O Brasil precisa se projetar
no exterior, afirma Rinaldi

31/01/2013 - 15:38

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Reunião com representante da Cori

Reunião com representante da Cori

O químico Roberto Rinaldi durante palestra

O químico Roberto Rinaldi durante palestra

A Unicamp recebeu nesta quinta-feira (31) a visita de Nora Jacobs, representante da Alexander von Humboldt Foundation, instituição alemã de fomento à pesquisa científica. Ela veio acompanhada do professor Roberto Rinaldi, ex-aluno de graduação e de pós-graduação da Universidade, que trabalha atualmente no Instituto Max Planck, também da Alemanha. Rinaldi lidera um grupo que desenvolve pesquisas relacionadas à biomassa, com foco na produção de biocombustíveis. Ambos foram recebidos pela professora Anne Hélène Fostier, assessora da Coordenadoria de Relações Institucionais e Internacionais (Cori).

Durante o encontro, foram tratados diversos temas, entre eles possíveis acordos voltados ao estreitamento das relações entre a Unicamp e instituições de ensino e pesquisa alemãs. Depois da reunião, Nora Jacobs e Rinaldi fizeram uma visita ao Instituto de Química (IQ). Em seguida, o cientista ministrou no auditório daquela unidade de ensino e pesquisa a palestra intitulada “Novas estratégias em catálise para o aproveitamento de celulose e lignina”. Entre os compromissos cumpridos na Unicamp, o pesquisador do Instituto Max Planck, que recebeu o prêmio Sofja Kovalevskaja concedido pela Alexander von Humboldt Foundation, um dos mais valiosos da academia na Alemanha, falou ao Portal da Unicamp.

O senhor está há seis anos na Alemanha. Como tem sido a experiência pessoal e profissional naquele país?
Estes seis anos na Alemanha têm me proporcionado uma experiência pessoal e profissional muito gratificante e emancipadora. Viver numa outra cultura, que é totalmente diferente da sua, faz com que você seja mais flexível em vários pontos. No Instituto Max Planck, eu lidero um grupo composto por oito pesquisadores de diferentes nacionalidades. Viver numa sociedade diferente da sua e conviver com pessoas que têm outras maneiras de pensar são experiências que têm marcado este período. Isso também me permite ter um novo olhar sobre diversos temas. Permite, por exemplo, que eu perceba que, muitas vezes, aquilo que criticamos no Brasil pode ser “vendido” como qualidade lá fora. Nós temos muito problemas para superar, sem dúvida, mas nem tudo é problema no Brasil. Nós somos inovadores em muitas coisas. Na área da ciência, o país tem programas reconhecidos no exterior, como a iniciação científica, que faz com que os nossos estudantes que saem para fazer estágio no exterior possam mostrar aspectos importantes da grandeza do Brasil.

Quais os temas que o seu grupo de pesquisa tem trabalhado no Instituto Max Planck?
No meu grupo nós trabalhamos com biomassa, com foco na produção de biocombustíveis. Trata-se de um tema muito importante. Quando analisamos os países asiáticos e o Brasil, a partir da década de 80, constatamos que os países asiáticos introduziram vários conceitos e várias marcas no mercado internacional. Embora tenha crescido economicamente num ritmo quase igual aos países asiáticos, o Brasil ainda é carente em mostrar conceitos para o exterior. Esse é o próximo passo que o país tem que dar no cenário internacional. Ou seja, o Brasil tem que ter conceitos pesados no exterior. Eu acredito que a bioenergia e a sustentabilidade são conceitos brasileiros, que foram conquistados com trabalho muito sério de instituições como a Embrapa, Unicamp, USP e tantas outras. Foram elas que fizeram com que o país pudesse substituir quase metade do consumo de gasolina pelo de etanol. E isso sem destruir o ambiente e sem comprometer a produção de alimentos. Por isso eu acho que o Brasil deve investir cada vez mais na área da biomassa. Não podemos parar o avanço nessa área por causa do pré-sal. Ele será importante, trará divisas para o país, mas o Brasil precisa investir na produção e biocombustíveis. É preciso investir fortemente em biotecnologia, biofísica etc. Este é o conceito do Brasil. É isso que fará com que o país brilhe no exterior.

Quais os resultados das pesquisas conduzidas pelo seu grupo?
O Instituto Max Planck é dedicado a pesquisas puras. Não que não façamos pesquisas aplicadas, mas nosso primeiro objetivo é entender os processos. Em relação à celulose, nós conseguimos desenvolver um processo catalítico que não tem a necessidade do uso de solvente. É um processo catalisado, mas dirigido por forças mecânicas, que tem chamado muito a atenção da comunidade científica internacional e também de empresas dos ramos químico e de energia. Estivemos conversando com representantes da Petrobras a respeito, pois é um processo inovador, fruto de pesquisas nos laboratórios no Instituto Max Planck. Na área de lignina, nós depositamos importantes patentes no ano passado a respeito da transformação química dessa fonte em insumos químicos. A lignina é um resíduo da indústria de bioetanol. Para cada quilo de etanol de cana de açúcar, a gente produz de um a três quilos de lignina. Esse insumo químico, que contém 40% da energia da biomassa e 30% do carbono da biomassa, é atualmente utilizado na queima, para geração e energia. Mas se você conseguir fazer uma transformação química da lignina, você pode utilizá-la em substituição ao petróleo para obtenção de diversos derivados. Estou muito otimista, pois temos conseguido resultados importantes. Acredito que em mais um ou dois anos todo esse esforço de montagem do grupo e do laboratório começará a trazer resultados práticos.

É possível projetar que contribuição a biomassa trará para a produção mundial de biocombustíveis?
A gente não consegue responder a essa pergunta olhando para a biomassa atualmente. A biomassa gera principalmente o etanol. Como eu disse uma vez, uma andorinha só não faz verão. Hoje, utilizamos 70% do petróleo para a produção de combustíveis. Os outros 30% são utilizados para a produção de outras frações. Desses 30%, 3% são utilizados pela indústria petroquímica para a fabricação de produtos de alto valor agregado. Esses produtos produzem a mesma quantidade de dinheiro e divisas que os 97% usados para a produção de combustíveis e outras frações. Isso significa que, em termos de EUA, estamos falando de algo como US$ 400 bilhões ao ano. Ou seja, se conseguirmos fazer uma cadeia mais densa de processo, de modo a obter vários produtos a partir desse insumo da biomassa, como aromáticos, polímeros, produtos farmacêuticos etc, nós revolucionaremos a química. Se o Brasil estiver engajado nesse esforço, o país certamente contribuirá para a construção de um mundo melhor. Potencial para isso nós temos.

Esta sua visita à Unicamp tem o propósito de aproximar os pesquisadores da Universidade dos seus pares na Alemanha?
Sem dúvida. Através do programa Ciência sem Fronteiras, eu tive a oportunidade de receber, por seis meses, um aluno da Universidade Federal de Viçosa para um estágio em meu laboratório. As portas estão abertas. Toda a dificuldade que eu tive de ingressar na Alemanha gerou uma experiência muito rica que pode ajudar, em certas situações, a facilitar a ida de brasileiros ao exterior. Meu anseio é que as relações entre Brasil e Alemanha se estreitem muito, não apenas na minha área, mas em todas as áreas do conhecimento. Eu vejo muito sinergismo na maneira de pensar do brasileiro e do alemão. Há uma combinação boa de talentos. Ter gente boa do Brasil no exterior é muito importante, pois ajuda a quebrar preconceitos. O Brasil não é um país somente do futebol e do samba, embora estas estejam entre nossas melhores qualidades. Não temos que ter vergonha disso. Mas temos que aprender a nos projetar no mundo. A cultura e os valores que aprendemos estão em falta no mundo. Temos com o que contribuir para um mundo melhor. Afinal, a nossa cultura nos ensina a dar nó em pingo d’água. Minha vida foi marcada por muita dificuldade, inclusive de ordem financeira. Sempre estudei em escola pública. Quando comecei a graduação na Unicamp, se eu não tivesse tido a ajuda da Universidade, eu não teria conseguido concluir os estudos. Eu venho de uma família humilde, mas que sempre me deu o ensinamento de que somente através da educação é possível evoluir. No início da minha graduação eu tive que escolher entre caminhar 10 km ou ir ao Bandejão. Isso até hoje me emociona. Eu nunca imaginei alcançar o estágio que alcancei.