico Meyer, o assessor da CGU João Marcos Pinto da Cunha, a organizadora do evento Emilia Rutkowski (da FEC), a assessora de gabinete da Prefeitura Municipal de Campinas Valquíria Bonatti, a coordenadora de Assuntos Comunitários Ângela Maria Moraes e a professora da FEC Ana Maria Reis de Goes.