Livro conta a história do maior
estelionatário da 1ª República

24/10/2012 - 10:30

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Revista O Malho: Coelho, Silvia e filhos em Friburgo

Revista O Malho: Coelho, Silvia e filhos em Friburgo

Foto do casal de 1920, publicada em O Malho

Foto do casal de 1920, publicada em O Malho

Ely Carneiro de Paiva, engenheiro afeito às letras

Ely Carneiro de Paiva, engenheiro afeito às letras

Notícia do assassinato no Correio da Manhã

Notícia do assassinato no Correio da Manhã

O Homem do Cavalo Branco é um romance-reportagem que conta a história de vida de Afonso Coelho de Andrade (1875-1922), o maior estelionatário do Brasil na República Velha. Com seus golpes e fugas sensacionais, o personagem desnorteou a polícia e o sistema judiciário republicano e alimentou a imprensa sensacionalista, que o transformou em uma lenda aos olhos da sociedade da Belle Époque carioca – para o Jornal do Comércio, era “o herói das mil notícias”. Lançado pela Editora Documenta Histórica, o livro foi contemplado no edital “Novos Autores Fluminenses”, da Secretaria da Cultura do Rio de Janeiro.

Afonso Coelho aparece em crônicas e poesias de Olavo Bilac, Lima Barreto, Rui Barbosa, João do Rio, Orestes Barbosa, Monteiro Lobato e, mais recentemente, no livro Bandeirantes e Pioneiros do Brasil Central, de Tito Teixeira. Mas pela primeira vez a história do estelionatário é resgatada em uma obra exclusiva, resultado de três anos de pesquisa do professor Ely Carneiro de Paiva, que esmiuçou microfilmes de jornais da época no Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) da Unicamp e processos judiciais no Arquivo Nacional.

Engenheiro eletricista, Ely Paiva sabe da fama duvidosa envolvendo seus colegas de profissão no que diz respeito às letras. Por isso, meio que se justifica. “Sempre gostei de histórias, desde criança. É uma paixão que vem daquela coisa mineira de avô contando causos”, diz o docente da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM). “Estava fazendo uma pesquisa genealógica da família da minha esposa, Lia Franco, que é funcionária do Caism da Unicamp. O bisavô dela foi imigrante francês em Coxim na época da Guerra do Paraguai, século 19, e deixou registros da passagem de Visconde de Taunay por sua fazenda. Tem muita coisa interessante.”

Ao garimpar um livro sobre a história do Mato Grosso do Sul, Paiva se deparou com meia página sobre Afonso Coelho, o anti-herói que aplicava golpes principalmente contra grandes casas comerciais, como exportadoras de café. Preso pelo menos uma dezena de vezes, dez fugas arquitetou, duas delas espetaculares. “Ele falsificava o talão e o carimbo da estrada de ferro, fechava o negócio, recebia à vista, mas o café nunca chegava. Era um comércio ingênuo, em que se confiava muito no outro. E ele sabia explorar as brechas do Código Penal, ainda muito falho quanto a crimes financeiros. Achei que o sujeito merecia um livro e abandonei a pesquisa genealógica”.

Ely Paiva conta que Afonso Coelho nasceu em Coxim, mas seus familiares eram todos de Uberaba e Uberabinha (hoje Uberlândia). Trabalhou em Santos como guarda-livros, quando aprendeu sobre comércio, exportação e questões de direito. Apaixonado pelo Rio de Janeiro, para lá se mudou com Victorina de Oliveira, a Risoleta, e um filho pequeno, encontrando o ambiente propício para falcatruas. Tinha apenas 21 anos quando começou a dividir espaço nos jornais com a revolta de Canudos, que explodiu em novembro de 1896 e terminou com o arraial destruído em outubro de 1897. Católico e monarquista, teria inclusive fornecido armas para Antonio Conselheiro, o que nunca se comprovou.

Antes, num domingo de maio de 1896, Afonso Coelho foi apanhado pela polícia, depois de dar golpes na praça passando-se por sócio de Rodrigues Alves (o futuro presidente) e Visconde de Guaí (ex-ministro da Marinha imperial). Levado na quarta-feira à Câmara Criminal, na Praça de República, foi inquirido pelo juiz sobre o destino de uma mercadoria surrupiada e vendida em Santos: “Distribui aos pobres e necessitados”, disse. “E 120 contos levei para meu pai que estava enfermo e sem recursos, em seu leito de morte. O meu velho Luiz, que Deus o tenha...”.

Fato ou lenda, este episódio com o juiz e a fuga cinematográfica que se seguiria à audiência renderam ao estelionatário a alcunha de “Robin Wood dos sertões”. “Eu me preocupei em considerar como fidedignas as notícias publicadas em três jornais do mesmo dia, como a do cavalo branco. Na verdade, aquela seria a segunda fuga, pois meses antes havia escapado do Primeiro Distrito”, conta Paiva. “Ele passou o dia inteiro acompanhado por dois guardas e, como nada haviam comido, ofereceu um jantar no Hotel Caboclo, na então Senador Eusébio, hoje Presidente Vargas. Um jornal traz o desenho da fuga”.

Desfeita a mesa farta, um comparsa que desde o início acompanhava a carruagem que transportava Afonso Coelho, distraiu um dos guardas perguntando por uma charutaria; o outro guarda foi convencido pelo próprio estelionatário a trocar uma nota de cem mil réis para pagamento do cocheiro. “Na esquina estava o cavalo branco, levado por Risoleta e sobre o qual ele saltou lépido. Cavalgou quinze quilômetros até Inhaúmas, onde abandonou a montaria. ‘Não pegaram o homem, mas pegaram o cavalo’, ridicularizou um jornal, publicando abaixo o depoimento do animal em primeira pessoa”.

Em julho, o estelionatário se refugiou em Uberabinha, onde foi apanhado por duas vezes e nas duas vezes fugiu pelo mato, até cair nas garras de um delegado paulista, que o levou em comboio da Mogiana até Campinas e depois em outro trem para São Paulo. “Na estação da Luz, mais de 1.000 pessoas aguardavam para ver de perto o homem que pregava peças ao capital e à polícia”, noticiou O Estado de S. Paulo. Os cariocas, obviamente, foram tripudiados, mas os paulistas logo sentiriam o mesmo gostinho amargo: com a serra levada por Risoleta dentro do pão, Afonso Coelho trabalhou na viga do teto da cadeia noite a noite, escapulindo em maio do ano seguinte.

Segundo Ely Paiva, o “homem do cavalo branco” adorava mandar cartas aos jornais anunciando suas fugas e feitos. “Ele aplicou golpes em Salvador, Curitiba, Porto Alegre, Uruguaiana e Buenos Aires, até ser preso novamente na capital paranaense. Condenado a quatro anos por estelionato, cumpriu a pena no Rio de 1903 a 1908, seu período mais longo de cadeia. Quando saiu, se disse regenerado e se juntou com Silvia Rangel, irmã do juiz Godofredo Rangel, um dos grandes escritores da época. Como ela era casada, viajaram fugidos por Argentina e Uruguai, voltando tempos depois para Friburgo, onde moraram por dez anos e tiveram seis filhos.”

O sossego acabou em 1919, quando Afonso Coelho e dois comparsas resolveram simular a venda de um chá aromático em Curitiba. Preso, cumpriu somente três meses, graças a indulto concedido pelo governador do Paraná, que atendeu ao pedido de Godofredo Rangel e de outro irmão de Silvia, o desembargador José de Moura. Mas veio outro momento de desassossego, que causou a morte do estelionatário, aos 47 anos. “A história que aparece nos jornais é que ele planejava um golpe contra um banco no México e queria sair do país com toda a família. Para isso, venderia os dois sítios em Friburgo. A discussão com Silvia virou uma luta corporal, em que ela pegou o revólver e atirou, na presença dos filhos. Foi em 9 de dezembro de 1922. Está fazendo 90 anos.”

Ely Paiva conheceu a última filha de Afonso Coelho, Clara Rangel, que nasceu em maio de 1923, seis meses depois do assassinato do pai e seis meses antes da morte da própria mãe por tuberculose. “Clara foi a primeira mulher piloto de acrobacia do país; bonita, nunca se casou, tendo falecido em dezembro do ano passado, aos 88 anos. Também fiquei amigo de Líbero Coelho Filho, sobrinho de Clara. Ele conta que o pai, Líbero Coelho Rangel, tinha apenas cinco anos quando viu o assassinato. Adulto, mandou retirar o Rangel do nome de registro”.

 

O autor criou um blog para O Homem do Cavalo Brancohttps://www.homemdocavalobranco.blogspot.com.br/

 

Comentários

Que texto interessante! Vou ler o livro! Mas que foi feito de Risoleta?

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claudia.duarte@caixa.gov.br