Imagem fundo branco com escrita a esquerda "Vozes e silenciamentos em Mariana. Crime ou desastre ambiental?", no lado direito mapa com a extensão do desastre.

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O vazamento nos portais das revistas semanais

Análise conclui que todas as publicações demoraram a dar à tragédia a dimensão necessária

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O debate jornalístico sobre assuntos relacionados ao meio ambiente ganhou destaque no Brasil a partir de 1992, quando a realização da Cúpula da Terra (ECO 92), no Rio de Janeiro, trouxe pela primeira vez na imprensa a visibilidade para questões como mudanças climáticas, preservação da biodiversidade e desenvolvimento sustentável. Nesses quase 25 anos, o assunto tem sido tema constante nos principais veículos da mídia brasileira e 78% da população já declarou ter interesse e preocupação com a temática de acordo com a pesquisa “Percepção Pública da Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil, 2015” (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos – CGEE e Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação - MCTI).

Embora o interesse pelo meio ambiente seja cada vez maior, a cobertura midiática em veículos não especializados tende em muitos casos a centrar-se no superficial e não abordar o assunto de forma aprofundada e contextualizada, considerando sua complexidade e impacto na sociedade. Em geral, essas matérias focam em acontecimentos pontuais, como tragédias e reuniões ou documentos divulgados por instituições governamentais, mas não costumam examinar a relação desses fatos com episódios passados e futuros.

Assim, analisamos aqui o espaço concedido pelos portais das revistas Veja, Época, IstoÉ e Carta Capital às diferentes fontes e versões do vazamento da barragem de Fundão da Samarco.

Verificamos se as informações e os argumentos apresentados foram suficientes para que o leitor pudesse ter um melhor entendimento das causas e de suas consequências. Levamos em consideração nesta análise a importância da pluralidade de vozes na narrativa jornalística e partimos do pressuposto de que a função social do jornalismo, mais do que simplesmente apresentar os fatos, é denunciar, questionar e ponderar, tendo em vista o interesse público.

Também consideramos que a narrativa jornalística é caracterizada por um conjunto de fragmentos desconexos de sentido, publicados na forma de notícias e que, quando isolados, dificilmente contam uma história completa. Dessa forma, é preciso reunir essas notícias em episódios e sequências maiores, para que juntas elas possam compor um acontecimento único e singular.

O levantamento das matérias publicadas nos portais online das quatro revistas de maior circulação nacional fez um recorte no período que se seguiu logo após o rompimento da barragem, de 5 de novembro a 31 de dezembro de 2015. Embora muitos desdobramentos tenham ocorrido nos meses seguintes, consideramos o espaço de tempo definido como suficiente para este trabalho.

Para selecionar as reportagens a serem avaliadas, foi realizada uma busca nos portais mencionados com as palavras-chave “Samarco”, “Bento Rodrigues”, “Rio Doce” e “Mariana”, o que resultou em mais de 160 matérias encontradas. O critério utilizado foi a escolha daquelas que apresentaram dados mais substanciais sobre os conflitos humanos, ambientais, políticos e jurídicos dos desdobramentos da tragédia.

Repercussão

De forma geral, as quatro revistas fizeram publicações frequentes sobre o assunto ao longo dos dois meses analisados, com uma redução da frequência no período após 20 de dezembro.

Entretanto, enquanto Veja, Época e IstoÉ dedicaram-se a repercutir cada novo desdobramento da tragédia, na maioria das vezes no formato de reportagens e notícias factuais, a Carta Capital, apesar de ter publicado um número consideravelmente menor de matérias (menos de 20), deu preferência a artigos analíticos, com viés mais questionador. Isso não quer dizer, no entanto, que as outras publicações citadas não tenham apresentado dados e informações que questionassem as causas e responsabilidades do ocorrido.

A revista Veja, por exemplo, na reportagem Bombeiros retomam buscas em local das barragens; uma segunda pessoa teria morrido publicada no mesmo dia do rompimento (5 de novembro de 2015), explica o que são as barragens de rejeitos, afirmando que, “por encarecerem a operação da lavra, muitas vezes não recebem a atenção e investimentos necessários”. Apesar disso, é preciso destacar que todas as publicações demoraram a dar à tragédia a dimensão necessária, e as primeiras notícias resumiam-se a apresentar os fatos e números básicos divulgados pelas autoridades locais, como contagem de mortos e desaparecidos, além de informar a participação acionária da Vale e da BHP na Samarco.

É importante ressaltar ainda que, apesar das causas do rompimento não terem sido determinadas na época, as primeiras notícias apressaram-se em dar como causa provável do rompimento da barragem a informação da ocorrência de tremores de terra próximos ao local. Embora elas também explicassem que a magnitude não era suficiente para causar tamanho estrago, como informado pelo Centro de Sismologia da Universidade de São Paulo, havia maior destaque para a ocorrência dos abalos.

A revista IstoÉ colocou a informação sobre o tremor no título no primeiro parágrafo de uma reportagem publicada no dia 6 de novembro (região do rompimento da barragem em MG registrou quatro tremores de terra), e somente algumas linhas depois informava que o abalo poderia não ter relação alguma com o rompimento. Na mesma reportagem, mas com menor destaque (sexto parágrafo), explica que, na opinião de especialistas entrevistados, somente problemas estruturais poderiam ter causado o rompimento.


Contextualização da tragédia

Em geral, as quatro revistas abordaram de forma superficial os impactos ambientais que o derramamento da lama causaria ao meio ambiente. Com exceção de uns poucos comentários sobre a possível toxicidade dos rejeitos, as primeiras notícias limitaram-se a informar o rompimento.

Foram necessários vários dias para que as primeiras reportagens sobre as causas, responsabilidades e consequências da tragédia começassem a ser publicadas. Mesmo assim, isso ocorreu em parte devido à cobrança dos leitores, indignados com a baixa repercussão do assunto, sobretudo se comparada ao espaço concedido pela mídia à cobertura dos atentados em Paris. A própria Carta Capital, que se define como “alternativa ao pensamento único da imprensa brasileira”, fez a primeira publicação sobre o assunto em seu site apenas no dia 11 de novembro, quase uma semana depois do rompimento da barragem.

Em artigo intitulado O Rio Amargo que corre para o mar, Dal Marcondes, diretor de redação do portal Envolverde, publicado na Carta Capital de 11 de novembro de 2015, denunciava que “forças poderosas” estariam “se unindo para minimizar o papel da Samarco na tragédia” e criticava a falta de providências do Planalto, além de identificar a lista com os nomes dos controladores das empresas envolvidas. “Talvez por isso, em tempos de crise econômica, se está esquecendo a amplitude política desse desastre que atravessou parte de Minas, todo o Espírito Santo e vai desembocar no Oceano Atlântico”, afirmou.

Em relação aos nomes de envolvidos, a revista Veja também publicou no dia 13 de novembro a reportagem Quanto candidatos e partidos receberam da Vale?, em que apresenta a relação de políticos que receberam investimentos da empresa controladora da Samarco durante a campanha eleitoral de 2014. Segundo a matéria, o PMDB, partido que controla o setor de mineração no país, recebeu R$ 23,55 milhões dos R$ 48,85 milhões destinados a comitês financeiros e diretórios de campanha, seguido do PT e do PSDB.

Na mesma linha editorial, a revista IstoÉ divulgou no dia 16 de novembro que empresas mineradoras doaram ao menos R$ 6,6 milhões às campanhas de deputados federais que tratam diretamente do novo Código de Mineração e aos parlamentares da comissão externa da Câmara, criada para monitorar os efeitos do rompimento das barragens da Samarco em Mariana, como informa a reportagem Deputados que debatem acidente e lei de mineração receberam R$ 6,6 mi do setor.

Sobre o Código, a Veja lembrou na reportagem Órgão responsável por monitorar barragens não tem dinheiro para fazer fiscalização, no dia 18 de novembro de 2015, que o projeto estava parado na Câmara dos Deputados desde 2013 e que somente após a tragédia teria começado a ganhar força. A reportagem informa ainda que código inclui uma cláusula que obriga as mineradoras a tratarem os rejeitos e a contratarem um seguro ambiental, mas não deixa claro se isso foi acrescentado antes ou depois do rompimento.


Licenciamento ambiental

Na revista Carta Capital de 19 de novembro de 2015, o professor de Direito Econômico e Economia da USP, Gilberto Bercovici, afirma em entrevista, Atitude do Estado aumenta a probabilidade de desastres como o de MG, que não se conhece a potencial eficácia de um seguro ambiental, pois “os custos de uma tragédia desse porte podem facilmente superar o limite máximo de indenização previsto contratualmente”.

No período de 26 de novembro e 01 de dezembro de 2015, a mesma revista Carta Capital também divulga que a Comissão de Desenvolvimento Nacional do Senado aprovou o projeto de lei que cria o licenciamento ambiental especial, como na reportagem Comissão do Senado aprova projeto que afrouxa licenciamento ambiental & Mariana, desastre que nada ensinou. A proposta afrouxa as regras de licenciamento ambiental para obras consideradas estratégicas e estruturantes, de forma que o Poder Executivo ganha o poder de indicar por decreto empreendimentos vistos como prioritários. “O projeto diz que o descumprimento de prazos implica a aquiescência ao processo de licenciamento. Aqui, abre uma porta para que com qualquer ineficiência de um dos órgãos, o projeto seja aprovado mesmo se nocivo ao meio ambiente”, afirma o senador Cristovam Buarque.

Esse medo não parece ser trivial. Os quatro veículos denunciaram que o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), autarquia vinculada ao Ministério de Minas e Energia e principal órgão regulador da mineração no país, encontra-se em estado de sucateamento. A revista Época, por exemplo, em 13 de novembro, Tragédia em Mariana: Minas tem 184 barragens para cada fiscal, informou que cada barragem passível de fiscalização recebeu, em média, uma visita de fiscais nos últimos quatro anos e que Minas Gerais conta com 184 barragens para cada fiscal.

Segundo reportagem da revista Veja, Órgão responsável por monitorar barragens não tem dinheiro para fazer fiscalização, de 18 de novembro de 2015, um funcionário de carreira do órgão teria dito: “Como não temos recursos nem gente, nós aceitamos e acreditamos nos relatórios enviados pelas empresas. Tome-se a Samarco, por exemplo. É uma empresa grande e seus acionistas são bastante conhecidos. Logo, pressupomos que esteja fazendo um bom trabalho”. Ainda de acordo com a revista, as barragens da Samarco em Mariana foram consideradas de baixo risco com base em auditorias realizadas pela própria mineradora.


Impactos Ambientais

Apesar de ter havido uma cobertura inicial superficial na divulgação dos impactos ambientais causados pelo derramamento da lama, nas semanas seguintes do período analisado, as quatro publicações abordaram as consequências da tragédia para a flora e a fauna da região. Com o desdobramento dos fatos, em uma série de reportagens, as revistas apresentaram informações mais contextualizadas sobre espécies ameaçadas, operações organizadas para salvar os animais, hectares de mata destruídos, os efeitos da presença da lama para os peixes e outras espécies aquáticas presentes no Rio Doce e a visão de especialistas sobre o assunto.

Ainda no dia 15 de novembro, a revista IstoÉ publicou uma reportagem, Rastro de destruição e lama devasta ecossistema no leito do Rio Doce, afirmando que, de acordo com especialistas, os ecossistemas atingidos estavam “irreversivelmente comprometidos”. A matéria trazia uma entrevista com o biólogo da Unicamp Carlos Alfredo Joly, que afirmava ser difícil reverter o impacto da lama na biodiversidade, visto que “os rejeitos que se acumulam nas margens dos rios são feitos de um sedimento fino, que altera a composição original do solo, tornando-o mais compacto”.

De acordo com o pesquisador, a vegetação perto das margens morreria e a modificação do solo mataria todas as árvores que não foram levadas pela enxurrada, abrindo grandes clareiras e gerando impactos em todo o ecossistema. “Nenhum de nós viverá para ver a vegetação voltar a ser como era”, ressaltou.

Da mesma forma, Carta Capital trouxe no dia 14 de novembro a matéria Rompimento de barragem pode impactar a vida marinha por cem anos. O texto foi escrito com base em uma publicação do biólogo André Ruschi, diretor da escola Estação Biologia Marinha Augusto Ruschi, em seu perfil do Facebook, em que criticava o licenciamento do projeto da Samarco. “Quem teve a brilhante ideia de abrir as comportas das barragens rio abaixo em vez de fechá-las para conter a lama e depois retirar a lama da calha do rio? Quem ainda pensa que o mar tem o poder de diluição da poluição? Isto é um retrocesso da ciência de mais de um século!”, afirmava.

Já a revista Época, em reportagem publicada no dia 19 de novembro, Lama de Mariana avança rumo ao mar e revolta população, relatava que a “imundície” no leito do Rio Doce “acarretará danos inimagináveis para a agricultura, a pesca, o turismo, o setor industrial, o esporte e o lazer. Ele abastece cidades como o município capixaba de Colatina, que se vê às voltas com o racionamento de água”. Ao mesmo tempo, notícia publicada em 13 de novembro, Análise mostra metais pesados no Rio Doce, pela IstoÉ informa que uma análise laboratorial das amostras coletadas apontou níveis acima da concentração aceitável de metais pesados como mercúrio, arsênio, ferro e chumbo.

Em relação às ameaças ao ecossistema, no dia 1º de dezembro o oceanógrafo David Zee, da UERJ, afirmou em entrevista à Carta Capital, Mariana, desastre que nada ensinou, que uma das principais preocupações se referia ao tempo de exposição da água, que teria muito material particulado em suspensão. “A água turva bloqueia os raios solares e, como consequência, microrganismos vegetais, como fitoplânctons e algas, ficarão impedidos de fazer fotossíntese, e eles estão na base da cadeia alimentar dos peixes que desovam na região”. Da mesma forma, Veja afirmou em matéria publicada em 20 de novembro, Tragédia de Mariana: lama que arrasou rios ameaça ecossistema marinho, que a lama iria afetar os manguezais e as terras que cercam a desembocadura do rio, usada para a desova e reprodução das espécies, e que iria sufocar organismos como os mexilhões, que formam a base da cadeia alimentar, e impedir a penetração da luz do sol, essencial para a fotossíntese de organismos como fitoplânctons, que servem de alimento para outros animais.

Alguns dias depois, em 26 de novembro, Lama das barragens já matou 11 toneladas de peixes, diz Ibama, a revista também apresentou dados do Ibama, segundo os quais 11 toneladas de peixes já haviam sido mortos pela lama. A reportagem informava que as mortes são causadas pelo entupimento das guelras, mas que baixos níveis de oxigênio na água também podem impedir a sobrevivência dos animais. Na reportagem, a revista ainda trazia a informação de que ninhos de tartarugas na parte norte da reserva de Comboios também estariam ameaçados, pois não havia sido feito um trabalho de resgate naquela parte do rio.

A revista Época também divulgou em sua edição do dia 5 de dezembro, Desastre em Mariana ameaça quase 400 espécies de animais, que um laudo preliminar do Ibama havia classificado o rompimento como “o maior desastre ambiental do Brasil”. De acordo com informações apresentadas na reportagem, a situação mais preocupante era a dos peixes, que antes mesmo do acidente já possuíam onze espécies ameaçadas de extinção. No dia 15 de dezembro, na reportagem Lama de Mariana destruiu 324 hectares de Mata Atlântica, a mesma revista mostrava imagens de satélite realizadas antes e depois do desastre, mencionando um levantamento feito pela Fundação SOS Mata Atlântica, segundo o qual a lama havia destruído uma área de 17km2 em cinco municípios mineiros, sendo que somente em Mariana haviam sido 236 hectares de remanescentes florestais e 85 de vegetação natural.


Pluralidade de Vozes?

Apesar de terem trazido uma variada gama de entrevistados, chama a atenção na análise do material publicado nessas revistas a quase total ausência das vozes dos principais atingidos pela tragédia: os habitantes das cidades às margens do Rio Doce. A maior parte das reportagens traz informações apresentadas por fontes oficiais, que são aquelas que ocupam cargos públicos, como prefeituras, ministérios e presidência; empresariais, como representantes da Samarco ou da Vale; institucionais, que representam organizações sem fins lucrativos ou grupos sociais, como ONU e Ibama; e especializada, na forma dos pesquisadores detentores do conhecimento científico sobre os impactos da lama.

Algumas reportagens expuseram como foram os momentos de desespero antes da chegada da lama, assim como os dias seguintes, quando alguns moradores voltaram a seus vilarejos para tentar recuperar objetos pessoais. “Nunca imaginava que nós seríamos expulsos daqui. Afinal, quem saiu daqui por vontade própria? Fomos expulsos pela lama. Está tudo destruído, não tem como recuperar nada”, na reportagem de Arlinda Eunice, Lembranças enterradas na Lama, em 16 de novembro, na revista Carta Capital.

“O agricultor Aroldo Zeferino Arantes, de 63 anos, começou a sentir cheiro de óleo quando escurecia no vilarejo de Ponte do Gama, a 40km de Bento Rodrigues. Ele não entendia o que era aquela massa escura que avançava em direção a seu sítio. Mais de duas horas depois do rompimento em Bento Rodrigues, ninguém em Ponte do Gama recebera qualquer tipo de aviso sobre o que acontecera. Mesmo sem saber do que se tratava, entendeu que tinha pouco tempo para agir. Sua primeira preocupação foi com a mãe de 93 anos”, na reportagem As histórias de quem perdeu tudo na tragédia de Mariana, dia 13 de novembro de 2015, revista Época.

Entretanto, quase não existiu informação sobre a situação dos atingidos nas edições desses veículos nas semanas que se seguiram à tragédia, nem sobre o relacionamento dos habitantes com a Samarco, suas demandas e visões sobre o acontecido. No dia 11 de novembro, na reportagem Se a barragem tivesse rompido à noite, todos teriam morrido, diz prefeito de Mariana, a revista Veja publicou uma entrevista com o prefeito de Mariana, Duarte Júnior, em que ele conta que a Samarco sempre foi uma empresa bem vista na cidade e que os funcionários sempre tiveram muito orgulho de trabalhar lá. Apesar de reconhecer o papel de empregador, o prefeito critica a Samarco por não possuir um sistema de alerta e de segurança para casos como este, além de lembrar que o rompimento já era um medo antigo dos habitantes. “Eles afirmam que tinham um plano estratégico de contingência em caso de rompimento das barragens e que esse plano foi aprovado. Mas que tipo de plano não prevê uma sirene ou um botão do pânico para avisar a população de que uma catástrofe ocorreu? Houve uma falha e é importante que a empresa assuma isso. Os moradores com quem conversei dizem que tinham medo da barragem romper e já haviam levado essa questão à empresa, mas a Samarco lhes disse que era seguro”, conta o prefeito na reportagem.

Mas, e nas semanas posteriores? Notícias publicadas nos quatros veículos informaram que os desabrigados estavam temporariamente hospedados em hotéis e que seriam alocados em casas alugadas pela Samarco. Também foi publicada uma série de matérias sobre os acordos e multas aplicadas à Samarco, assim como o vaivém jurídico, o bloqueio de contas e sumiço de dinheiro. Mas houve um silenciamento desses veículos sobre as consequências da tragédia na vida pessoal das vítimas.

Como foi o Natal de 2015 dos moradores fora de suas casas, longe de seus pertences e lembranças? Como estavam os familiares das vítimas fatais, como os da menina Emanuelly, que morreu após se soltar da mão do pai? Quais foram as consequências psicológicas para as crianças dos vilarejos? Nenhum dos quatro veículos analisados repercutiu as denúncias de que as vítimas estariam sendo coagidas por funcionários da empresa, ou apresentou críticas aos acordos de indenização, realizados sem a participação dos moradores.

Como estavam vivendo os habitantes abrigados longe de seus vizinhos, considerando que uma das características mais marcantes desses vilarejos era a convivência entre seus habitantes?

O próprio prefeito Duarte Júnior concordou com isso, quando enfatizou à revista Veja que o saldo de mortos só foi pequeno devido à proximidade e colaboração entre moradores.

Também não foram divulgadas informações sobre os habitantes que foram acometidos de Transtorno por Estresse Pós-Traumático, ou mesmo os casos de suicídio registrados, embora a revista Carta Capital, em Mariana: lembranças enterradas na lama, publicada dia 16 de novembro de 2015, tenha apresentado a fala de um homem que disse ter pesadelos com o barulho do helicóptero que apareceu para mandá-los fugir.

E em relação à pesca nos vilarejos que não foram destruídos, mas tiveram o rio tomado pela lama? De que estavam sobrevivendo os pescadores não incluídos nos primeiros acordos de indenização?

E os habitantes da parte “urbana” de Mariana, que não foram atingidos diretamente pela lama, mas tiveram as atividades comerciais reduzidas devido à diminuição do turismo no local?

Segundo o prefeito Duarte Júnior, 89% da arrecadação do município vem da atividade mineradora.

Fora uma crítica da Carta Capital a essa afirmação, o que foi debatido sobre o assunto? O que acontecerá com os principais serviços de Mariana, cuja verba provêm dos impostos pagos pela mineradora à prefeitura, se a Samarco não voltar às suas atividades? São questões sem respostas.


O discurso da mídia

A cobertura realizada pelas quatro revistas foi importante para informar ao público leigo sobre as causas e consequências ambientais da tragédia. Entretanto, além de ter faltado uma abordagem mais ampla sobre os efeitos na vida dos atingidos, esses meios de comunicação poderiam ter acompanhado mais de perto e com maior frequência notícias sobre a tragédia em seus sites. Considerando que foram cerca de 160 publicações para as quatro revistas, isso resulta em menos de uma reportagem por dia nos dois meses que se seguiram ao rompimento.

A teoria do agenda-setting, defendida por McCombs e Shaw (2000), afirma que é a mídia quem define quais assuntos serão considerados de maior importância para a população, a partir dos temas que recebem maior exposição na imprensa. Embora esse pensamento não seja tão exato nos dias de hoje, em que a informação pode ser facilmente acessada por outros meios, a mídia tradicional ainda é vista como parte integrante do processo de comunicação na nossa sociedade. Assim, é imprescindível que esses veículos se preocupem em manter um fluxo constante de informações sobre assuntos que podem impactar direta ou indiretamente o nosso bem-estar.

Dessa forma, a quantidade e abrangência das publicações não foi reduzida apenas em relação ao período que se seguiu à tragédia, mas também aos acontecimentos anteriores. No que se refere a temas relacionados ao meio ambiente, a mídia quase sempre espera a ocorrência de uma tragédia para fazer suas críticas e denúncias, entretanto, a atividade mineradora está presente no país desde o século 18 e compõe ainda hoje grande parcela do PIB brasileiro. Mesmo assim, a revista Carta Capital foi a única que publicou em seus artigos críticas mais contundentes à mineração em geral, após a ocorrência do rompimento.

Se analisarmos as reportagens publicadas nos quatro portais é possível perceber que o rompimento da barragem era uma tragédia anunciada. O Código da Mineração estava parado desde 2013, mesmo ano em que foi emitido um relatório denunciando problemas na estrutura das barragens da Samarco; o departamento responsável pela fiscalização das barragens está há anos sucateado e recebeu apenas 13% do orçamento estabelecido. Das multas aplicadas pelo Ibama, menos de 2% do valor costuma ser pago, e muitas vezes o dinheiro vai para despesas estruturais do próprio órgão.

Uma questão fundamental, que não foi abordada por nenhuma das publicações, é a própria necessidade de existência das barragens de rejeitos. O vazamento de apenas uma delas foi responsável por um rastro de destruição de mais de 10 quilômetros. Quantos quilômetros resultarão se somarmos os rejeitos existentes nas mais 600 barragens brasileiras? E esses materiais, mesmo que não sejam tóxicos, ficam armazenados indefinidamente, se acumulando ano após ano e ocupando espaços imensos de nosso território. Será que não existem destinações mais inteligentes, apropriadas e ecológicas do que essa? E, se existem, porque não são aplicadas?

A resposta soa óbvia: custos. Entretanto, discutir esse problema passa pela reflexão sobre a própria estrutura capitalista de nossa sociedade, além de todo o processo de privatização pelo qual a Vale passou nos anos 1990, algo que três das quatro revistas analisadas - exceto a Carta Capital - não parecem ter interesse em fazer. Sem trazer esta questão à pauta, talvez reste-nos esperar para ver qual será a próxima tragédia ambiental que ocupará os noticiários brasileiros, trazendo informações e denúncias sobre como tudo poderia ter sido evitado, para logo depois, mais uma vez, ser esquecida.


REFERÊNCIAS

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MOTTA, Luiz G. A Análise Pragmática da Narrativa Jornalística. In: BENETTI, Marcia & LAGO Cláudia. Metodologias de pesquisa em jornalismo. Petrópolis: Vozes, 2007.

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Reportagens

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LAMA das barragens já matou 11 toneladas de peixes, diz IBAMA. Veja, São Paulo. 26 nov. 2015. Disponível em <http://veja.abril.com.br/politica/lama-das-barragens-ja-matou-11-toneladas-de-peixes-diz-ibama/>. Acesso em: 20 jun. 2016.

ÓRGÃO responsável por monitorar barragens não tem dinheiro para fazer fiscalização. Veja, São Paulo. 18 nov. 2015. Disponível em <http://veja.abril.com.br/politica/orgao-responsavel-por-monitorar-barragens-nao-tem-dinheiro-para-fazer-fiscalizacao/>. Acesso em: 20 jun. 2016.

SE a barragem tivesse rompido à noite, todos teriam morrido, diz prefeito de Mariana. Veja, São Paulo. 11 nov. 2015. Disponível em <http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/se-a-barragem-tivesse-rompido-a-noite-todos-teriam-morrido-diz-prefeito-de-mariana>. Acesso em: 20 jun. 2016.

Época

CALIXTO. Bruno. Desastre em Mariana ameaça quase 400 espécies de animais. Época, São Paulo. 05 dez. 2015. Disponível em <http:// epoca.globo.com/colunas-e-blogs/blog-do-planeta/noticia/2015/12/desastre-em-mariana-ameaca-quase-400-especies-deanimais.html>. Acesso em: 21 jun. 2016.

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TRAGÉDIA em Mariana: Minas tem 184 barragens para cada fiscal. Época, São Paulo. 13 nov. 2015. Disponível em <http://epoca.globo.com/tempo/filtro/noticia/2015/11/tragedia-em-mariana-minas-gerais-tem-184-barragens-para-cada-fiscal.html>. Acesso em: 21 jun. 2016.

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RASTRO de destruição e lama devasta ecossistema no leito do Rio Doce. IstoÉ, São Paulo. 15 nov. 2015. Disponível em <http://istoe.com.br/440825_RASTRO+DE+DESTRUICAO+E+LAMA+DEVASTA+ECOSSISTEMA+NO+LEITO+DO+RIO+DOCE+/>. Acesso em: 22 jun.2016.

REGIÃO do rompimento da barragem em MG registrou quatro tremores de terra. IstoÉ, São Paulo. 06 nov. 2015. Disponível em <http://istoe.com.br/440166_REGIAO+DO+ROMPIMENTO+DA+BARRAGEM+EM+MG+REGISTROU+QUATRO+TREMORES+DE+TERRA/>.Acesso em: 22 jun. 2016.

Carta Capital

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Paula Penedo Pontes de Carvalho - Jornalista graduada pela Universidade Veiga de Almeida (UVA). Mestranda em Divulgação Científica e Cultural no Labjor/IEL/Unicamp. Especialização em Jornalismo Científico pelo Labjor/ Unicamp. Atuou como analista de comunicação na Fundação de Apoio Institucional ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico e na Agência de Inovação, ambas da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), onde trabalhou na atualização dos portais na internet e das redes sociais e na produção de matérias jornalísticas sobre temas como inovação, propriedade intelectual, pesquisas e cooperação universidade-empresa. É repórter da rádio Oxigênio, produzida pelo Labjor/Unicamp. e-mail: ppp.carvalho@gmail.com .

 

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