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Estudo sobre a poesia concreta no Brasil analisa três fases do grupo Noigandres

Obra foi o primeiro trabalho mais abrangente da corrente literária, tornando-se referência na área

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Alguns aspectos da teoria da poesia concreta, livro escrito pelo crítico literário Paulo Franchetti, foi o primeiro exame mais minucioso do sentido da poesia concreta na literatura brasileira dos anos 1950 e 1960. Resultado da dissertação de mestrado do autor, a obra foi publicada originalmente pela Editora da Unicamp em 1989. Tornando-se rapidamente uma referência na área, ela ganhou sucessivas reedições (1992, 1993 e 2012).

Esta última edição possui novidades: um adendo à primeira edição e um apêndice à quarta edição. O primeiro consiste numa exposição sobre dois pontos importantes: a defesa da escolha de seu objeto de estudo – o grupo Noigandres, constituído por Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari (e, mais tarde, Ronaldo Azeredo) – e sua história. A leitura possibilita conhecer a maturação dos poetas na elaboração de suas obras e de sua teoria, acompanhada das publicações da revista Noigandres, assim como os debates que foram sendo alimentados em outros periódicos.  Depois de ler este adendo compreende-se que a teoria crítica construída sobre poesia concreta teve como principal núcleo gerador esse conjunto de pensadores. Ele traz ainda um apanhado geral sobre a recepção tanto da poesia quanto da teoria concretas – ficando patente a importância que os veículos de comunicação tiveram nesse processo.

Já no apêndice à quarta edição, é abordada a aproximação que os concretos buscaram realizar entre a sua poesia e uma série de aspectos e técnicas do chamado mundo moderno. Esta aproximação tentou ser concretizada por meio da fusão entre arte e técnicas modernas de representação, como pela criação de videopoemas, e pelo aumento da comunicação com o leitor – que, naquele momento, afastava-se da leitura desse gênero e intensificava o seu interesse pelos mass media. Sem obter o êxito desejado com essa tentativa, ela acabou por dar lugar a uma posição contrária, de recusa e resistência às demandas do presente. 


As três principais fases do grupo

O livro apresenta e se organiza a partir de três fases bem distintas do grupo Noigandres. A primeira fase aborda a constituição do projeto concreto, identificado exclusivamente à tradição erudita e posicionando-se como herdeiro de seus antecessores (Mallarmé, Pound, Joyce e Cummings). A segunda fase enfatiza o paralelismo existente entre essa nova poesia e os mass media. Também é o momento em que, nos meios de comunicação, os poetas do grupo tratam de justificar e defender o seu projeto de poesia séria e erudita. Nesse ponto, conforme aponta Franchetti, há uma inversão, e aqueles que eram os seus antecessores passam a ser os seus precursores, isto é, aqueles que sinalizariam a sua chegada e sedimentariam seu percurso. “Há claramente uma noção hierárquica que orienta o uso da palavra precursor”, resume o crítico (2012, p. 137). A poesia concreta e seus poetas se colocavam como a totalização dessa linha evolutiva. Já a terceira fase é caracterizada pela fraca coesão e unidade do grupo, sendo marcada, também, pela tentativa de inserir a poesia concreta no debate político da época – ao mesmo tempo, a busca pela integração da poesia com a televisão e os mass media perde força.

Uma questão que permeia o livro e merece destaque é o lugar problemático ocupado pela teoria da poesia concreta. Ela faria, pois, parte de um processo de legitimação, justificação e defesa do seu próprio projeto, apresentado como vanguardista. Ao mesmo tempo, afastaria o grande público, gerando desconhecimento e embotamento acerca das suas produções artísticas. De fato, ao mirarem na erudição de seu público, os poetas restringiam o acesso a sua obra, já que muitas vezes para apreciar os poemas era preciso partilhar de certo arcabouço cultural. Além disso, o acesso às teorias críticas (divulgadas em jornais e revistas) era muito mais fácil do que aos poemas. Devido a esses fatores, a teoria acaba cerceando a recepção da poesia a um público seleto.

Reiterando esse lugar problemático, Franchetti identifica um duplo movimento realizado pelas produções teóricas. Por um lado, as publicações em jornais e revistas buscavam dividir com o leitor uma base comum de referências, para que as pessoas pudessem compreender e fruir a poesia concreta e as novidades que trazia ao mundo literário. Porém, por outro lado, ao visarem a um público de capital social suficiente para validar o projeto, essas produções mencionavam de modo exaustivo autores dos mais variados campos do conhecimento, criando obstáculos para a compreensão da proposta por um público mais amplo.

De fato, em 1957, cinco anos depois do primeiro volume publicado de Noigandres, a poesia concreta recebeu o status de poesia erudita e foi considerada obrigatória para a reflexão da literatura brasileira. No entanto, permaneceu como uma arte restrita. Ao tomar contato com excertos de Augusto e Haroldo de Campos e de Décio Pignatari, percebe-se que as teorizações são quase impenetráveis. O que acaba comprometendo a recepção das obras literárias produzidas – podendo até mesmo criar uma indisposição no leitor.

Desta forma, Alguns aspectos da teoria da poesia concreta é um livro que permite adentrar nos campos mais ocultos, contraditórios e complexos da constituição do projeto da poesia concreta no Brasil. Sua leitura possibilita, assim, compreender as razões pelas quais a poesia concreta, ainda hoje, encontra dificuldades de se apresentar como objeto de fruição, sem mediações externas.


ReproduçãoSERVIÇO

Título: Alguns aspectos da teoria da poesia concreta

Autor: Paulo Franchetti

ISBN: 978-85-268-0988-8

Edição: 4ª

Ano: 2012

Páginas: 200

Dimensões: 14 x 21 cm

R$ 52,00

 

 

 

Imagem de capa JU-online
Paulo Franchetti, autor de “Alguns aspectos da teoria da poesia concreta” | Foto: Antonio Scarpinetti

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